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No ano de 2013, participei do Acampamento Terra Livre (ATL), que acontece
todos os anos em Brasília. Participei do mais alto feito alcançado por um movimento
indígena, que foi entrar no Congresso Nacional “Casa do Povo”, com mais de 1500
indígenas de todo o Brasil defendemos a não aprovação da Proposta de Emenda à
Constituição número 2015 (PEC 215). Proposta esta que trazia junto ao texto o
extermínio de nossas populações, já que passava do executivo para o legislativo a
competência de demarcar terras indígenas.
Com isso, de acordo com nosso
entendimento, jamais veríamos nossos territórios demarcados no caso de uma
aprovação. Um dia histórico e memorável, pois conseguimos barrar naquele momento
a votação da PEC. 215.
Desde este ato, a força dos movimentos só aumentou,
assim como meu
engajamento. Então, no final de 2013, vi uma oportunidade na UNOCHAPECÓ que
passará a ofertar o curso de Licenciatura Intercultural Indígena, específico e
diferenciado somente para povos indígenas do estado de Santa Catarina. As aulas
seriam durante as sextas e sábados, sempre nas escolas das comunidades indígenas,
facilitando o acesso e a integração entre os povos.
Assim, durante os cinco anos que fiz o curso, estive diante de muitos desafios.
Nasceram os filhos Kenuy Yuri
Jotiti e Lanay
Tãnh Fej e os compromissos com o curso
aumentaram, mas mesmo assim em nem um momento pensei em desistir. Foram
tantas as trocas, tantos aprendizados, que por fim resultaram na habilitação em
Ciências Sociais.
O projeto final da graduação, focou no histórico das comunidades indígenas do
oeste catarinense, focando principalmente a Terra Indígena Toldo Pinhal. Me desafiava,
cada vez mais, a apresentar com um olhar indígena sobre a história e memória do povo
Kaingang na região. Com isso, contribuir com elementos pedagógicos para a educação
escolar indígena, logo, para as comunidades indígenas.
Assim, a graduação contribuiu e fortaleceu aprender dentro da nossa realidade,
mesclando o conhecimento “universal” com nossa cultura, crenças e tradições. Com
isso, nossa comunidade indígena ganhou, nosso povo teve mais visibilidade e além de
tudo isso, a gratidão de poder contar e ser parte de um grupo de professores que por
unanimidade se empenharam para garantir e entender o “tempo indígena de aprender”.
Nesse
contexto, logo após finalizar a graduação, surge a oportunidade de
ingressar no Mestrado em Educação da UNOCHAPECÓ. Com a bolsa social, passo a
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realizar um sonho. Porém, já no início, enfrento um grande desafio, conciliar a vida
acadêmica, social e familiar. Mas afinal, a vida é feita de superação e permanentemente
temos que enfrentá-los.
Paralelamente ao início do mestrado, me separei da mãe de meus filhos, então
saindo da comunidade Toldo Pinhal, passando a viver no Toldo Chimbangue.
Iniciei
uma nova etapa da vida com pouco convívio cotidiano com meus filhos. Frente às
dificuldades, acabei sendo recebido com muito apoio por toda comunidade dessa terra
indígena. Então, no mês de fevereiro de 2020, começo a trabalhar na Escola Indígena
Ensino Fundamental Fen'nó como coordenador pedagógico, ampliando meu desejo e
desafio em pesquisar melhor esta comunidade e os processos que ocorrem dentro dela.
Pois de imediato, percebi que o Toldo Chimbangue, possui especificidades diferentes
das outras quatro comunidades indígenas que vivi.
Ao ingressar no mestrado, passo a fazer parte da linha de pesquisa: Diversidade,
Interculturalidade e educação inclusiva, bem como do grupo de pesquisa:
Desigualdades sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas. Iniciar o
Mestrado, cursando as disciplinas, participando de seminários e palestras, bem como,
a interação com os colegas, oportunizou a identificar as diversas facetas de contribuição
que os saberes kaingang têm no processo educativo. Tudo isso contribuiu para refletir
sobre a educação indígena, desde a oralidade, a escuta e a memória
como partes
essenciais dos saberes e da cultura. Vi no mestrado um lugar possível de escrita, de
poder registrar a sabedoria do povo indígena.
Ser pesquisador indígena nos dias atuais, é desafiar-se ao mundo da leitura, de
obras que possam contribuir ao máximo na pesquisa, contextualizando sempre na
melhor intenção de dialogar com o olhar a partir dos saberes indígenas. Sendo
respeitadas as escritas,
e ao que foi dito, porém, nunca deixando de lado as fontes
inesgotáveis dos saberes indígenas, que passam por vários sábios da comunidade.
São nas crenças, no canto dos pássaros, nas plantas, na água, no fogo, nos ciclos
lunares que vivem os saberes indígenas. Além de cultivar um formato único de
conhecimento na observação das mudanças de comportamento da natureza, podemos
afirmar que pouco está registrado em livros, pois pouco se conta para os não indígenas,
e poucos são os indígenas que chegam ao ensino superior e à pós-graduação no Brasil.
É neste desejo, que me sinto
contemplado enquanto Kaingang, de poder escrever
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sobre os saberes de nosso povo, e especificamente daqueles da comunidade do Toldo
Chimbangue.
Diante desta temática anunciada, buscou-se responder o seguinte problema de
pesquisa: Como os saberes Kaingang influenciam no modo de ser e viver da
comunidade Toldo Chimbangue? Como objetivo
geral buscou-se compreender como
os saberes Kaingang do Toldo Chimbangue são percebidos,
sentidos, valorizados,
respeitados e vividos pela comunidade desde a retomada do território tradicional.
Para
ancorar essas questões, buscou-se através dos objetivos específicos:
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