b) Quanto ao recurso da Câmara.
Segundo consta, a Câmara Municipal de Paulo de Faria realizou concurso público para provimento dos cargos de Auxiliar Administrativo, Motorista, Porteiro e Telefonista - Edital nº 02/2010 (fls. 10/39). O Ministério Público, diante de denúncias efetuadas por candidata ao cargo de Auxiliar Administrativo, ajuizou a presente ação acolhida para a) invalidar o certame para o provimento do cargo de Auxiliar Administrativo desde a publicação do Edital e b) condenar a Câmara Municipal na devolução da taxa de inscrição para os candidatos.
Daí o inconformismo. Sem razão, contudo.
O Edital nº 01/2010 regulamentando o certame, previa, para o cargo de Auxiliar Administrativo, a realização de prova objetiva e prova prática, ambas, de caráter eliminatório e classificatório.
Quanto à prova prática assim dispôs o edital:
“9. DAPROVAPRÁTICA- ELIMINATÓRIAE CLASSIFICATÓRIA”
“9.1. Todos os candidatos ao Cargo de Auxiliar Administrativo e
Motorista serão submetidos à prova prática.”
“9.2. A prova prática será considerada e divulgada as respectivas notas, somente para os candidatos que obtiverem aprovação na prova objetiva.”
“9.3 As provas práticas serão realizadas no dia 30 de maio de 2010 em horários e locais a serem divulgados, conforme item 4.2;”
“9.4. As provas práticas, terão o valor de 0 (zero) a 100 (cem)
pontos;” (fls. 20/21).
Edital não previu especificamente em que condições seria realizada a prova prática. Nenhuma regra específica foi previamente estabelecida. Sequer
quanto ao critério de avaliação ou no que consistiria a prova prática (digitação de texto, elaboração de planilha ou banco de dados, etc), ou qual o sistema operacional a ser utilizado, dispôs o edital. Condições imprescindíveis para a validade do certame.
Jurisprudência - Direito Público
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Na medida em que ele deve fixar as regras do certame, definindo em que condições se estabelece o relacionamento entre a Administração e aqueles que concorrerão aos cargos, deve obrigatoriamente prever a forma de avalição de cada fase.
Confira-se, a propósito, o ensinamento de FRANCISCO LOBELLO DE OLIVEIRA ROCHA:
“... na elaboração do edital, o Administrador deve fornecer critérios objetivos e suficientes para a seleção dos melhores candidatos, bem como as regras e procedimentos que serão observados na condução do concurso.”
“Não basta, todavia, que o edital contenha os critérios de avaliação dos candidatos. É imperioso que descreva, de forma minudente e exaustiva, a forma de avaliação e pontuação atribuída a cada critério. Isto porque, após a publicação do edital, não pode restar ao Administrador qualquer margem de discricionariedade que pudesse ter sido exaurida no momento de sua colaboração.” (grifei - “Regime Jurídico dos Concursos Públicos” - Ed. Dialética - 2.006 - p. 57).
E de MÁRCIO CAMMAROSANO:
“... devem ser preestabelecidos os tipos de provas a que os
candidatos se submeterão - teóricas ou práticas, escritas e ou orais
-, os fatores a serem levados em consideração - clareza e correção da linguagem, sob os aspectos de ortografia, pontuação, acentuação etc., desencadeamento lógico do raciocínio, conhecimento do direito aplicável à espécie, propriedade e domínio da linguagem técnica utilizada etc. -, e os critérios para avaliação desses mesmos fatores.” (“Concurso Público e Constituição” - Ed. Fórum - 1ª ed. - p. 173).
Não se afigura razoável a realização de certame, máxime para seleção de pessoal, sem o estabelecimento de critérios objetivos de avaliação.
Não se presta referência da corré ao Anexo IV do Edital (fls. 710). Restringe-se ele ao conteúdo programático da prova, não à prova prática (fls. 34). A prevalecer o raciocínio da interessada (fls. 710/711), de cálculos de matemática também poderia ser a questionada prova prática quando necessários tais conhecimentos para quem deve “... efetuar pagamentos...” (fls. 31).
Situação inviabiliza a melhor seleção de pessoal para a Administração Pública, na medida em que impede a preparação dos candidatos e desestimula a participação de outros por falta de conhecimento da avaliação a que serão
submetidos.
Jurisprudência - Direito Público
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Afora a omissão de regras do certame, várias irregularidades foram cometidas durante a aplicação da prova prática para o cargo em questão, realizada no Telecentro Comunitário (fls. 191).
De acordo com a denúncia efetuada perante o Ministério Público pela candidata Patrícia Mendes Barbosa Pereira,
“Depois de terem concluído e se retirado do local (Telecentro Comunitário Municipal, no endereço Rua XV de Novembro s/nº, Centro, nesta cidade) onde foi aplicada a prova prática, algumas candidatas foram chamadas para retornarem ao local onde estava sendo realizada a prova prática do concurso citado. A candidata ADRIANA ANDRADE DA COSTA foi a primeira a se retirar do local da prova, outras duas candidatas, ALINE CALDAS BARRIOUNUEVO e ALANA RAMOS
GOUVEIA, também terminaram suas provas e se retiraram. Logo depois, o profissional aplicador da prova da Instituição Soler de Ensino, chamou as candidatas ALINE CALDAS BARRIOUNUEVO e ALANA RAMOS GOUVEIA, para retornarem ao local onde estava sendo realizada a prova prática, pois as provas das mesmas não haviam sido salvas no computador (não posso precisar se por imperícia do aplicador da prova ou por falha no sistema), e elas teriam que refazer suas provas. Como a candidata ADRIANA ANDRADE DA COSTA já havia se retirado a bastante tempo do local da prova a candidata ALINE ligou de seu celular (pois somente ela tinha o número de celular da candidata Adriana Andrade da Costa) para chamá-la de volta ao local da prova prática. As candidatas Aline e Alana reiniciaram suas provas e a candidata Alana iniciou uma discussão com o aplicador da prova prática, nervosa e claramente alterada por ter que refazer sua prova. Logo depois, o aplicador da prova registra o fato na ATA da Instituição Soler de Ensino. Chegando em seguida a candidata Adriana Andrade da Costa para também reiniciar sua prova. Na norma 8, subtítulo 8.18 alínea ‘f ’ está explícito que se o candidato se afastar do local da prova a qualquer tempo sem o acompanhamento do fiscal será eliminado (Como não há qualquer menção a prova prática no edital, esta candidata está se baseando na norma da prova objetiva).” (fls. 06).
Situação inteiramente confirmada pelas demais candidatas (fls. 584/589 e 590/593). Adriana Andrade da Costa, em depoimento em juízo, afirmou:
“A prova prática foi no período da tarde. Eu fiz a prova prática e foi mil maravilha. Eu salvei a minha prova e fui embora. Despois estava em casa do meu namorado o celular tocou. Era uma pessoa que estava no local da prova pedindo que eu retornasse para refazer a prova.” (fls.
584).
Jurisprudência - Direito Público
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Jean Carlos dos Santos, responsável pela aplicação da prova prática,
também confirma os fatos:
“Eu estava aplicando a prova prática de informática e quando eu fui salvar a prova de uma das candidatas houve um problema no computador e a prova se perdeu, razão pela qual aquela aluna, que ainda não havia deixado o local, foi chamada para refazer a prova, sendo o computador reiniciado. Este problema se deu com três candidatas e o mesmo procedimento foi adotado em relação a todas elas.” (fls. 547).
A prova, segundo depoimentos prestados, consistia na digitação de um texto e na elaboração de uma planilha no sistema operacional ‘Linnux’. O candidato ao concluir, procedia a gravação do arquivo em um pen drive de posse do aplicador da prova. Esse procedimento sofreu um imprevisto, com a falha em alguns microcomputadores que perderam algumas provas concluídas. A solução encontrada naquele momento foi conceder às candidatas cujas provas foram perdidas, nova oportunidade de fazerem a mesma prova.
Duas delas Aline e Alana, ainda se encontravam no recinto e retornaram ao local da prova para refazê-la (fls. 06), já a candidata Adriana que se encontrava na casa de seu namorado (fls. 584) foi contatada por meio de ligação celular e também retornou para refazer a prova.
Contudo, não há como ver regularidade nesse proceder.
A falha ocorrida na gravação das provas inviabilizaria o prosseguimento do certame com o consequente cancelamento daquela prova a todos os candidatos e remarcação prévia de nova data com a publicidade necessária.
Inequívoca a violação ao princípio da isonomia. Se, por um lado, a inesperada convocação para refazer a prova possa causar transtornos psicológicos às candidatas prejudicadas (“... ao retornar a declarante ficou sabendo que teria que refazer toda a sua prova, e assim o fez, porém já completamente nervosa e desconcentrada...” - declaração prestada pela candidata Alana nos autos do Inquérito Civil - fls. 347), por outro, proporciona-lhes a oportunidade de corrigir erros cometidos na prova anterior.
Não há como, diante desses fatos, manter o certame como feito. Como bem posto na r. sentença:
“3.0 - As irregularidades descritas na inicial, que efetivamente ocorreram durante a aplicação da Prova Prática, como ficou demonstrado pelos testemunhos, decorreram exatamente do fato de não constar do edital, de forma clara e objetiva, as regras, condições e os critérios dessa prova. Os desacertos, que surpreenderam o próprio aplicador da prova, que foi obrigado a improvisar por várias vezes, foram causados pela falta de objetividade do edital.”
“3.1 - A Prova Prática, conforme as contestações da candidata Tatiane Barreto Fernandes Hauixan e da Câmara, era de datilografia. No entanto, para o aplicador era de ‘conhecimento de programas, manuseio deles, formatação de textos, cálculos pelo sistema ‘Excel’’ (f. 547 v.). Não se pode afirmar que algum deles esteja errado, porque, em verdade, o edital não definiu a prova.”
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“4.0 - Por outro lado, se o processo concursivo já não padesse (sic) de invalidade de origem, por vício do edital, as irregularidades ocorridas durante a aplicação da Prova Prática constituíram causas bastantes para a sua invalidação. Com efeito, candidatas foram auxiliadas pelo aplicador da prova, o sistema operacional instalado nos computadores usados ‘apresentou problemas’, o que obrigou o aplicador a enviar as provas por e-mail para a instituição contratada para a execução do concurso, no lugar de grava-las em pen drive, como originalmente estava previsto (f. 547-60).”
“4.1 - Com isso, a impessoalidade na condução da prova, e a forma de sua condução, foram violadas.” (fls. 693/694).
De rigor, portanto, a anulação do concurso público nº 01/10 quanto ao cargo de Auxiliar Administrativo desde a publicação do edital, com a devolução da taxa de inscrição aos candidatos, como determinado (fls. 694).
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