ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0154757- 74.2008.8.26.0000, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante JOSEFINA TESOLIN DA SILVA, é apelado HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.
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ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, por maioria de votos. Vencido o revisor que declara. Sustentou oralmente Dr. Cristovam Martins Joaquim.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 8981/13)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores TORRES DE CARVALHO (Presidente) e TERESA RAMOS MARQUES.
São Paulo, 3 de fevereiro de 2014.
ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ, Relator
Ementa: Ação de indenização de danos morais. Alegação de morte de familiar em decorrência de contaminação pelo vírus HIV por meio de transfusão de hemocomponente. Falta de registro quanto à realização de testes anti-HIV do material doado e transfundido na paciente. Nexo de causalidade demonstrado. Falha na prestação do serviço público. Responsabilidade caracterizada. Sentença reformada. Recurso provido.
VOTO
VISTOS.
Contra sentença que julgou improcedente ação de indenização de perdas e danos materiais e morais decorrentes de falha na prestação do serviço hospitalar que ocasionou a contaminação de familiar pelo vírus HIV durante transfusão de sangue e posterior falecimento (fls. 372/374), apelou a autora alegando que a prova dos autos indica que sua filha, hemofílica, contraiu o vírus HIV mediante transfusão de composto de sangue por culpa do requerido; disse que inexiste registro do hospital de que a paciente já fosse portadora do vírus; que a falta de testes anti-HIV de alguns compostos de sangue e a total abstinência sexual de sua filha demonstram que a contaminação ocorreu por meio de transfusão realizada pelo hospital; e citou julgado sobre a matéria. Foram apresentadas contra-razões defendendo a sentença.
É o relatório.
Ficou incontroverso que a filha da apelante, Marta Ernestina da Silva, morreu aos 37 anos de idade por Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) em 09.02.1998 (v. fls. 08).
O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto informou que a primeira consulta da paciente se realizou em 01.03.1984, com principal queixa de hemorragia prolongada após extração de dentes. Alega que a paciente não era hemofílica e que a hipótese era de doença de Von Willebrand; que o composto de sangue denominado crioprecipitado foi ministrado na paciente no período de 28.10.1987 a 03.11.1987 para tratamento de distúrbio de coagulação. Diz que a paciente recebeu no mencionado período 69 unidades do composto e que nenhuma dessas unidades estava contaminada pelo vírus HIV.
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Respeitado o entendimento contrário, a sentença merece reforma.
Segundo consta do prontuário médico, a paciente era portadora da doença von Willebrand; realizou exame ginecológico que atestava membrana himenal íntegra em 1987, tendo em vista a D.U.M. de 22.08.1987, e não 26.06.96, como constou do laudo pericial (fls. 320); recebeu, por transfusão, o hemocomponente no período indicado pelo hospital; e realizou teste HIV em 1991 com revelação do diagnóstico em 15.01.1992 (v. fls. 68/verso, 105/verso e 106).
Embora a perícia realizada pelo IMESC faça menção à denominada “janela imunológica” (fls. 322) e não tenha excluído a probabilidade de contaminação por meio de relação sexual (fls. 339/340), não houve registro quanto à realização de testes anti-HIV de todo o material coletado para transfusão, inclusive aquele recebido pela paciente. Assim, o laudo oficial concluiu pela possibilidade de contaminação pelas transfusões realizadas pelo requerido (fls. 320/323). E, ao que tudo indica, a vítima sempre fez uso da rede pública de saúde e as demais provas não indicam que a contaminação se deu de outra forma.
Por tudo isto, mesmo sem aplicar a teoria do risco integral, há prova de falha do serviço público a autorizar a aplicação do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, pois cabia ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto verificar a qualidade do sangue doado a fim de assegurar a saúde e a vida dos pacientes dependentes de transfusão, de modo a impedir a proliferação do vírus da AIDS. Esta falta está na área dos riscos assumidos pelo hospital para consecução de suas finalidades.
Oportuno lembrar que, naquela época, já era vigente a Lei Estadual n. 5190, de 20.06.1986, que tornava obrigatória no Estado de São Paulo a realização de teste, inclusive aos hospitais da rede pública estadual, para detecção de anticorpos do vírus da AIDS no material recolhido para transfusões de sangue e derivados (art. 1º).
Com relação ao dano moral, a perda da filha por contaminação pelo vírus HIV em transfusão de hemocomponente dispensa maiores considerações para reconhecê-lo. O sofrimento psíquico é evidente e merece resposta capaz de amenizá-lo.
O dano moral é, assim, evidente e dispensa maiores considerações quanto
a sua caracterização e o valor fixado não deve implicar enriquecimento exagerado para o ofendido nem exagerada punição para a ofensora. Não basta considerar seu porte econômico; importante levar também em conta que a punição não é a única finalidade da indenização por dano moral, a qual, como dito, deve constituir estímulo à adoção de providências preventivas que evitem ofensas psíquicas evitáveis. Não é objetivo deste tipo de indenização proporcionar enriquecimento descabido ao ofendido, ainda que isto possa acontecer como efeito colateral, em situações excepcionais nas quais seja condição necessária à consecução daquelas outras finalidades.
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Com estes parâmetros, mostra-se razoável o valor de vinte mil reais, atualizáveis a partir de agora pela Tabela Prática deste Tribunal, com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (v. art. 406 do Código Civil). Inaplicável no caso a Lei n. 11.960/09, à vista do decidido pelo STF na ADIN 4357/DF.
Em razão da procedência da ação, fica o requerido condenado nas custas e despesas processuais em reembolso, arbitrados os honorários advocatícios, à vista da complexidade da causa e do trabalho desenvolvido, em dois mil reais, atualizáveis a partir de agora até a liquidação pelo pagamento.
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para julgar procedente a ação, nos termos acima, invertidos os ônus da sucumbência.
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