RICARDO DIP (Orador em nome do Tribunal de Justiça)
(Discurso proferido por ocasião da Abertura do Ano Judiciário do Tribunal de Justiça de São Paulo - Solenidade realizada em 15.02.2016).
150 anos! Quase isto, quase 150 anos tem o nosso Tribunal de Justiça de São Paulo, é dizer, um século e meio de uma história de tantos magistrados e servidores a quem devemos gratíssima reverência e de cujas boas realizações sempre somos e havemos de ser fiéis depositários.
Emprestando-se aqui uma célebre imagem pascaliana, tem sido este Tribunal qual um homem que aprende sempre e não morre nunca: nossa experiência centenária e meia, experiência de exemplares lições vividas e ainda vívidas de nossos Maiores, alicerça a reafirmação perseverante dos objetivos de justiça e da devoção aos esforços de que nos temos munido para saber enfrentar, com eficácia e eficiência, a muito difícil missão de ser juiz e que, ainda agora, talvez mais do que nunca, é árdua e extensa e complexa e premida por graves circunstâncias externas.
Os juízes, somos uma função da comunidade, somos o último penhor humano das liberdades concretas de todo o povo: os interesses confiados à Magistratura, exatamente por isso que, na vida política, entregues em derradeiro às suas mãos, são a causa por que se impõe observar um grave respeito à independência judicial. Respondemos diretamente à lei e ao direito, porque somos a custódia final dos interesses comunitários, e é por sermos função da comunidade que não nos configuramos ao modo de uma função de governo. Disso nos advém o desconforto de que muitos não compreendam inteiramente o quase sagrado de nossa missão e o fundamental relevo político de uma independência, concreta e histórica, concorrente com o engrandecimento, muita vez apenas retórico, da mera proclamação de uma independência institucional, abstrata e idealista, que tem levado, em muitos países, a tomar-se o Judiciário por organismos da Administração pública e à consequente burocratização de seus juízes.
Quer, entretanto, a independência profissional dos magistrados − correspondendo aos direitos pessoais resultantes da função judiciária −, quer, mais além, a independência institucional da Magistratura − é dizer, a do Poder judiciário, enquanto instituição −, são elas, ambas, derivadas de uma independência maior, são secundárias, as duas, da independência judicial por antonomásia, que diz respeito à liberdade jurídica de cada juiz, in suo ordine et secundum ius, determinar o direito do caso conforme sua ciência e consciência reta, sempre nisto suposto sejam os juízes observantes da lei natural
e da lei positiva, sem ceder à tentação de ideologias de turno que convertem a consciência em suposta norma objetiva de agir. Lembremo-nos neste capítulo da secular advertência ciceroriana, de que a autoridade que se aparta da lei, nisto não tem valor de autoridade. é esta independência funcional a que se afeiçoa à potestade judiciária, qual seja, à de exercer a jurisdição livremente, segundo as leis, de modo que se configure por ser uma liberdade de todos e de cada um dos juízes para satisfazerem o bem comum.
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num quadro de crise de identidade quase universal das funções da Magistratura, calha dizer, quanto a nós, Senhor Presidente, que o gigantismo do Tribunal de Justiça de São Paulo, fruto, em larga medida, da menos prudente unificação, em fins de 2004, de nossas Cortes de Alçada, tornou-nos, quantitativamente, o maior Tribunal de Justiça do mundo, num desmedido de proporções a que se atraiu, para mais, o demandismo de algum modo estimulado pela normativa em vigor e que corresponde a uma situação de dramático déficit da virtude da concórdia política.
Nada obstante as origens exteriores da maior parte de nossas dificuldades atuais, estamos vencendo o embate contra a quantidade excessiva de processos, e vencendo-o sem prejuízo de preservar, como não poderia deixar de ser, a substância de nossa missão jurisdicional e o inteiro respeito à independência da potestade de cada u m de nossos juízes.
A despeito da contemporânea tendência obsedante pela quantidade e pelo tempo que passa − quantidade e tempo que são categorias acidentais −, nosso Tribunal de Justiça tem primado por manter sua vocação substantiva, qual seja a de declarar o direito: dar a cada um o que é seu. Temos vitoriado sobre o vultoso volume de processos, sem que nos convertamos, porém e indevidamente, numa fábrica de decisões estereotípicas, e temos também procurado vencer com empenho a premência do tempo que corre, sem ceder a obsessões cronométricas, nem estimular a temeridade de sentenças céleres que antes não prefiram ser justas. Porque nossa finalidade é o suum cuique tribuere, é dar a cada o que é seu, o mais que o pudermos em quantidade, o mais que o pudermos em rapidez, mas sempre com a condição essencial, com o suposto indeclinável, de que queiramos sempre ser justos, porque é para repartir justiça que existimos há quase 150 anos; é para repartir justiça e não só para vencer dados estatísticos; é para repartir justiça e não apenas para superar metas de brevidade; é para repartir justiça, e não para estimular não importa quais gêneros de conciliações, porque a paz é efeito indireto da justiça, e não há verdadeira paz social possível numa conciliação avessa da intenção moral de concórdia... é para repartir justiça, é para isto que existimos faz quase 150 anos, é para isto que exercitamos e custodiamos fielmente a independência de nossa potestade jurisdicional, garantia indeclinável das liberdades concretas e históricas de nosso povo.
Senhor Presidente, nossa pátria interior, moldada por um século e meio quase de uma história de fulgurante valor intelectual e moral, esta nossa pátria interior de magistrados nutre-se e vivifica-se pelo amor ao direito.
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Admirável e misteriosa graça parece perpassar as gerações de tantos juízes deste Tribunal, de modo que lhes tem incutido na alma, com invariável força, a permanência do amor pela justiça, a perseverança em buscar a verdade, a constância em distribuir o bem jurídico.
O grandioso desafio de agora é que, em meio a muitos e conhecidos obstáculos, possa nosso Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a prudente liderança de Vossa Excelência, progredir na continuidade, desenvolver-se na linha de sua permanência histórica já consagrada, porque é solidando na fidelidade ao melhor de seu passado, é ancorando-se nos pilares de sua provada e bem sucedida experiência histórica, que nossa nau da justiça − em vez de aventurar-se, sem rumo, vagueando ao sabor de ventos e tempestades − poderá aportar segura na consecução do bem comum. Esta é a grande novidade de agora: olhar o que aprendemos do passado para poder verdadeiramente progredir e, assim, cuidar prudentemente do futuro.
Que grandes perspectivas! Que grandiosa missão!
A seu comando, Senhor Presidente, e sob a vontade de Deus! Muito obrigado.
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