ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0002729- 23.2009.8.26.0474, da Comarca de Potirendaba, em que é apelante OSVALDO NEVIANI, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 8495)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA DA SILVA (Presidente) e MARCO ANTÔNIO COGAN.
São Paulo, 30 de janeiro de 2014 CAMILO LÉLLIS, Relator
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - Estupro de vulnerável em continuidade delitiva - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO - Impossibilidade. Declarações das vítimas, às quais se confere relevante força probatória. Crime que nem sempre deixa vestígios
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– DESCLASSIFICAÇÃO PARA ATO OBSCENO OU IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR
- Descabimento. Toques nas pernas, nádegas e região genital, por diversas vezes, praticados com o intuito de satisfazer a própria concupiscência - Pena criteriosamente aplicada - Recurso não provido.
VOTO
Vistos.
A r. sentença de fls. 180/185 condenou Osvaldo Neviani à pena de 12 anos de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao arts. 217-A, c.c. art. 71, ambos do Código Penal.
Inconformado, apela o réu em busca da absolvição por insuficiência probatória. Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação para o art. 233 do Código Penal ou art. 61 da Lei de Contravenções Penais (fls. 191/206).
Contrariado o recurso (fls. 211/215), subiram os autos, tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça opinado pelo não provimento do apelo (fls. 219/225).
É o relatório.
A imputação é a de que, em meados de novembro de 2009, por diversas vezes, em horários não determinados, no interior do ônibus que fornece o transporte escolar municipal, na cidade de Nova Aliança, na comarca de Potirendaba, o apelante praticou ato libidinoso com S. A. B. A., com 11 anos; B.
G. N. F., com 10 anos; S. G. B., com 10 anos; T. C. M. S., com10 anos; e A. S. C., com 10 anos, todas menores de 14 anos à época dos fatos.
Apurou-se que Osvaldo, funcionário público municipal, exercendo a função de motorista do ônibus que faz o transporte de alunos no Município de Nova Aliança, aproveitando-se da ausência de vigilância durante o trajeto, praticou, por diversas vezes, atos libidinosos com as crianças S. e B., consistentes em passar as mãos pelo corpo das menores (pernas e coxas), inclusive no órgão genital de S..
No caso de S., Osvaldo não parava no local onde a criança deveria descer e a deixava para ser entregue por último, oportunidade em que se aproveitava para praticar os atos libidinosos com ela.
Uma vez que os fatos vieram à tona, o Conselho Tutelar de Nova Aliança procurou a escola onde as vítimas estudavam e acabou por identificar outras vítimas de Osvaldo, as crianças S., T. e A., também com 10 anos de idade, as
quais relataram conduta semelhante do acusado, que se aproveitava do fato de as menores estarem sentadas na primeira poltrona, logo após o seu assento e esticava o braço para trás, passando as mãos em suas pernas.
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A autoria é certa
Interrogado, o acusado negou a prática dos fatos e disse que “nem por brincadeira” passou a mão nas meninas. Ademais, nunca viajou sozinho com elas, pois também transportava mães e professores (fls. 106/108 e 167/168).
Tal negativa, entretanto, foi infirmada pelo conjunto probatório.
As vítimas ofertaram declarações uníssonas e coerentes, amplamente desfavoráveis ao apelante.
S. asseverou que o acusado passou a mão na declarante por diversas vezes “da cintura para baixo”, nas pernas, nádegas e vagina. Algumas vezes, deixou de tomar a condução, pois não queria ser incomodada e molestada pelo réu. Ele também passava as mãos em B., S. e T.. Não contou aos pais por medo (fls. 155).
B. afirmou que todas as vezes que usou o transporte, o réu passava as mãos nas crianças. Ele dizia que a declarante era bonita e, por isso, acariciava suas pernas. Viu o acusado passar as mãos em S. (fls. 156).
S. também relatou que Osvaldo passava as mãos em suas pernas e nádegas
e dizia que era sua namorada. Viu o réu acariciar T. e A. (fls. 157).
A. aduziu ter o réu, por uma vez, passado a mão em suas pernas. Presenciou
ele fazer o mesmo com S. e T. (fls. 158).
Por fim, T., ouvida somente na fase extrajudicial, não ofertou declarações diferentes. Disse que o apelante a convidava a se sentar no motor do ônibus, que ficava ao lado do motorista, ocasião em que passava as mãos em suas pernas e dizia que a declarante era bonita. Fez isso umas três vezes (fls. 84/85).
Sabe-se que é pacífico o entendimento de que às declarações da ofendida deve ser conferido relevante valor probatório, visto que os crimes de natureza sexual, como se sabe, são comumente perpetrados na clandestinidade, não sendo raras as situações em que se encontram no contexto fático apenas o agente e a vítima. Por isso, a importância probatória das declarações das ofendidas, quando os demais elementos probatórios as robustecem.
Nesse sentido:
“Cabe frisar que, a despeito da tese sustentada pela combativa defensoria técnica alegação de fragilidade probatória -, a palavra da vítima é de fundamental importância na elucidação dos fatos e da sua autoria, em matéria de crimes sexuais, visto que perpetrados, no mais das vezes, sob o signo da clandestinidade.” (Ap. nº 0030111-15.2005.8.26.0576, Rel. Moreira da Silva, 8.ª Câm. j. em 29.09.2011).
Mas não é só.
D. S. B. e V. M. relataram que questionaram a ofendida S. acerca do porquê de voltar a pé da escola, ao invés de pegar o ônibus. De início, S. desconversou, mas depois disse que não queria mais ir de ônibus, pois o acusado estava passando as mãos nela e em outras garotas. A depoente conversou com as outras meninas, as quais confirmaram os fatos (fls. 162/163).
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E J. B. C., T. A. N. B. e L. G. N. relataram ter tomado conhecimento dos
fatos através das vítimas (fls. 159/161).
Por outro lado, as testemunhas A. R. S. C. e F. S. disseram que nunca viram nada de errado. No entanto, a primeira confirmou que não fazia o trajeto da escola até a Cohab e a segunda, que não pegava o ônibus todos os dias (fls. 165/166).
Indubitável, portanto, que o acusado praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal, por diversas vezes, nas vítimas menores de 14 anos.
Tais condutas somente foram postas em relevo, porque a mãe de S. estranhou o fato de a menina não querer mais voltar da escola de ônibus e optar por andar a pé para casa.
Não há o menor indicativo de que todas as cinco ofendidas quisessem incriminar injustamente o apelante. Seus relatos se mostraram uníssonos com os ofertados a seus genitores e psicóloga da prefeitura municipal (fls. 30), bem como ao Conselho Tutelar (fls. 60), adquirindo, assim, relevante força probante.
Cumpre frisar que o estupro (aqui englobada a figura do antigo atentado violento ao pudor em razão da nova redação dada pela Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009) nem sempre deixa vestígios, ainda mais na modalidade em que praticada no caso em apreço, de sorte que a prova oral se revela suficiente a comprovar a consumação do crime.
Neste sentido, julgado desta Colenda Câmara Criminal:
“É bem de ver, ainda, que não se exige prova técnica à demonstração da materialidade, em se tratando de crime cuja espécie nem sempre deixa vestígios e sua comprovação pode assentar-se perfeitamente na prova oral, de modo que, mesmo se existisse qualquer deficiência no laudo de exame de corpo de delito, não seria suficiente para descaracterizar a materialidade do delito.” (Apelação nº 0005733-20.2004.8.26.0191, Rel. Moreira da Silva, j. em 21/06/2012).
Prescindível, ademais, para a configuração e consumação do delito ter o acusado alcançado o orgasmo ou não, o qual se traduziria em mero exaurimento do crime, pois já satisfeita sua lascívia.
Deste modo não há que se cogitar da desclassificação para o delito de ato
obsceno ou para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.
Ora, o acusado tocou nas pernas e nádegas das vítimas menores de 14
anos, por diversas vezes e, no caso de S., chegou a acariciar sua região genital, sempre quando estava sozinho com as meninas ao largo dos olhares de adultos. E, assim, o fez com o claro intuito de satisfazer a própria concupiscência. Claramente, não se tratou de mero ato de conteúdo sexual atentatório, ofensivo ou ultrajante ao pudor público.
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Colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça a respeito: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA
PRESUMIDA. CONDUTA QUE SE AMOLDA, EM TESE, AO
DELITO DO ART. 214 DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA A TIPIFICADA NO ART. 61 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO N.º 7 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte, o contato físico do Acusado com as vítimas, consistente em passar as mãos nas nádegas e pernas para satisfazer a lascívia, é suficiente para caracterizar o delito de atentado violento ao pudor. Precedentes. (...)” (AgRg no AgRg no AREsp 152704/ SP, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 01/07/2013).
Confira-se, a propósito, julgado desta Colenda Câmara Criminal:
“DESCLASSIFICAÇÃO - IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR -
DESCABIMENTO - Contravenção que se caracteriza pela realização de determinados atos libidinosos de modo furtivo, sem emprego de violência ou ameaça - Conduta imputada ao acusado praticada com violência presumida, em razão da idade das vítimas - Atos, ademais, que não foram perpetrados na via pública ou em lugar acessível ao público.” (Apelação nº 0006262-77.2005.8.26.0070, Rel. Amado de Faria, j. em 21/06/2012).
A reprimenda foi criteriosamente estipulada, levando em consideração
concretamente o delito em tela e não comporta modificação.
O quantum de pena superior a 08 anos e, sobretudo, a gravidade em
concreto dos fatos, demanda a fixação do regime mais gravoso.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
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