ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0026307- 36.2010.8.26.0003, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes e apelados, de um lado FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL e SAnTOS FUTEBOL CLUBE, do outro, AMAURY JOSé MARTInS LOPES DE SOUZA, e é
apelado ITAÚ SEGUROS S/A.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMEnTO AOS RECURSOS DOS RéUS E nEGARAM AO
DO AUTOR. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 24422)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores GRAVA BRAZIL (Presidente), SALLES ROSSI e PEDRO DE ALCÂnTARA DA SILVA LEME FILHO.
São Paulo, 17 de dezembro de 2015. GRAVA BRAZIL, Relator
Ementa: Responsabilidade civil - Queda de fogo de artifício sobre torcedor, causando queimaduras
Rojões foram estourados fora do estádio, mas caíram sobre a arquibancada - Torcedor equiparado a consumidor (art. 40, do Estatuto do Torcedor, Lei
n. 10.671) - Obrigação de garantir a segurança do torcedor deve ser analisada à luz das particularidades da atividade da entidade organizadora do evento, da administradora do estádio e do detentor de mando do jogo - Aos réus incumbe fiscalizar e impedir a entrada no estádio de objetos que possam ferir alguém, mas não compete garantir a mesma segurança fora dele
Inexistência de defeito no que toca à segurança esperada para o serviço prestado (art. 14, § 3º, I, do CDC) - Culpa exclusiva de terceiro (art. 14, § 3º, II,
do CDC) - Sentença reformada - Recursos dos réus providos, desprovido o do autor.
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VOTO
- Trata-se de sentença que, em ação indenizatória, julgou a demanda procedente em parte, condenando os réus a pagarem, solidariamente, indenização material na quantia de R$ 1.087,12, indenização moral na quantia de R$ 10.000,00, além das custas e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação. Confira-se fls. 621/627.
Inconformados, apelam os réus e recorre adesivamente o autor.
A Federação Paulista de Futebol (“FPF”) (fls. 635/641) aduz (i) inexistência de culpa de sua parte e (ii) exclusão de responsabilidade por fato de terceiro, uma vez que a prova testemunhal esclareceu que os fogos de artifício foram disparados fora do estádio.
O Santos Futebol Clube (fls. 648/661), aduz, em síntese, que não há provas de que o autor tenha se ferido dentro do estádio e nem de que os fogos tenham sido disparados dentro do estádio. Além disso, também enfatiza a divergência dos depoimentos do autor e das testemunhas Welton e Vladimir, quanto ao local de onde partiram os fogos de artifício que atingiram o autor. Ademais, (i) aduz não ser o caso de responsabilidade objetiva; (ii) inexistência de dano moral e, subsidiariamente, redução do quantum indenizatório; e (iii) redução dos honorários advocatícios para 10% do valor da condenação.
O autor (fls. 685/690), por sua vez, requer a majoração da verba indenizatória para R$ 35.000,00, além da majoração da verba honorária para 20% sobre o valor da condenação.
O preparo foi recolhido (fls. 642/644 e 662/663, 691/694, 701, 704/705 e 709), sendo os recursos recebidos (fls. 664 e 695) e contra-arrazoados (fls. 669/676, 678/683, 712/716 e 719/724), oportunidade em que o autor aduz a intempestividade da apelação do Santos F.C.
é o relatório, adotado, quanto ao mais, o da sentença apelada.
- O autor ajuizou a demanda, em outubro de 2010, narrando ter sofrido queimaduras ao ser atingido por fogos de artifício enquanto assistia a uma partida de futebol no estádio do réu Santos F.C. Pelo motivo exposto, pleiteou indenização moral (com valor a ser arbitrado pelo juízo), indenização estética (em quantia equivalente ao necessário para o custeio de cirurgia estética reparadora), e indenização material (na quantia de R$ 1.137,12, correspondente às despesas realizadas por conta do ocorrido).
O juízo a quo julgou a demanda procedente em parte, sob o fundamento, em resumo, de que “A responsabilidade e obrigação de indenizar por resultado danoso experimentado por torcedor em estádio de futebol é da entidade
administradora do estádio, do clube detentor do mando de jogo, como também da entidade organizadora da competição, afora os dirigentes, consoante estabelece o ‘Estatuto do Torcedor’, artigos 13, 14 e 19. E na proteção e garantia do torcedor, como consumidor que é, pouco importa se o vetor causador do resultado danoso eclodiu dentro ou fora do estádio, já que a responsabilidade é de natureza objetiva, fundada na teoria do risco (CC, artigo 927 e parágrafo único; CDC, artigo 14)”.
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De início, a r. sentença foi disponibilizada dia 07.02.2014 (sexta-feira), de modo que a data da publicação foi o dia 10.02.2014 (segunda-feira) e a contagem do prazo recursal teve início em 11.02.2014 e fim em 12.03.2014, data em que foi protocolado o recurso do Santos F.C. (fls. 648), razão pela qual ele é tempestivo.
Quanto à questão de fundo, de fato, é o caso de reforma.
não se olvida que há equiparação da relação torcedor - entidade de prática desportiva - entidade organizadora da competição e consumidor
- fornecedor (arts. 3º e 40, do Estatuto do Torcedor, Lei nº 10.671), além de existir lei determinando a responsabilidade objetiva e solidária entre as referidas entidades e seus dirigentes por violações à segurança dos torcedores nos locais onde são realizados os eventos (arts. 13, 14, 15 e 19, do diploma mencionado).
nada obstante, os referidos dispositivos devem ser interpretados à luz das particularidades do serviço prestado (partida de futebol), além de que, no caso, deve-se ter em mente que responsabilidade objetiva não é sinônimo de responsabilidade integral e ilimitada por qualquer evento danoso que venha a ocorrer no interior do estádio de futebol.
No contexto, deve-se verificar se o fato danoso tem relação com a segurança esperada para o serviço prestado, de sorte a caracterizar defeito (art. 14º, caput, § 1º, I e II, do CDC).
no caso, a despeito do autor e da testemunha Welton não saberem se os fogos foram ou não soltos dentro do estádio (fls. 597 e 598), a testemunha Vladimir, trazida pelo próprio autor, contou que “a torcida uniformizada não levou nem soltou fogos; dentro do estádio Amaury ficou perto do placar eletrônico e a torcida uniformizada mais distante; quando o Santos entrou em campo houve queima de fogos de fora do estádio, vendo que fogos caíram para dentro e atingiram frequentadores, muitos se ferindo” (fls. 599).
Isto é, tem-se que os fogos foram soltos fora do estádio e, portanto, fora do campo de atuação dos réus para garantir a segurança dos torcedores.
É certo que cabe aos réus fiscalizar e impedir a entrada nos estádios de qualquer objeto (tais como armas, facas, explosivos etc) capaz de causar dano à integridade física de alguém, todavia, não há como impor idênticas obrigações no entorno (ruas, calçadas, praças próximas ao local da partida), onde, apesar de
ser expressivo o número de torcedores, é de livre circulação.
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Frise-se que até mesmo o Código de Defesa do Consumidor exclui a responsabilização integral, em seu art. 14, § 1º e respectivo inciso II, ao prever que o serviço será defeituoso quando “não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar”, considerando “o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam” (destaque nosso). não se mostra razoável esperar que o particular exerça poder de polícia fora dos limites do estádio, a fim de impedir a explosão de fogos de artifício que possam vir a cair sobre a torcida, nem mesmo se mostra razoável esperar que a entidade organizadora do evento, ou o clube, ou a administradora do estádio sejam responsáveis por qualquer coisa que ‘cair do céu’ dentro dele.
nesse sentido, a queda de um fogo de artifício lançado fora do estádio é um fato estranho à atividade da administradora do estádio, do clube detentor do mando de jogo, como também da entidade organizadora da competição, caracterizando excludente de responsabilidade por (i) inexistência de defeito no que toca à segurança esperada para o serviço prestado (art. 14, § 3º, I, do CDC) e (ii) culpa exclusiva de terceiro (art. 14, § 3º, II, do CDC).
Em conclusão, é o caso de reformar a r. sentença, para julgar improcedente a demanda.
Diante do resultado do julgamento, impõe-se a inversão do ônus de sucumbência, e fixa-se honorários em R$ 700,00 para cada réu, nos moldes do art. 20, § 4º, do CPC.
- Ante o exposto, dá-se provimento aos recursos dos réus, desprovido o do autor. é o voto.
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