DECLARAÇÃO DE VOTO
(Voto nº 15.865)
– Associação Brasileira de Shopping Centers - ABRASCE propõe ação pertinente objetivando declaração de inconstitucionalidade das Leis números 10.947/1991 e 11.649/1994 e do Decreto nº 29.728/1991, do Município de São Paulo, a teor de ofensa aos artigos 22, inciso XXIII, e 30, incisos I e II, da Constituição da República, e artigo 1º da Constituição do Estado, diplomas legislativos esses que impõem aos shopping centers instalados na cidade de São Paulo implantação em suas dependências de ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro, argumentando que o particular não pode ser obrigado a executar atividade que compete ao Poder Público fazer.
O relator, Desembargador Cauduro Padim, julga a ação improcedente, em voto encapsulado na seguinte ementa: “Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Lei nº 10.947/1991, da Lei nº 11.649/1994 e do Decreto nº 29.728/1991, que obrigam os shopping centers a implantarem em suas dependências ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro. Poder de polícia exercido pela Administração Municipal em área de grande contingente humano visando preservar a integridade física e a saúde dos frequentadores e usuários dos shoppings. Centros comerciais que também expõe a risco os frequentadores. Inexistência de vício de iniciativa e de ofensa ao princípio da separação dos poderes. Inteligência do art. 1º, III, da Constituição da República e do art. 220 da Constituição do Estado. Ação desprovida, inconstitucionalidade afastada.”.
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- Meu voto.
Não colhe a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, visto não se estar diante de contraste de lei municipal com a Constituição Federal senão que com a Constituição do Estado, pois se o Município edita legislação fora dos limites de sua competência, como é afirmado pela Autora, em última análise ofendido é o artigo 144 da Constituição do Estado de São Paulo. Como assinalado pelo Relator, cuida-se de dispositivo constitucional estadual remissivo cuja afronta permite o controle abstrato de constitucionalidade pelo Tribunal de Justiça, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
A ABRASCE é entidade de classe de âmbito nacional e o interesse por ela nesta ação defendido tem relação de pertinência, qual seja, existe um vínculo de interesse comum entre os seus integrantes e a proponente (pertinência temática), fatos que a legitimam para a propositura da ação, nos termos do artigo 103, IX, da Constituição Federal, artigo 90, V, da Constituição do Estado de São Paulo e artigo 2º, IX, da Lei nº 9.868/1999. Aliás, este Órgão Especial, como referido pelo Relator, já reconheceu, em ação análoga, a ABRASCE como entidade legitimada para postular declaração de inconstitucionalidade de lei municipal ofensiva da Constituição Estadual.
Acompanho o voto do Relator, dest’arte, no desacolhimento das preliminares.
A Lei Municipal nº 10.947/1991 foi alterada pela Lei nº 11.647/94 e regulamentada pelo Decreto nº 29.728/91.
A Lei nº 10.947/91, em seu artigo 1º impôs a implantação de ambulatório médico de serviços de pronto socorro nos shopping centers existentes na cidade de São Paulo, concedendo aos estabelecimentos já existentes o prazo de 180 dias para adequação. Quanto aos shoppings construídos após a sua vigência, dispôs o art. 2º que não seria concedido “auto de conclusão” e o consequente alvará de funcionamento quando a edificação não comportasse área exclusivamente destinada à instalação dos serviços de urgência. Assim constava:
“Art. 1º - Torna-se obrigatória, nos ‘shopping centers’ existentes na área do Município a implantação de ambulatório médico ou serviço de pronto-
socorro, equipado para o atendimento de emergência, no prazo de 180 dias a
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partir da regulamentação desta lei. (Alterado pela LM 11.649/94)
Art. 2º - No caso de novas construções de ‘shopping centers’, não será concedido o ‘Auto de Conclusão’ e o consequente alvará de funcionamento, quando a edificação não comportar área exclusivamente destinada à instalação dos serviços médicos de urgência exigidos nesta lei.”.
O art. 1º da lei 10.947/91 foi alterado pela Lei Municipal nº 11.649/94, para exigir também a presença de pelo menos um médico e uma ambulância:
“Art. 1º - Torna-se obrigatória, nos shopping centers existentes na área do Município a implantação de ambulatório médico ou serviço de pronto socorro equipado para o atendimento de emergência, com pelo menos um médico e uma ambulância.”.
O Decreto Municipal nº 29.728/91, que regulamentou a Lei nº 10.947/91 dispôs:
“Art. 1º - Nos ‘shopping-centers’ existentes no Município, é obrigatória a implantação, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a partir da publicação deste decreto, de ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro equipados para atendimento de emergência.
Art. 2º - No caso de novas construções de ‘shopping-centers’, não serão concedidos ‘Auto de Conclusão’ e o consequente ‘Alvará de Funcionamento’, quando a edificação não comportar área exclusivamente destinada à instalação dos serviços médicos de que cuida este decreto.
Art. 3º - As instalações para atendimento médico de urgência deverão possuir, no mínimo:
- Compartimento para recepção e espera;
- Compartimento para imediato atendimento;
- Compartimento para manipulação, expurgo e desinfecção.
Parágrafo único - A soma das áreas previstas no ‘caput’ deste artigo deverá ser igual ou superior a 20,00m2 (vinte metros quadrados).
Art. 4º - Para uso dos funcionários do atendimento médico e, eventualmente, das pessoas atendidas, deverá ser previsto sanitário com antecâmara, com área total mínima de 4,00 m2 (quatro metros quadrados).
Art. 5º - As instalações previstas neste decreto deverão atender às normas de conforto e salubridade exigidas pela legislação de construções em vigor, devendo situar-se na edificação, de modo a possibilitar o acesso por ambulância.
Art. 6º - As edificações existentes e as já licenciadas, mesmo que lhes falte o Auto de Conclusão, que não atendam às disposições deste decreto, deverão apresentar projeto de reforma ou projeto modificativo a fim de obter a licença de adequação às novas disposições.
Parágrafo único - Nos casos devidamente justificados e a critério da Comissão de Edificações e Uso do Solo - CEUSO da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB, poderão ser aceitas disposições diversas das estabelecidas nos artigos 4º e 5º deste decreto.”.
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As exigências, portanto, são de implantação: de ambulatório médico ou serviço de pronto socorro equipado para o atendimento de emergência, com pelo menos um médico e uma ambulância; de compartimento para recepção e espera; compartimento para imediato atendimento; compartimento para manipulação, expurgo e desinfecção, sendo que a soma das áreas previstas no “caput” deste artigo deverá ser igual ou superior a 20,00m2 (vinte metros quadrados); sanitário com antecâmara, com área total mínima de 4,00 m2 (quatro metros quadrados).
Para a Autora, tais obrigações constituem verdadeira transferência para os shopping centers da Capital de ações que são fundamentalmente pertinentes ao Poder Público, enquanto que para o Relator, que traz à colação precedentes deste Órgão Especial, as determinações legais estão em consonância com o art. 1º, III, da Constituição da República e artigo 220 da Constituição do Estado.
Pelo que dispôs o legislador constituinte originário, a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Vale dizer, como posto no artigo 196 da Constituição Federal - e, de certo modo, também no artigo 219 da Constituição Estadual, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantidos mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. O dever do Estado, compreendido aqui a União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios, cumpre-se pelas prestações de saúde, concretizadas na forma fixada no aludido dispositivo constitucional.
A Constituição brasileira não instituiu o monopólio estatal no âmbito da saúde, pois estabeleceu, no artigo 197, a par de considerar de relevância pública as ações e serviços de saúde, sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público - no que é seguida pela Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 220 -, que a execução deve ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Insta notar que a Constituição, no artigo 199, assevera ser livre à iniciativa privada a assistência à saúde, esclarecendo José Afonso da Silva, a propósito, que “Responsável, pois, pelas ações e serviços de saúde é o Poder Público, falando, neste caso, em ações e serviços públicos de saúde, para distinguir da assistência à saúde pela iniciativa privada, que ela também admite...” (Comentário Contextual à Constituição, Malheiros Editores, p. 771).
Na cidade de São Paulo, sabe-se, a frequência aos shopping centers é maciça. Os que aqui vivem - e tem algum poder aquisitivo - vão aos shoppings
para comprar e desfrutar de alguma forma de lazer.
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As leis em questão não estão transferindo à iniciativa privada prestação de um serviço que seria eminentemente do Poder Público. Não estão elas impondo aos shoppings a implantação de um hospital, de um centro médico de grandes proporções que pudesse ser interpretada como exigência de prática de ações e manutenção de serviços de saúde que almejem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Não, o que os diplomas legislativos estão a exigir é que os shoppings implantem ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro equipado para atendimento de emergência.
Atendimento ambulatorial pode ser tido como o serviço médico que deve prestar o primeiro atendimento à maioria das ocorrências médicas, tendo caráter resolutivo para os casos de menor gravidade e encaminhando os casos mais graves para um serviço de urgência e emergência ou para internamento hospitalar, para cirurgia eletiva ou para atendimento pelo médico especialista indicado para cada paciente.
Já, urgência é a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata.
De seu turno, emergência é a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato.
Aí está.
Observe-se que os diplomas legislativos objurgados exigem a presença de apenas um médico e a existência de apenas uma ambulância, podendo as instalações de atendimento médico ter tão só 20,00 m2 (vinte metros quadrados), no mínimo, em par sanitário com antecâmara, com área total mínima de 4,00 m2 (quatro metros quadrados), tudo condizente com um atendimento de pequena monta.
Ainda que se possa pensar que o ambulatório médico de serviços de pronto socorro possa acudir quem não está no shopping em determinado momento, dele se podendo valer o indivíduo em geral, atende o mesmo, fundamentalmente, a pessoa que nele se acha por qualquer razão e, desse modo, devendo ser encarado como consumidor, inserindo-se, então, as leis em debate no arsenal de medidas de defesa deste, que é um dos princípios que informam a ordem econômica e financeira, como afirmado no artigo 170 da Constituição Federal.
“Cum grano salis”, posso conceber as leis atacadas, a exemplo do Relator, como forma de exercício do poder de polícia administrativa do Município de São Paulo, acrescentando, com Sua Excelência, que “Ademais, o cumprimento das referidas leis revelam atuação pró-ativa do Executivo Municipal em
consonância com os ditames constitucionais da dignidade da pessoa humana
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cuja observância e fiscalização também competem à Administração local.”.
Nesta senda, sigo, na íntegra, o voto do Relator. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Desembargador
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