ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Procedimento Investigatório do MP (Peças de Informação) nº 0094464-02.2012.8.26.0000, da Comarca de Ribeirão Preto, em que, é sindicado DARCY DA SILVA VERA (PREFEITA DO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO).
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Determinaram o arquivamento do procedimento investigatório, nos termos do acórdão. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 3275)
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EUVALDO CHAIB (Presidente), WILLIAN CAMPOS, EDISON BRANDÃO E LUIS SOARES DE MELLO.
São Paulo, 28 de janeiro de 2014. IVANA DAVID, Relatora
Ementa: INQUÉRITO - PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO PARA APURAÇÃO DO DELITO DE DESOBEDIÊNCIA E CRIME DE RESPONSABILIDADE (CP, ART. 330; DECRETO-LEI Nº 201/67, ART. 1º, XIV)
- VEREADORES DO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO, QUE TERIAM NEGADO CUMPRIMENTO A SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO POPULAR, DETERMINANDO A DEVOLUÇÃO DE VALORES ILEGALMENTE RECEBIDOS A TÍTULO DE AJUDA DE CUSTO, JETONS E SESSÕES EXTRAORDINÁRIAS - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA RESULTANTE DE PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DE UM DOS INVESTIGADOS, ELEITO PARA O CARGO DE PREFEITO - SUPERVENIÊNCIA, TODAVIA, DE ATOS DA MESA DA CÂMARA MUNICIPAL QUE IMPUSERAM O DESCONTO MENSAL DOS VALORES RECEBIDOS, ANTES MESMO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO JUDICIAL - QUITAÇÕES DOS VALORES COMPROVADAS, COM RESSALVA RELATIVAMENTE A UM DOS INVESTIGADOS - DELITO DO ARTIGO 1º, XIV, DO DEC.-LEI 201/67 PARA O QUAL SE EXIGE A COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO, AUSENTE NA HIPÓTESE, NÃO RESTANDO TIPIFICADO, TAMPOUCO,
O CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CP) - PRECEDENTES DA JURISPRUDÊNCIA - CRIMES NÃO COMPROVADOS NO INQUÉRITO
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
- DETERMINAÇÃO DE ARQUIVAMENTO, COM OBSERVAÇÃO.
VOTO
Cuida-se de procedimento investigatório, visando à apuração da prática dos delitos descritos no artigo 330, do Código Penal e do artigo 1º, inciso XIV, do Decreto-lei nº 201/67 - desobediência e crime de responsabilidade, por Darcy da Silva Vera, depois eleita para o cargo de Prefeito Municipal, e outros, Vereadores do Município de Ribeirão Preto, que teriam negado cumprimento à sentença proferida nos autos da Ação Popular nº 2039/2001, confirmada por acórdão desta Corte de Justiça (Apelação Cível nº 336.821.5/0-00, rel. Laerte Sampaio, j. em 27.2.2007), a qual reconheceu vício constitucionalidade na Lei Municipal nº 8.949/2000 e determinou a devolução de valores recebidos pelos investigados a título de ajuda de custo, jetons e sessões extraordinárias, tudo corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora.
A d. Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo arquivamento dos
autos, à exceção do investigado José Alfredo de Carvalho (fls. 354/358).
É o relatório.
Impõe-se acolher o pedido de arquivamento.
Em fevereiro de 2003, foi instaurado, pela Promotoria de Justiça Criminal de Ribeirão Preto, procedimento investigatório destinado à apuração da notícia de prática de “crime contra a administração pública”, pelo então Presidente da Câmara do Município, Donizete de Carvalho Rosa, e pelos Vereadores da Casa (Amauri de Souza, Cícero Gomes da Silva, Darcy da Silva Vera, Joana Leal Garcia, Jorge Eduardo Parada Hurtado, José Antônio Corrêa Lages, José Carlos Sobral, José Nillo Couraci Neto, José Roberto Scandiuzzi, Leopoldo Paulino, Luiz Felipe Tenuto Rossi, Luiz Geraldo Dias, Luiz Roberto Alvez Cangussu, Merchó Costa, Nicanor Antônio Lopes, Paulo César Saquy, Silvana Aparecida Resende, Silvio Geraldo Martins Filho, Waldir Domingos Villela, Walter Gomes de Oliveira), que teriam descumprido, reiteradamente, sentença proferida em Ação Popular (nº 2039/2001), porque receberam valores a título de ajuda de custo, “jetons” e sessões extraordinárias, já reconhecidos pelo Poder Judiciário
como ilegais.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
Não obstante, em face de constatação de que a referida decisão judicial era, à época, objeto de recursos, recebidos em ambos os efeitos (v. fls. 200), aguardou-se o trânsito em julgado, verificado, afinal, com a publicação do acórdão desta Corte de Justiça (Apelação Cível nº 336.821.5/0-00, rel. Laerte Sampaio, j. em 27.2.2007) (v. fls. 311/328), sem embargo do manejo de recursos especial e extraordinário, não admitidos (fls. 330/353; 361 e verso; 375 e verso).
No curso do procedimento, anota-se que em virtude das eleições municipais de 2008, uma das pessoas investigadas - Darcy da Silva Vera - foi eleita para o cargo de Prefeito Municipal (v. fls. 380/383), e a competência para o processamento passou a ser desta e. Corte de Justiça, a teor do disposto no artigo 74, inciso I, da Constituição Estadual. E verificando-se a continência, assim também passou a ser com relação aos demais investigados, na esteira da construção da jurisprudência (Inquérito nº 2.424/RJ, rel. Cezar Peluso, DJe de 26/3/10; Inquérito-QO nº Inq 2.245/MG, rel. Joaquim Barbosa, j. em 6.12.2006).
A Fazenda Pública Municipal de Ribeirão Preto prestou esclarecimentos (fls. 405/409), e com o necessário registro, aqui, de equívoco na numeração das peças a partir do 3º volume, foram ouvidos o autor da ação popular (Fernando Chiarelli) e os vereadores Luiz Geraldo Dias e José Alfredo de Carvalho, o primeiro a dizer que havia já devolvido a totalidade das quantias percebidas, e o segundo, a questionar a obrigação de devolução e noticiando a interposição de recurso, do qual aguardava julgamento (fls. 247, 261 e 340).
Vieram aos autos, então, informes no sentido de que logo após a propositura da Ação Popular nº 2039/2001 - cujo alegado descumprimento da sentença proferida ensejou a instauração do presente inquérito - a Mesa da Câmara Municipal de Ribeirão Preto fez aprovar o Ato nº 403, de 23 de agosto de 2001, a determinar a suspensão dos pagamentos dos valores referentes a sessões extraordinárias e o desconto mensal daqueles anteriormente pagos (v. fls. 282/283), aprovando-se, ainda, em 1 de setembro de 2006, o Ato nº 588, que determinou, também, o desconto em parcelas mensais sucessivas, na folha de pagamento dos investigados, da dívida remanescente (v. fl. 279/289).
E cumpridas aquelas determinações, como dá conta o demonstrativo de fls. 290/330, a Secretaria da Fazenda do Município fez expedir as certidões de nº 60/2013, 444/2013 e 445/2013, a comprovar a quitação dos valores (fls. 331/336).
Enfim, a prova produzida é no sentido de que os valores ilegalmente
percebidos pelos investigados - inclusive, a Prefeita Municipal - foram devolvidos mediante desconto mensal nos seus subsídios, à exceção do ex- vereador José Alfredo Carvalho, que declarou não ter obedecido ao regramento do Ato da Câmara nº 588/2006, questionando-o judicialmente.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
Com efeito, porque a conduta tipificada no inciso XIV do artigo 1º do Dec.-lei 201/67, referido é aquela de “negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente”.
Sobre tal ilícito, já advertiu a Corte Suprema que “o dever de cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder Público, muito mais do que simples incumbência de ordem processual, representa uma incontornável obrigação institucional a que não se pode subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos princípios consagrados no texto da Constituição da República” (Int. Federal - QO nº 590/CE, rel. Min. Celso de Mello, j. em 17.9.1998).
Mas para a caracterização do delito, se afigura imprescindível o dolo específico, vale dizer, a vontade livre e consciente de não cumprir com a decisão judicial (Inquérito nº 507/DF, rel. Min. Paulo Brossard, DJU 17.12.1993).
Por seu lado, no que toca ao crime de desobediência, é certo que o tipo legal pressupõe a obrigação de cumprimento da ordem expedida, exigindo-se, também, o dolo da conduta.
E no caso, desse elemento subjetivo do tipo não se tem prova escorreita, porquanto, em primeiro lugar, não se poderia falar em crime de responsabilidade
- ou desobediência - antes do trânsito em julgado da sentença que declarou ilegal o recebimento das quantias, e ademais, porque, como já consignado, a Câmara Municipal decidiu, já dois dias após a propositura da Ação Popular nº 2039/2001, arrimando-se em “estudos jurídicos” em andamento (v. fl. 282), pela devolução daqueles valores recebidos pelos investigados.
Destarte, não se comprovando nos autos deste procedimento investigatório a recusa injustificada no cumprimento de decisão judicial, crime de responsabilidade ou de desobediência não ocorreu, por isso que veio a manifestação da d. Procuradoria Geral de Justiça no sentido do arquivamento.
Diante do exposto, determino o arquivamento do presente inquérito, observadas as ressalvas do artigo 18 do Código de Processo Penal, remetendo-
se os autos à origem para apuração da conduta do investigado José Alfredo de Carvalho.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
Compartilhe com seus amigos: |