ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001153- 52.2005.8.26.0080, da Comarca de Cabreúva, em que é apelante ORAIDE PAVANI E IRMÃ S/C LTDA., é apelado O MOINHO MOAGEM ESPECIAIS LTDA..
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do relator,
que integra este acórdão. (Voto nº 8289)
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O julgamento teve a participação dos Desembargadores CASTRO FIGLIOLIA (Presidente), MÔNICA SERRANO E DIMITRIOS ZARVOS VARELLIS.
São Paulo, 21 de fevereiro de 2014. CASTRO FIGLIOLIA, Relator
Ementa: AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO JULGADA PROCEDENTE -
Apelada que não conseguiu efetuar o pagamento de cheque inadimplido - Recusa da credora apelante em receber o pagamento demonstrada - Motivos para a recusa descabidos - Pedido corretamente acolhido.
SUCUMBÊNCIA-HONORÁRIOSADVOCATÍCIOS
- FIXAÇÃO EM VALOR SUPERIOR AO PLEITEADO - ESTIPULAÇÃO ULTRA PETITA -
Verba que deve ser reduzida ao montante pleiteado inicialmente, equivalente a vinte por cento sobre o valor consignado - Recurso parcialmente provido, para serem reduzidos os honorários.
VOTO
Vistos.
Trata-se de ação ordinária, denominada de consignação em pagamento que a autora O Moinho Moagem Especiais Ltda. moveu contra a ré Oraide Pavani e Irmã S/C Ltda.. Alegou a autora que emitiu cheque para pagamento parcial de mensalidade escolar. O cheque não foi compensado por falta de provisão de fundos. A ré se recusa receber os valores relativos à cártula, daí a necessidade de consignação.
A ação foi julgada procedente (fls. 95/96).
A ré apelou (fls. 98/106). Sustentou, em suma, que a decisão era ultra petita, porque a apelada pedira a fixação dos honorários em vinte por cento sobre o valor do depósito. Os honorários advocatícios estipulados na sentença superaram o valor atribuído à causa. No mérito, afirmou que, antes da consignação dos valores representados pelo cheque inadimplido, já tramitava ação executiva amparada no contrato de prestação de serviços escolares e de reparação por dano moral. O débito representado pelo cheque era proveniente da contratação de serviços escolares. O valor devido deveria ser acrescido dos encargos estabelecido no contrato de prestação de serviços escolares. Os
honorários advocatícios eram excessivos. Pelo que expôs, pediu que seu recurso fosse provido para o fim de ser julgada improcedente a ação, ou para que se desse a redução da verba honorária.
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Em resposta (fls. 114/117), a apelada pugnou pelo desprovimento do
recurso e pediu que a apelante fosse considerada litigante de má-fé.
Recurso regularmente processado. É a síntese necessária.
A objeção preliminar constante do apelo, pertinente à fixação dos honorários em valor maior do que o pedido, diz respeito ao mérito e será analisada na sequência.
Quanto ao mérito propriamente dito, o recurso comporta parcial provimento.
A parte desprovida diz respeito ao tema principal em discussão, qual seja, a consignação do valor referente ao cheque de emissão da apelada entregue à apelante.
A apelada alegou e comprovou a existência de restrição de seu nome. Isso se deu em decorrência da devolução de cheque por ela emitido em favor da apelante (fls. 21).
Para haver a baixa do cadastro, a apelada tentou fazer o pagamento à apelante. Como a credora acabou por se recusar a receber o valor representado pela cártula, a apelada propôs a presente ação de consignação em pagamento. Com isso, pretendeu licitamente exonerar-se da obrigação.
Patente a possibilidade da consignação na hipótese, forte no art. 335 do Código Civil, de seguinte redação:
“A consignação tem lugar:
I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o
pagamento, ou dar quitação na devida forma”.
A apelante não negou que se recusou a receber o valor referente à cártula devolvida. Em verdade, ainda que indiretamente, ela sustentou que a recusa foi justa.
Disse a apelante que o cheque lhe foi entregue para pagamento de dívida pertinente a contrato de prestação de serviços escolares. Para pagamento parcial da obrigação decorrente de tal contrato, houve a emissão do cheque pela apelada. Entretanto, não foram quitados nem o cheque e nem o crédito remanescente, oriundo do indigitado contrato de prestação de serviços escolares.
A apelante sustentou que na ocasião em que foi cientificada sobre a ação de consignação, já havia ajuizado ação executiva amparada no contrato de prestação de serviços escolares. Por conta disso, não bastava a consignação do montante relativo ao cheque inadimplido. Havia a necessidade de o valor
consignado corresponder ao total da dívida oriunda do contrato, inclusive com a incidência da multa de 10%.
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Os argumentos da apelante não colhem.
Por primeiro, cabe anotar que o cerne da questão não guarda relação direta com o contrato de prestação de serviços escolares firmado entre as partes. Tampouco há liame entre esta ação e outra na qual é exigida a integralidade da dívida referente ao contrato. O que se discute na presente ação é o direito de a apelada consignar o valor referente ao cheque anteriormente devolvido, bem como a eficácia - ou não - do depósito efetuado em favor da apelante para a quitação da obrigação cartular. Não há discussão sobre o contrato de prestação de serviços.
O raciocínio da apelante no que tange tanto à recusa de recebimento do valor referente apenas ao cheque - despido do valor devido por conta do contrato -, como quanto ao montante a ser consignado, peca por um aspecto: a apelada não contratou a prestação de serviços dita inadimplida. Quem o fez foi seu sócio, o Sr. Marcos Antonio Federzoni, contra quem a apelante move execução (cf. fls. 59). Se a apelada não contratou, estava obrigada tão-só a honrar o pagamento da dívida representada pela cártula que emitiu. Justamente a dívida que a apelante se recusou a receber, por entender que também outros valores, como dito, decorrentes do contrato de prestação de serviços escolares, deveriam ser honrados.
O fato de a apelada reconhecer que o cheque inadimplido representa parte do pagamento dos serviços contratados com a apelante, não a vincula à obrigação representada pelo contrato. Sua responsabilidade está limitada exclusivamente à obrigação cambial representada pelo cheque, eis que não anuiu com o contrato de prestação de serviços escolares - seja na condição de contratante, ou de garantidora. É o que se pode verificar do instrumento de fls. 15/17. Nele sequer consta o nome da apelada.
A conclusão é inevitável: não havia como se condicionar o recebimento do valor representado pela cártula à quitação de outras quantias inadimplidas, decorrentes do por tantas vezes referido contrato de prestação de serviços escolares.
O fato de a cártula encontrar-se encartada nos autos da ação de reparação de dano movida pela apelante contra a apelada - cópia da inicial de tal ação foi juntada a fls. 62/68 - também não inviabilizava a consignação dos valores. Naquela demanda não está sendo requerido o pagamento do título, como afirmou a própria apelante. Trata-se de ação na qual a apelante visa a reparação de suposto dano, decorrente de ato ilícito que envolveria a apelada, mas que não versa diretamente sobre a dívida oriunda da cártula objeto desta demanda.
A i. magistrada sentenciante bem analisou a questão: “Cuidando-se
de hipótese em que é possível ao devedor purgar a mora, embora estivesse inicialmente em situação que não lhe permitisse manejar a ação de consignação, por não ter havido recusa ao pagamento, como alega a requerida, a partir do momento em que pretende o devedor cumprir a obrigação e lhe sendo, na hipótese, possível tal fato exsurge para si o direito de consignar ao credor, que passa a ser considerado em mora. Nem seria admissível, no caso concreto, a situação inversa: manter-se o devedor na posição eterna de inadimplente, quando dispõe de meios e pretende saldar o débito existente”.
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Descabida a pretensão da apelante de corrigir o valor consignado - R$ 416,66 - com base nos encargos pactuados no contrato de prestação de serviços escolares.
Como dito, não há liame direto entre a apelada e a apelante, no que concerne ao contrato de prestação de serviços escolares. Assim, os índices contratados na avença não obrigam a apelada, mas só o contratante, não obstante este seja sócio daquela. Corolário, devem subsistir os índices aplicados pela apelada sobre o débito (atualização monetária pela tabela do TJSP e juros de mora, na base de 1% ao mês), os quais, diga-se de passagem, não foram impugnados.
Em suma, não havia como se afastar a pretensão principal, já que era direito da apelada consignar o valor representado pela cártula precedentemente devolvida, ante a recusa da apelante quanto ao recebimento. Correto o valor consignado, ele tem aptidão para fazer com que se reconheça o pagamento do crédito - com a consequente quitação - representado pelo título de emissão da apelada. Como decorrência, o pedido foi corretamente acolhido, pelo que a decisão combatida não merece reparos.
Agora, a parte do recurso que merece ser provida.
No que concerne aos honorários advocatícios, a apelante inquinou a decisão de ultra petita, em vista de a fixação em seu desfavor ter se dado em montante superior ao valor pleiteado - inclusive superior ao valor da causa.
Não obstante a fixação dos honorários sucumbenciais possa se dar independentemente de pedido da parte e em valor superior ao da causa, por decorrer de lei - mais especificamente do art. 20 do C.P.C. -, no caso dos autos houve pedido expresso a respeito do montante da verba. O ilustre procurador da apelada - o maior interessado - pediu que os honorários fossem estipulados em vinte por cento sobre o valor consignado.
Sobre a impossibilidade da fixação de verba honorária em montante superior ao expressamente pleiteado, de se verificar RT 540/176; STJ-3ª T., REsp 12.585.
Observada tal peculiaridade, a estipulação da verba em montante superior ao pedido se caracteriza mesmo como ultra petita, o que leva ao expurgo do excesso. Assim, os honorários devem ser reduzidos para o montante pedido
inicialmente - vinte por cento calculados sobre o valor consignado corrigido e os demais acréscimos acima já referidos.
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Por derradeiro, não colhe a pretensão da apelada, de reconhecimento da litigância de má-fé, pois a conduta processual da apelante não desbordou as fronteiras do regular exercício do direito de defesa. Aliás, o provimento parcial do recurso faz ver isso de forma estreme de dúvidas.
Nestes moldes, dá-se parcial provimento ao recurso.
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