ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9000143- 31.2010.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/a.m.p ARTHUR LUNDGREN TECIDOS S.A. - CASAS PERNAMBUCANAS, são apelados ADAUTO KIYOTA, PEDRO PAULO PUGLISI ASSUMPÇÃO, RENATO MARTIN FERRARI, HENRIQUE JOSE DE MAGALHAES, MILTON MOLINARI MORETE, PEDRO PAULO BERGAMASCHI DE LEONI RAMOS, JOÃO MAURO BOSCHIERO, JOSÉ EMÍLIO MEDEIROS CALADO, ANTONIO DARCILIO RODRIGUES PERESTRELO e ADILSON LUIZ RODRIGUES PERESTRELO.
ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 17966)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RACHID VAZ DE ALMEIDA (Presidente), CARLOS BUENO E FRANCISCO BRUNO.
São Paulo, 17 de março de 2014. RACHID VAZ DE ALMEIDA, Relatora
Ementa: Apelação Criminal. ARRESTO DE BENS.
Medida cautelar de natureza real. Ausência dos
requisitos legais. Fumus boni iuris e Periculum in mora. Necessidade da medida restritiva de direito fundamental. Excepcionalidade não evidenciada. Quebra do sigilo fiscal. Interpretação restritiva. Localização de bens para futura execução civil que não se encontra dentro de suas finalidades. Negado provimento ao apelo.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
VOTO
Trata-se de apelação interposta contra a r. decisão de fls. 163 que indeferiu o pedido de arresto de bens móveis e imóveis, de propriedade dos apelados, ajuizado por Arthur Lundgren Tecidos S/A - Casas Pernambucanas habilitado nos autos da ação penal originária como Assistente de Acusação.
Não conformado, apela à Instância Superior postulando a reforma da decisão objurgada com a concessão do arresto dos bens móveis e imóveis amparando-se nos artigos 136 a 144 c/c o artigo 63, ambos do Código de Processo Penal e no artigo 475-N do Código de Processo Civil.
Recurso contrariado (fls. 299/304, 308/318, 325/335, 337/344, 487/503, 514/516, 521/528, 531/537, 543/558), o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça é pelo provimento da apelação (fls. 607/614).
É o relatório.
Em que pesem os sólidos argumentos despendidos pelo recorrente, o apelo não deve prosperar.
A matéria de fundo relaciona-se à prática, em tese, de crime de estelionato praticado pelos réus em desfavor do recorrente, ora assistente de acusação, e de outras vítimas, consistente em ludibriá-las fazendo com que elas acreditassem na lisura de operação fiscal, não autorizada em lei, de modo a lhes causar vultoso prejuízo patrimonial após autuação realizada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
O ponto controverso gira em torno da necessidade da concessão da medida cautelar de natureza real, abrangendo os bens móveis e imóveis dos apelados, e se estão presentes os requisitos necessários para lhe garantir a necessária legalidade, cuja finalidade principal é assegurar a futura reparação do dano em decorrência da prática de crime (ação civil ex delicto).
A medida cautelar almejada, de cunho instrumental à relação processual subjacente, deve observar os estritos limites legais, segundo a doutrina, notadamente a presença do binômio fumus boni iuris e o periculum in mora1.
O pressuposto fundamental da providência cautelar é o periculum in mora. Como existe uma inevitável dilação temporal - ensina Jaime Guasp - “entre o nascer de um processo e a obtenção do ato decisório que a ele põe termo e a que estão vinculados seus efeitos básicos, esse constante periculum in mora,
A constrição de bens, antes de sentença condenatória, é medida excepcional, porquanto lhes restringe a disponibilidade e, por consequência, afeta diretamente o direito de propriedade - garantia de natureza constitucional
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
- em um de seus elementos essenciais (artigo 1228 do Código Civil).
A natureza jurídica do instituto, embora previsto na legislação processual penal, não se desnatura enquanto providência cautelar cujos principais fundamentos encontram-se na seara cível e exigem extremo cuidado, zelo e precaução para que não haja restrição indevida ao patrimônio alheio.
Neste sentido a lição do ilustre professor mineiro Humberto Theodoro Júnior2, in verbis:
O arresto não é ato de simples conservação de direito, como, por exemplo o protesto e a interpelação. Não é, também, execução dada a sua provisoriedade. Mas, embora não satisfaça ao direito material do credor, é certo que, ao garantir sua exequibilidade, incomoda, restringe a liberdade do devedor, ferindo-a com uma relativa proibição de dispor. A jurisprudência o considera medida de exceção, de natureza extremamente vexatória, e recomenda acautelar-se sua concessão mediante requisitos essenciais, que reduzam ao mínimo a probabilidade de ser concedido abusivamente.
No caso, não obstante os respeitáveis argumentos do recorrente, não vejo como lhe deferir o pleito almejado, pois não se encontram devidamente demonstrados os requisitos necessários para autorizar a concessão da medida em cognição não exauriente.
Apesar de alegar a presença de justa causa para a concessão da medida apoiando-se no prévio recebimento da peça acusatória (indícios de autoria e prova da materialidade) e na posterior confirmação que refutou os argumentos defensivos na resposta à acusação, o certo é que o juízo de probabilidade, exigido pelas cautelares, inclusive a de arresto, é mais denso e demanda maiores elementos probatórios.
O juízo de probabilidade comporta graus, podendo estar mais próximo, ou não, ao juízo de certeza.
Neste sentido, colaciono a lição do Professor Alaôr Caffé Alves3, in verbis:
A probabilidade é luz imperfeita sob o qual o verdadeiro frequentemente
que semelhante dilação supõe, deve ser eliminado através de precaução, cautela ou garantia que diretamente facilitem os efeitos da sentença definitiva afetada por semelhante risco probatório. Se a providência acautelatória não se torna imprescindível, porquanto os efeitos dilatórios do processo não colocam em perigo a proteção ao bem jurídico que nele se procura assegurar, não há o periculum in mora e a medida cautelar não deve ser concedida. (Marques, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Volume IV, 2ª edição atualizada, editora Millennium, Campinas/SP, p. 13).
Processo Cautelar. 20ª edição - Editora Leud - 2002, p.207.
Lógica - Pensamento Formal e Argumentação. 2ª edição, Editora Quartier Latin, São Paulo, p.330.
aparece ao nosso espírito, determinando nele o estado de opinião. Diz- se: “isso é provável; portanto esta é minha opinião”. Admite graus: pode se aproximar-se indefinidamente da certeza, sem nunca atingí-la. (grifo nosso).
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
O órgão julgador para a concessão de medida extrema e excepcional, restringindo direito fundamental, deve realizar juízo mais próximo ao de certeza fazendo prognóstico do provável sucesso da demanda, sob pena de conceder providência jurisdicional absolutamente inútil.
Admitido o raciocínio do apelante em sentido contrário, o mero recebimento da denúncia já vincularia o juiz a deferir, posteriormente, todas as medidas assecuratórias, reais ou pessoais, pleiteadas no curso da relação processual sem necessidade de avaliá-las fundamentadamente à luz dos pressupostos e requisitos exigidos em lei, o que, decerto, não é o caso.
Ainda que a instância penal seja independente da cível4, não se vinculando a ela de regra, não há como se desconsiderar o quanto produzido naquela ocasião, especialmente se os fatos narrados são similares aos do processo crime, tal como ocorre nos presentes autos (fls. 83/131).
Poderá ser utilizado como elemento de convicção para compor quadro probatório em conjunto com os outros meios de provas porventura produzidos em sede penal e, assim, embasar juízo de convencimento à luz do princípio da persuasão racional, tal como o fez a r. decisão objurgada ao sopesá-los com as provas até então produzidas pelas partes.
De outro lado, diante da natureza cautelar da medida, já anteriormente mencionado, era ônus da parte comprovar concretamente a existência de perigo imediato, relacionada à eventual dilapidação ou perecimento dos bens dos réus que ensejasse a necessidade de imediata intervenção jurisdicional, não sendo suficiente para tanto meras alegações genéricas sem respaldo fático.
Não se extrai dos autos que os réus estejam se desfazendo de seu patrimônio para evitar eventual reparação civil.
Nesse sentido, Aury Lopes Júnior5 ao realizar leitura constitucional sobre o instituto, in verbis:
Incumbe ao acusador demonstrar, efetivamente, o risco de dilapidação do patrimônio do imputado, com a intenção de fraudar o pagamento da indenização decorrente de eventual sentença condenatória. Essa prova, em geral, não é feita, e os juízes e tribunais, desprezando o imenso custo que representa tal medida, a decretam sem o necessário rigor na análise do “fumus commissi delicti” e do “periculum in mora”. À luz da presunção de inocência, não se pode presumir que o imputado irá fraudar a responsabilidade civil decorrente do delito, como também
Artigo 935 do Código Civil.
Direito Processual Penal, 10ª edição, Editora Saraiva, p. 929.
não se pode presumir que vá fugir, para decretar a prisão preventiva. A presunção de inocência impõe que se presuma que o réu irá atender ao chamamento judicial e assumir eventual responsabilidade penal e civil. Cabe ao acusador ou a assistente de acusação demonstrar efetivamente a necessidade da medida. Trata-se de prova suficiente para dar conta do imenso custo da cautelar, baseada em suporte fático real, não fruto de presunções ou ilações despidas de base probatória verossímel. (grifo nosso)
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
Os fatos narrados na denúncia datam de 08 (oito) anos atrás e não há notícia de que tenha havido diminuição patrimonial dos recorridos neste período, pelo que não vejo urgência, tampouco necessidade, em proceder a constrição dos bens na etapa em que se encontra a relação processual atualmente.
Além do mais, a eventual constrição dos bens relacionados seria de pouca utilidade uma vez que os respectivos valores, como já mencionado pelo próprio apelante, não são suficientes para cobrir o eventual prejuízo sofrido que, em tese, os réus teriam lhe causado.
Em relação à quebra do sigilo fiscal (disclosure), de igual modo, não há como reconhecê-lo em virtude da ausência dos requisitos constitucionais e legais.
Por obstaculizar e restringir garantia constitucional, a intimidade e a privacidade, a interpretação deve ser a mais restritiva possível, configurando-se medida excepcional, cuja finalidade está atrelada aos interesses da persecução penal na obtenção de provas a respeito de prática de infração penal, tendo em conta o teor do artigo 1º, § 4º da Lei Complementar nº 105/2001, perfeitamente aplicável à espécie, e não para a simples localização de patrimônio alheio sobre o qual poderá recair futura execução.
De acordo com a jurisprudência prevalente, exige-se a presença de situações legítimas, seja o interesse público, seja o interesse da justiça, para justificar o afastamento temporário das garantias constitucionais6.
Nenhum deles está presente, porquanto a mera varredura sobre o patrimônio alheio, à luz do princípio da proporcionalidade entre os meios e os fins7, não se encaixa no espírito da medida excepcional que, repita-se, deve ser analisada com reserva e não comporta elasticidade interpretativa diante da restrição a direito fundamental que será imposta por ela8.
Artigo 5º, inciso X da Constituição Federal - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Barroso, Luís Roberto. São Paulo, Saraiva, 2009, p. 259.
HC nº 191378/DF - Superior Tribunal de Justiça - Ministro Relator Sebastião Reis Junior – 6ª Turma, julgado em 15/09/2011 e HC nº 160646/SP - Superior Tribunal de Justiça - Ministro Relator Jorge Mussi – 5ª Turma, julgado em 21/06/2010.
Destaco, a título de argumentação, o entendimento prevalente dos Tribunais Superiores, extremamente restritivo, no sentido de exigir o prévio esgotamento dos meios ordinários para encontrar os bens dos réus antes de se lhes decretar a medida restritiva da intimidade, ainda mais quando não há sequer título judicial transitado em julgado como ocorre nestes autos9.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Acesso ao Sumário
Por não estar dentro suas finalidades a genérica varredura sobre o patrimônio alheio a fim de resguardar e viabilizar futura e incerta reparação do dano no âmbito civil, deixo de acolher também o pedido de quebra de sigilo fiscal dos apelados.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.
Compartilhe com seus amigos: |