Quando estudar se tornou intangível
A educação à distância no Brasil vem se expandindo há muitos anos. Desde meados da década de 90, instituições já utilizavam a internet como meio de propagação de artigos acadêmicos e promoção de interações deste cunho1. Atualmente, são milhares de cursos online disponíveis ao grande público, sejam eles gratuitos ou pagos, predominantemente à distância, semipresenciais ou disciplinas extras de cursos presenciais. Com a chegada da quarentena e das recomendações médicas de prevenção ao novo coronavírus, escolas se fecham e a migração da sala de aula física para a virtual se torna uma necessidade em meio a tempos de confinamento. Entretanto, a visão de que as ideias de ensino à distância propostas pelo governo resolvem todos os conflitos gerados pela crise e garantem o funcionamento integral dos corpos discente e docente, beira a utopia.
A desigualdade e irresponsabilidade do sistema educacional brasileiro sempre esteve presente; o Covid-19 foi apenas um fator agravante. Sinais desse comportamento são, por exemplo, a negligência do Ministério da Educação com relação ao adiamento do ENEM e a falta de projetos com alternativas que contemplem alunos – e professores – que não têm acesso a uma internet de qualidade, ou por muitas vezes, a internet alguma.
Professor e Doutor em Filosofia pela USP, Alexandre Filordi deixa claro seu descontentamento com as tentativas do governo de protelar o inevitável congelamento do calendário escolar, principalmente pela imagem da escola como forma de lucro2. Carlos Piazza, professor, autor e escritor, critica a inadaptabilidade da didática docente ante o modelo de aula virtual, tendo em vista as investidas falhas em mimetizar o ambiente da sala de aula física nos aplicativos de conferência online, e o apego a um conceito de ensino que deixou de existir – ou pelo menos deveria3.
Esses fatores, entre outros, tornam os métodos atuais de ensino à distância – assim como a preparação para vestibulares – muito difíceis, e em muitos casos, impossíveis. A precariedade do acesso a informação no Brasil foi acentuada pela atual situação, e muitas discussões já presentes no meio educacional se fortaleceram, na mesma medida que o governo tentou ignorá-las. O vídeo de chamada para as inscrições do ENEM desse ano é um reflexo do elitismo e da inconsequência incrustados no governo brasileiro, que se recusa a enxergar a realidade vivida pela vasta maioria de seus habitantes. Assim como a falta da capacitação devida dos profissionais da área para uma experiência virtual decente, a falta de incentivo aos alunos para o uso das plataformas, o insulto direcionado à ambos ao fechar os olhos para os que não tem condição de acompanhar as aulas digitalmente. O debate vai além, pois também se questiona o que fazer com relação ao nível de ensino infantil e ao ciclo fundamental I, o destino dos alunos deixados para trás no processo de continuação das atividades letivas e também dos professores incapacitados de exercer a profissão, o descaso com a saúde mental dos estudantes e educadores, e assim por diante.
Indubitavelmente, vê-se a insuficiência dos órgãos públicos para tratar do problema que vem sendo o fechamento das escolas. É improtelável a tomada de uma medida que defina de uma vez por todas o destino da educação no decorrer da quarentena, seja essa ação de contemplação de todos os envolvidos no sistema de ensino, ou o cancelamento das atividades letivas e o remanejamento de estratégias para a aplicação do currículo requerido por cada ano ou série. O conceito de escola que conhecíamos foi extinto, agora basta enxergarmos isso.
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