Ementa: Doação. Revogação. Ingratidão. Art. 557 do Código Civil. Hipóteses taxativas segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes. Existem exceções que admitem a natureza exemplificativa, como no precedente trazido na apelação, do qual participei. No caso, contudo, prescinde-se dessa prévia definição porque os fatos mencionados na inicial são capazes de, em tese, caracterizar a injuria grave que permite a revogação pelo inciso III do art. 557 do Código Civil. Julgamento antecipado que, no contexto, cerceou a defesa do autor. Necessidade de colheita de prova oral, inclusive depoimentos pessoais, para que seja prolatada nova sentença de mérito e se possa dirimir definitivamente a questão. Recurso provido para tanto, prejudicado o adesivo.
Jurisprudência - Direito Privado
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VOTO
Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença que julgou extinta, sem exame do mérito, ação de doação de quotas sociais, sustentando o autor apelante, em suma, que é exemplificativo o rol de previsões do art. 557 do Código Civil e que a ingratidão dos donatários réus está assentada nos fatos narrados na inicial, tendo havido cerceamento de defesa com o julgamento antecipado antes das provas que pretendia realizar em audiência.
Alternativamente, caso o Tribunal entenda que pode ser aplicado o art. 515, § 3º, deve a ação ser julgada procedente porque após a doação passou a sofrer retaliações e injustiças dos filhos donatários, ora apelados, inclusive com a retirada do pró-labore combinado e todo tipo de óbices para o funcionamento da única empresa que lhe restou e fica no mesmo imóvel das demais empresas, tudo a permitir a conclusão de que houve injúria moral até mais grave do que a física.
Adesivamente recorrem os réus para a elevação dos honorários advocatícios de modo a remunerar com dignidade em ação de vultoso valor e complexidade.
Este é o relatório.
O recurso, com a devida vênia, merece provimento.
O digno Magistrado sentenciante interpretou restritivamente o art. 557 do Código Civil para concluir que são taxativas as hipóteses previstas nos incisos I a IV e nenhuma delas está sequer em tese descrita na inicial. E, por isso, baseado na falta de possibilidade jurídica do pedido, julgou extinta a ação sem apreciação do mérito, nos termos do art. 267, VI, primeira figura, do Código de Processo Civil.
Não agiu acertadamente, contudo. E não exatamente porque, com amparo em boa doutrina, entendeu que são taxativas as hipóteses do art. 557 do Código Civil. É o entendimento que predomina também na jurisprudência deste Tribunal de Justiça de São Paulo: AP. 0021629-51.2010.8.26.0011, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, em 20.04.2013, Unânime; AP 9170327- 78.2007.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Vilenilson, em 03.08.2010, Unânime; AP 9079484-09.2003.8.26.0000, Rel. Des. Egidio Giacoia, em 13.07.2010; AP 9126539-82.2005.8.26.0000, Rel. Des. Vito Guglielmi, em 25.10.2006.
O meu entendimento pessoal é sentido de que são exemplificativas as hipóteses do texto legal, permitindo-se que outras não expressamente previstas possam ser graves o bastante para a revogação da doação por ingratidão. Por isso concordei com o precedente da lavra do Desembargador Francisco Loureiro, desta 4ª Câmara de Direito Privado, julgamento do qual participei (Apelação
nº 671.351-4/5-00, Piracaia, em 29.10.2009, fls. 866). Mencionando doutrina abalizada o eminente relator funda o entendimento na correta ponderação entre a especificação legal, para evitar abuso do doador, e os diversos fatos da vida real que podem significar ingratidão capaz de justificar a revogação.
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De todo modo, a hipótese dos autos prescinde dessa definição prévia pela turma julgadora. Isso porque, em tese, os fatos narrados na inicial podem se constituir em injúria grave capaz de caracterizar a ingratidão de que cogita o art. 557, III, do Código Civil. E, com a devida vênia do digno Magistrado sentenciante, não é relevante, para efeito de apreciação do mérito, se os fatos narrados na inicial foram expressamente nominados como injúria grave, prevalecendo o princípio secular de que cabe à parte narrar os fatos e ao juiz dar o direito que seja aplicável.
E é nesse particular que o recurso é provido.
Ainda que descritos na inicial, e já em parte amparados por prova documental, era fundamental que a respeito deles fosse colhida a prova oral pretendida pelo apelante, inclusive com a tomada dos depoimentos pessoais para a melhor e mais completa verificação de ter ou não havido injúria, e, em caso positivo, se foi grave.
É primordial que se faça a dilação probatória a respeito dos fatos graves
e controvertidos contidos nas alegações de ingratidão envolvendo filhos e pai.
Por isso, preservado o entendimento do digno Magistrado sentenciante, mas para permitir que o Tribunal possa amanhã resolver em definitivo se houve ou não ingratidão suficiente para a procedência da revogação da doação, o provimento do recurso é para que, anulada a r. sentença por cerceamento de defesa, sejam tomados os depoimentos pessoais das partes, ouvidas as testemunhas que forem arroladas e proferida nova sentença sobre o mérito da ação.
Para tanto o provimento do recurso.
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