Apelações/Reexames Necessários
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação/Reexame Necessário nº 0005021-39.2012.8.26.0356, da Comarca de Mirandópolis, em que são apelantes FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, PREFEITURA MUNICIPAL DE MIRANDÓPOLIS e JUÍZO “EX OFFICIO”, é apelada RAQUEL THAIS GARCIA ROVERI (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitada a preliminar, negaram provimento, nos termos que constarão do acórdão. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 15629)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA DE CARVALHO (Presidente), CARLOS EDUARDO PACHI e REBOUÇAS DE CARVALHO.
São Paulo, 18 de dezembro de 2013. MOREIRA DE CARVALHO, Relator
Ementa: “APELAÇÃO - Ação de obrigação de fazer
- Preliminar de falta de interesse de agir afastada - Procedimento cirúrgico fetal - Possibilidade - Dever do Estado que se constata de plano, em face do que
dispõe o art. 196 da Constituição Federal - Obrigação solidária dos entes da federação - Requisitos legais preenchidos para a realização do procedimento - Inocorrência de ofensa à independência e harmonia dos Poderes - Descabimento de prévia autorização e previsão orçamentária - Eventual direito de regresso a ser discutido em procedimento próprio
Jurisprudência - Direito Público
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- Honorários mantidos - Sentença de procedência mantida - Preliminar afastada e negado provimento aos recursos.”
VOTO
Ação obrigação de fazer ajuizada por RAQUELTHAIS GARCIAROVERI em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e DO MUNICÍPIO DE
MIRANDÓPOLIS. Alegou estar gestante e que em exame foi constatado que o nascituro padece de “Síndrome de Arnold-Chiari”, necessitando de cirurgia fetal, mas que não possui condições financeiras de arcar com os custos da intervenção. Postulou a condenação das rés ao pagamento das despesas médicas, inclusive cirúrgicas de que necessita.
A tutela foi deferida (fls. 192/196).
A r. sentença de fls. 365/372 julgou procedente o pedido, para condenar as rés, solidariamente, a custear as despesas do procedimento cirúrgico, incluindo honorários médicos, despesas hospitalares e outras que se fizerem necessárias, bem como, condenou as rés ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00.
Apela a Fazenda do Estado de São Paulo (fls.374/401). Preliminarmente, sustenta falta de interesse de agir. No mérito, afirma a impossibilidade de contratação do Centro Paulista de Medicina Fetal e que o procedimento é experimental. Alega ingerência do Poder Judiciário e necessidade de obediência às regras de estrutura do Sistema Único de Saúde. Afirma a racionalização de medicamentos. Insurge-se contra os honorários advocatícios.
Apela o Município de Mirandópolis (fls. 410/424). Alega o descaso da
Fazenda Pública que não efetuou o pagamento da sua parte.
Foram apresentadas contrarrazões aos recursos (fls. 415/424 e 439/441). Preliminarmente, o Município de Mirandópolis alega que as razões recursais de fls. 374/401 são mera repetição da contestação. No mérito, postula pela manutenção da sentença.
A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento
do recurso (fls. 450/455).
Vieram os autos para julgamento.
RELATEI.
Jurisprudência - Direito Público
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A preliminar de falta de interesse de agir suscitada pela Fazenda do Estado de São Paulo com o mérito se confunde e com ele será analisada.
In casu, a autora quando da interposição da presente demanda, encontrava- se gestante, tendo sido constatado em exame pré-natal que o nascituro padecia de “Síndrome de Arnold- Chiari”, necessitando de cirurgia de correção, cujo alto custo não poderia suportar.
A necessidade e a urgência na realização do procedimento cirúrgico estão
fartamente comprovadas pelos documentos de fls. 25/55.
Por sua vez, também demonstrado nos autos a necessidade de que o procedimento fosse realizado por profissional particular, não conveniado no SUS, eis que trata-se de cirurgia especializada, que há pouco deixou de ser experimental, realizada por poucos profissionais neste país e no mundo, conforme demonstram os documentos de fls. 117/132.
Some-se a isso, que a ora apelada foi inicialmente atendida em Hospital Municipal, onde foi diagnosticada a síndrome com indicação da cirurgia, lá tendo sido certificado inexistir profissional especializado ou capacidade para realização da mencionada cirurgia, tendo, portanto, ocorrido o encaminhamento do caso ao Departamento Regional de Saúde (fl. 56).
Sem que a questão fosse solucionada em momento oportuno pelas Fazendas Estadual e Municipal (fls. 57/64) - ante o período limite para a realização da cirurgia, até vinte e seis semanas de gestação - não restou outra alternativa, senão a efetivação do procedimento perante um dos poucos profissionais habilitados para tanto.
Diante disso, descabe a alegação de que o procedimento não deveria ter sido realizado em local particular, tendo em vista as peculiaridades do caso acima mencionadas. Também necessário salientar que não se trata de procedimento experimental, mas realizado por poucos profissionais, estando demonstradas as especificidades do caso concreto.
E, nesta linha, caracterizada está a responsabilidade das apelantes, Fazenda Estadual e Municipal, pelo procedimento cirúrgico, diante da obrigação solidária aos entes federativos, constitucionalmente imposta.
O direito à saúde, nos termos dos arts. 6º, 196, ambos da Constituição Federal, é garantido como um dos direitos sociais, devendo o Estado lato sensu garantir o acesso universal, integral e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, incluindo-se a apelada que, como hipossuficiente do ponto de vista econômico e financeiro, não vislumbrou este acesso.
Nesse sentido:
“Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora
o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo.” (STF - AI nº 550.530-AgR. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Julg. 26/06/2012)
Jurisprudência - Direito Público
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RECURSO DE APELAÇÃO - OBRIGAÇÃO DE FAZER - REALIZAÇÃO DE
CIRURGIA - POSSIBILIDADE. 1. Pretensão da Fazenda Pública de não fornecer o procedimento cirúrgico. 2. Dever do Estado - Inteligência dos artigos 1º, inciso II, 23, inciso II, 30, inciso VII, 196 e 230, todos da Constituição Federal. 3. Obrigação solidária dos entes políticos da federação. 4. Súmulas 29 e 37 desta E. Corte de Justiça. 5. Desnecessidade de prévia submissão do paciente a avaliação de médico do Estado, bastando que a indicação de cirurgia em continuidade à consulta e exames realizados, decorra da avaliação de um único profissional habilitado. 6. Necessidade de procedimento cirúrgico para extirpação de útero e ovário. 7. Inocorrência de ingerência do Poder Judiciário na atividade administrativa do Estado. 8. Judiciário que agiu em razão de provocação da parte interessada na busca de seus direitos e garantias constitucionais. 9. Conflito aparente de normas - Inaplicabilidade da teoria da reserva do possível quando o bem maior a ser protegido for a saúde.
10. Sentença de procedência da ação mantida. 11. Recurso de apelação desprovido. (TJSP, 5ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Francisco Bianco, Apelação nº 0001684-58.2011.8.26.0071, j. 02/04/2012).
Sendo solidária referida responsabilidade, a questão de o Município ter eventualmente arcado integralmente com as despesas, pretendendo o ressarcimento do outro ente estatal, é questão a ser discutida e solucionada em ação própria, que não se confunde com o objeto aqui protegido.
Ora, também não há que se falar em respeito às regras estruturais e de padronização do Sistema Único de Saúde. A garantia à saúde deve ser efetiva de forma ampla e integral, nos moldes da prescrição médica, incumbindo ao Poder Público providenciar especificamente o que for preciso, sem que caiba a análise de conveniência e oportunidade e independentemente de supostas limitações de cunho administrativo, tais como exigência da negativa expressa da autoridade administrativa, cadastro em listas de órgãos administrativos, listas padronizadas, prescrição por médicos integrantes da rede pública, previsão orçamentária, perícia médica ou mesmo ilegitimidade, posto que nenhum destes elementos é capaz de elidir os mencionados axiomas constitucionais a serem observados pela Administração Pública como um todo.
A vida e a saúde humana devem ser respeitadas, cabendo apenas ao médico valorar qual o tratamento mais adequado à patologia de cada paciente, pois é este o profissional responsável pela indicação do tratamento apropriado.
Ademais, a intervenção do Judiciário não implica qualquer violação da
independência e harmonia dos Poderes. Tal violação inexiste quando o Poder Judiciário se limita a interpretar e dar aplicação às normas constitucionais e legais aplicáveis.
Jurisprudência - Direito Público
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Desta forma, ao decidir a presente causa, o Magistrado apenas agiu no exercício da função jurisdicional, decidindo conforme o sistema jurídico vigente, observando principalmente os direitos fundamentais da pessoa humana descritos na Constituição Federal em resposta à conduta governamental.
Este é o entendimento da jurisprudência:
“Logo, também é absolutamente incabível qualquer alegação no sentido de que não cabe ao julgador imiscuir-se na atividade administrativa, porquanto não há se falar em desobediência ao Princípio da Tripartição dos Poderes, uma vez que o apelado tem direito à vida e à saúde, como corolários do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1º, III, CF), que é o norteador da interpretação e aplicação do direito.
Deste modo, se o Estado-administração não atender a tais direitos de forma voluntária, o Poder Jurisdicional o compelirá ao cumprimento das garantias fundamentais dos cidadãos, até porque vigente o Princípio da Inafastabilidade do controle jurisdicional a toda lesão ou ameaça a direitos (artigo 5º, XXXV, CF).” (TJSP - Apel. nº 415.091.5/3-00. Rel. Des. Leme de Campos. Julg. 28/08/2006)
Por fim, quanto aos honorários advocatícios, verifico que o valor da condenação se deu com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, com observância dos critérios de equidade, fixados em valor certo, devendo, portanto, ser mantidos.
Diante disso, correta está a r. sentença que deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
Ocorrendo isto, AFASTO A PRELIMINAR ARGUIDA E NEGO
PROVIMENTO AOS RECURSOS, nos termos supramencionados.
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