DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
(Voto nº 27405)
Ouso divergir do ilustre Desembargador Relator Sorteado pelas razões que seguem:
Ficou claro que a mãe da autora precisou de atendimento urgente em razão do diagnóstico de apendicite aguda, com necessidade de realização de
cirurgia.
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Admite-se na contestação que a autora, filha da paciente, assinou o termo responsabilizando-se “pelo pagamento dos serviços prestados pelo Spdo., caso a Medial, operadora do Plano de Saúde do qual a paciente é, ou pelo menos era beneficiária, negasse ou não cobrisse o atendimento/procedimento” (fls. 139), além disso, o réu diz que a autora confessa que sua genitora estaria em período de carência.
Portanto, é incontroverso que a internação ocorreu sob o amparo de convênio médico.
Nessas condições, em primeiro lugar, o requerido teria que efetuar a inequívoca prova de que o convênio recusou o pagamento das despesas reclamadas, com o acompanhamento dos necessários esclarecimentos, para que eventualmente se pudesse averiguar a legitimidade, ou não, dos mesmos.
É que, se a internação é feita sob o amparo de convênio médico, a cláusula segundo a qual a autora responde por despesas não cobertas pelo convênio, revela-se abusiva e incompatível com o Código de Defesa do Consumidor, na hipótese em que não haja demonstração de inequívoca recusa pelo convênio e ausência de demonstração de eventual legitimidade de eventual recusa.
Ora, na medida em que a internação é feita por convênio médico, deve- se entender que o hospital fica ciente de que não poderá exigir o pagamento do paciente ou responsável, em hipótese de ilegítima recusa de quitação pelo pagamento por parte do convênio.
Esta é a interpretação contratual que deve prevalecer em favor do consumidor e aderente do referido Contrato de Prestação de Serviços.
Os contratos de adesão não são nulos, mas suas cláusulas devem ser interpretadas em favor do aderente, na hipótese de justificado conflito de interpretação.
O eminente Orlando Gomes é claro nesse sentido, ao prelecionar que “o que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar, porque tem necessidade de satisfazer a um interesse que, por outro modo, não pode ser atendido (...). Esse constrangimento não configura, porém, coação, de sorte que o contrato de adesão não pode ser anulado por esse vício do consentimento. As circunstâncias em que realizam influem na interpretação e aplicação de suas cláusulas, notadamente as impressas” (Contratos, Forense, 8ª Edição, página 137).
Destarte, o que se pode discutir em um contrato de adesão, não é a existência do vínculo jurídico, o qual emana indiscutível, mas sim a interpretação de suas cláusulas, que “em caso de dúvida devem ser interpretadas contra a parte que as ditou”. (Obra citada, página 144).
Assim, se o contrato de adesão não é nulo, a realidade é que suas cláusulas
impressas, em caso de conflito entre os contratantes, merecem interpretação em
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favor do aderente.
Na espécie, é inequívoco que a autora responsabilizou-se pela internação e cirurgia de sua genitora através de convênio médico, o que era de plena ciência do hospital. Ante tal quadro, se o convênio recusa-se a pagar, a responsabilidade somente poderá recair sobre o paciente ou responsável em caso de manifesta e indiscutível legitimidade da recusa, o que não ficou provado no caso dos autos.
Ademais, em caso de manifesta ilegitimidade ou discutível legitimidade da recusa, tem-se que o risco da cobrança deve ser lançado à própria empresa hospitalar, pois estava ciente de que a paciente ou responsável declarou que o pagamento deveria ser feito pelo convênio médico.
Além disso, no que tange ao período de carência, tem-se que estipula a Lei 9.656/98 o seguinte:
“Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001).
(...) V - quando fixar períodos de carência:
c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177- 44, de 2001)”.
A paciente foi internada no Hospital, em regime de urgência, tendo que passar por cirurgia em razão da “apendicite aguda gangrenada com secreção purulenta loco regional” (fls. 59). O réu reconhece na contestação que “se a equipe médica do Supdo. não tivesse agido rápida e cirurgicamente, debelando o processo infeccioso (apendicite aguda), sem dúvida, teríamos a figura de omissão de socorro”, e que “a própria autora, enfermeira de profissão, reconhece o risco a vida que a patologia apendicite aguda representava à sua genitora” (fls. 141).
Nestas circunstâncias, tipificada a situação de emergência, surge a responsabilidade do Plano de Saúde no prazo máximo de 24 horas, mesmo no período de carência, relevando-se de inequívoca abusividade a recusa de custeio de despesas do paciente, na hipótese de configuração de quadro emergencial, como o tipificado nos autos.
Ante ao exposto, pelo meu voto, negava provimento ao recurso.
LUIS CARLOS DE BARROS, Desembargador, 3º Juiz vencido
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