ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0027537- 06.2007.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante D.P.V., é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram parcial provimento ao recurso de D.P.V. (A.B.S.) para condená-lo a pena de 12 anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao artigo 159, § 1º, c.c. artigo 29, caput, ambos do Código Penal. V.U. Sustentou oralmente o I. Defensor Público, Dr. Cesar Augusto Luiz Leonardo, e usou da palavra a Exma. Procuradora de Justiça, Dra. Sandra Jardim.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 28.976)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EUVALDO CHAIB (Presidente) e EDISON BRANDÃO.
São Paulo, 25 de março de 2014. WILLIAN CAMPOS, Relator
Ementa: NULIDADE - INVERSÃO À ORDEM LEGAL DE OITIVA DAS TESTEMUNHAS
- ARTIGO 212 DO CPP - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O RÉU.
PROVA - RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO
- VALIDADE. Reconhecimento fotográfico regularmente realizado pela vítima na polícia e confirmado em Juízo é prova apta para embasar a
condenação.
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EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO - AUTORIA DELITIVA PROVADA - CONDENAÇÃO
MANTIDA. Suficientes os elementos probatórios a demonstrar a autoria de agente que sequestrou a vítima, juntamente com outros agentes, e exigiu quantia a título de resgate, mantendo-a em cativeiro por período superior a vinte e quatro horas, de rigor o édito condenatório pelo crime de extorsão mediante sequestro na forma qualificada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA AFASTAR A AGRAVANTE E REDIMENSIONAR A REPRIMENDA.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 582/586, que julgou procedente a ação penal promovida pela JUSTIÇA PÚBLICA em face de D.P.V. (ou A.B.S.), para condená-lo à pena privativa de liberdade de 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, por incurso nas penas do artigo 159, § 1º, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal.
Inconformado, apela o réu (fls. 595/617).Alega, preliminarmente, nulidade do feito porquanto não observada a regra do artigo 212 do Código de Processo Penal, uma vez que as testemunhas foram inquiridas em primeiro lugar pelo magistrado. No mérito, postula absolvição por invalidade do reconhecimento fotográfico, já que violou o artigo 226 do Código de Processo Penal. Pugna, ainda, pela absolvição por insuficiência de provas.
O recurso foi processado, com contrariedade oferecida pelo Ministério Público (fls. 619/622). A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls.628/635).
É o Relatório.
Não há nulidade a ser reconhecida.
Não vinga o argumento de que houve violação ao disposto no artigo 212 do Código de Processo Penal, nos termos da nova redação que lhe deu a Lei nº 11.690/20081.
Isso porque, o fato de o douto magistrado ter iniciado as indagações às testemunhas ouvidas não configurou inversão à ordem legal ali prevista, além de não ter trazido nenhum prejuízo ao apelante.
1 Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci preleciona que a inovação introduzida pela Lei nº 11.690/2008 ao art. 212 do Código de Processo Penal “não altera o sistema inicial de inquirição, vale dizer, quem começa a ouvir a testemunha é o juiz, como de praxe e agindo como presidente dos trabalhos e da colheita da prova. Nada se alterou nesse sentido. A nova redação dada ao art. 212 manteve o básico. Se, antes, dizia-se que ‘as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que formulará à testemunha’, agora se diz que ‘as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunhas (...)’. Nota-se, pois, que absolutamente nenhuma modificação foi introduzida no tradicional método de inquirição, iniciado sempre pelo magistrado. Porém quanto às perguntas das partes (denominadas reperguntas na prática forense), em lugar de passarem pela intermediação do juiz, serão dirigidas diretamente às testemunhas. Depois que o magistrado esgotar suas indagações, passa a palavra à parte que arrolou a pessoa depoente” (in Código de Processo Penal Comentado, art. 212, item 69, pp. 502, RT, São Paulo, 11ª ed., 2012).
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Nesse sentido, já entendeu o colendo Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS (...) INTERPRETAÇÃO DO ART. 212 DO CPP. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS.
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. PRISÃO CAUTELAR MOTIVADA. (...)
A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-Americano, chamado ‘cross-examination’, no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir, sua inquirição (exame direto e cruzado), e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização. Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma interpretação sistemática, a não observância dessa regra pode gerar, no máximo, nulidade relativa, por se tratar de simples inversão, dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas, ainda que subsidiariamente, para o esclarecimento da verdade real, sendo certo que, aqui, o interesse protegido é exclusivo das partes. Não se pode olvidar, ainda, o disposto no art. 566 do CPP: ‘não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa’ (...) Ordem denegada” (HC 151357/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 16/11/2010)
Registre-se, ainda, que a Defesa não arguiu a suposta nulidade no momento oportuno, ocorrendo, portanto, preclusão da questão. Demais disso, não se pode olvidar, também, que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a Acusação ou para a Defesa” (art. 563 do Código de
Processo Penal) o que, em nenhum momento, foi demonstrado pelo recorrente.
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Afastado o pleito preliminar, passa-se à análise do mérito recursal.
Deflui dos autos que, no dia 02 de julho de 2007, na Rua ..., na comarca de ..., D.P.V. (A.B.S.), previamente ajustado e com unidade de desígnios com C.C.S., J.A.F. e outros indivíduos não identificados, sequestraram a vítima D.M.G., com o fim de obter vantagem no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) como condição de resgate; o sequestro durou mais de vinte e quatro horas.
Conforme apurado, a vítima estacionara seu veículo na via pública quando foi abordada por D. (A.) e outro indivíduo não identificado, que, exibindo uma arma de fogo, ordenaram que entrasse no carro. Um dos sequestradores passou a conduzir veículo, enquanto o apelante mantinha D. sob ameaça, apontando uma arma, no banco de passageiros.
A vítima foi levada até uma casa na cidade de ..., onde teve seus pertences subtraídos. Deste local, onde os sequestradores se reuniram com mais três comparsas, foi encapuzado e levado até uma casa na cidade de ..., seu cativeiro. Obrigaram-no a ligar para seus amigos e parentes e pedir R$ 100.000,00 a título de resgate. A vítima permaneceu amordaçada e amarrada sobre uma cama.
A esposa do ofendido entregou aos sequestradores a quantia de R$ 21.000,00 em ponto de encontro no bairro de ..., valor não suficiente para libertação de D.. Naquela noite, contudo, o ofendido percebeu ter sido deixado sozinho, e pulou a janela de seu cativeiro, conseguindo avisar a polícia.
Apurou-se, ainda, que o local do cativeiro foi locado por R.A.S. para o acusado C., o qual foi reconhecido pela vítima como um dos agentes responsáveis por ser o “carcereiro”.
Os autos foram desmembrados em relação ao corréu J.A., que foi processado e condenado (fls. 365). C. também foi condenado pelo crime em apreço (fls. 441/446).
Diante dos elementos coligidos a demonstrar a autoria delitiva,
incontroverso o envolvimento do apelante D. (A. - fls. 479/485).
A vítima o reconheceu com segurança como um dos agentes o abordou e estava armado. Afirmou, ainda, que D. (A.) permaneceu com a arma apontada para sua direção enquanto estavam no carro. Aduziu, outrossim, que o apelante esteve no cativeiro e acreditava ser ele o “negociador” (fls. 61, 175 e 281/282). No segundo depoimento judicial (fls. 540/542), a vítima disse que não tinha certeza quanto ao reconhecimento pessoal de D. (A.), tendo em vista que se passaram cinco anos da data dos fatos. Entretanto, disse que o réu D. possuía as características do agente que reconheceu, e está fotografado às fls. 175.
O réu, em Juízo, negou a imputação. Disse que não sabia por que estava sendo acusado. Afirmou que, à época dos fatos, estava em Bauru. Asseverou que não conhece os corréus J.A. e C. (fls. 561/563).
Esta alegação, contudo, não foi demonstrada pela Defesa do acusado, como deveria ocorrer nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal.
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Tocante o reconhecimento fotográfico realizado pela vítima quando da
produção antecipada de provas, não há qualquer irregularidade a ser sanada.
Inicialmente, frise-se que a produção antecipada de provas foi determinada pela decisão de fls. 256, que também suspendeu o curso da ação penal e do prazo prescricional.
A Defensoria Pública tomou ciência desta decisão (fls. 256) e nada impugnou. Nos atos seguintes, realizados também por antecipação de provas, a Defesa tomou ciência e não se insurgiu (fls. 261; 345).
Assim, produzida mediante contraditório e ampla defesa, a prova amealhada é válida.
Ressalte-se, por fim, que é inquestionável a validade do reconhecimento fotográfico como meio de prova no processo penal condenatório. Assim tem entendido, reiteradamente, a Corte Suprema:
“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PACIENTE CONDENADO POR ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO CONFIRMADO PELOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS (...). ORDEM
DENEGADA. I - O reconhecimento fotográfico feito, inicialmente, no inquérito policial e, depois, em juízo, foi corroborado pelas demais evidências colhidas no transcorrer da ação penal (...) II - Nessas circunstâncias, não há como afirmar que a condenação tenha se dado sem o suficiente lastro probatório (...). V - Ordem denegada” (HC 107437, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, j. 02/08/2011).
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DELITOS DE ROUBO (...). SENTENÇA FUNDAMENTADA NO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E NOS DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. (...)
Observo que a sentença de primeiro grau não se baseou apenas no reconhecimento do recorrente feito em sede policial, mas, também, nos depoimentos prestados pelas vítimas. Recurso parcialmente conhecido e desprovido” (RHC 99786, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, j. 29/09/2009).
E a fotografia acostada aos autos permite clara identificação da feição do réu (fls. 175). Saliente-se que a vítima não o conhecia, não tendo motivos para incriminá-lo falsamente.
Nesse sentido, a Jurisprudência:
“(...) A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça consolidou-se no sentido de que eventuais irregularidades verificadas no decorrer
do inquérito policial não contaminam a ação penal, considerando o fato de que o procedimento inquisitivo apenas se presta a fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal, podendo, inclusive, ser dispensado.” (HC 185.256/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 20/08/2012).
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Demais disso, a condenação do acusado não restou fundada apenas neste ato, mas sim no conjunto probatório produzido sob o crivo do contraditório.
Destarte, o conjunto probatório é farto a incriminar o apelante, que, embora negando o delito, não foi capaz de infirmar os elementos produzidos nos autos, sem conseguir explicar o reconhecimento seguro da vítima.
A condenação era de rigor.
Passa-se à análise da reprimenda.
A pena-base foi bem estabelecida na forma qualificada do artigo 159, § 1º, do Código Penal, considerando-se a duração do sequestro, superior a vinte e quatro horas, consoante as palavras da vítima, e foi fixada no mínimo legal: 12 anos de reclusão.
Em seguida, presente a agravante da reincidência (certidão de fls. 371), a
reprimenda foi majorada de 1/6.
Todavia, a certidão apontada pelo magistrado (fls. 371 c.c. certidão de fls. 518/519) não é apta a configurar reincidência, tendo em vista que o trânsito em julgado daquele processo ocorreu em data posterior aos fatos tratados no presente feito.
Assim, resulta definitiva a pena de D. (A.) em 12 anos de reclusão.
Escorreito, por fim, o regime inicialmente fechado, considerando a pena aplicada e as circunstâncias do crime cometido pelo réu, que agride, de forma intensa, a sociedade ao causar a intranquilidade pelo temor de sofrer agressões físicas nos sequestros, e a repercussão social desse crime decorre da banalização da vida em relação ao patrimônio obtido pelo criminoso.
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