heart) e "mente" (head).
O conceito de razão foi assim reinterpretado a partir de duas percepções. De acordo
com a primeira, os protestantes aceitam a razão, mas não de modo absoluto, já que ela
também está condenada pelo pecado. Só com a razão o homem não pode alcançar a salvação.
Backus o exprimiu muito bem: "os homens freqüentemente colocam o conhecimento
humano no lugar da fé salvadora no Filho de Deus". [368]
Na segunda, ela foi instrumentalizada, para se tornar utilitária, no sentido que
William James captaria: a razão deve ser um instrumento e não resposta aos enigmas. A
razão passa a ser vista como devendo ter um valor prático. [369]
Isto não é propriamente anti-racionalismo ou antiintelectualismo. [370]Antes, é
apenas uma razão subjugada, que, talvez, não é mais razão. O fato de a teologia americana
não ter se desenvolvido como aconteceu com as ciências, é porque a ênfase à decisão pessoal
diante de Cristo tornava a especulação "pura" uma atividade pouco útil. Em certo sentido, a
apreensão da doutrina, iluminada pela Bíblia, é resultado da ação do Espírito Santo no
coração do crente. A ênfase era à presença de Deus no coração e não à teorias acerca dele.
[371]
No entanto, nada mais racional, quase deísta, do que a idéia do pacto. As regras de
Deus já foram colocadas. Estão no contrato. Estão na Bíblia. Basta segui-las. Este
seguimento, no entanto, está condicionado à reta interpretação desta Bíblia, o que geraria
posteriormente o fundamentalismo nas denominações, que não é outra coisa senão a recusa a
um tipo de racionalismo, baseada na liberdade absoluta, e a afirmação de outro, fundado na
aceitação de que a verdade está dada.
. exacerbação da doutrina da natureza espiritual da missão da igreja
Durante o drama da escravidão, o protestantismo precisou se defender das lutas
intradenominacionais. Neste momento, ele se preparava precisamente para se lançar à obra
missionária no exterior. Da proibição de discutir o assunto passou-se à restauração da
teologia patrística, especialmente a de Tertuliano, segundo o qual só os assuntos espirituais
interessam aos cristãos.
Uma questão intrigante é como os batistas, "revolucionários" na Inglaterra e
"militantes" na América puritana na defesa de seus princípios se tornaram tão absenteístas,
assumindo como exclusivamente espiritual a sua tarefa.
É preciso de novo voltar-se ao drama da escravidão, que dividiu praticamente todas
as denominações. O caso batista, no entanto, ilustra bem a restauração da teologia patrística,
especialmente a de Tertuliano.
Em 1833, os batistas de Londres enviaram uma carta aos seus irmãos de Boston para
dizer que a escravidão era "anticristã", "degradante" e gerava miséria, injustiça, crueldade e
infelicidade. O texto conclamava os batistas americanos a lutar para mudar esse estado de
coisas. Esses batistas (do norte [372]) responderam, lembrando que a escravidão fôra
instituída pelos britânicos, contra a expressa vontade dos colonos, e que, como não havia um
Estado federativo, a nação ficava exonerada da acusação de sustentar a escravidão, que só
poderia ser extinta pela vontade dos escravagistas. Assim mesmo, havia um grau de união
entre os batistas nos EUA, que não deveria ser ferida, sob pena de prejuízo para a obra
missionária.
"Irmãos de todas as partes do país estão unidos à nossa Convenção Geral e cooperam
no envio do evangelho aos pagãos. Nossos irmãos sulistas são liberais e zelosos na promoção
de todo empreendimento santo para a extensão do evangelho. Esses ministros e pessoas
geralmente têm escravos, não porque todos pensam que a escravidão é certa, mas porque ela
está firmemente arraigada antes de nascerem e porque crêem que a escravidão não pode ser
abolida de imediato. Estamos certos de que uma larga parte de nossos irmãos no sul se
alegrarão em ver algum esquema exeqüível para livrar o país da escravidão". [373]
Na tradição de Allen, [374]um grupo de batistas não ficou satisfeito e enviou outra
resposta, não com a assinatura de um "Board", mas de 118 participantes de uma convenção,
realizada também em Boston, em 1835:
"Nós não tentamos exonerar a nação da culpa de sustentar a escravidão. (...) Nós
somos verdadeiramente uma nação culpada diante de Deus, ao ferir os direitos inalienáveis
de muitos de nossos patrícios. (...) É nosso propósito trabalhar, não com as armas da carne
mas com o poder de Deus para vencer esta e outras obras da impiedade". [375]
Na tentativa de evitar a divisão, que veio virulenta assim mesmo, em 1844, a Home
Mission Society decidiu que discutir o assunto da escravidão era "uma contravenção direta
da letra e do espírito" dos estatutos da Convenção e, mais, era uma "desnecessária agitação".
[376]
Esboçava-se aí a teoria da natureza espiritual da igreja, tão estranha à história anterior
americana. Em 1845, operada a divisão entre os batistas, a Southern Baptist Convention
estabeleceu:
"Nossos objetivos, então, são a extensão do reino do Messias e a glória de nosso
Deus, não a desunião com algum do seu povo, não a manutenção de qualquer forma de
administração humana ou direitos civis, mas a glória de Deus o crescimento do reino de
Messias, na promoção do qual não encontraremos necessidade para abrir mão de nossos
direitos civis. Nós nunca interferiremos com o que é de César. Nós nunca comprometeremos
o que é de Deus". [377]
Assim, a motivação religiosa da militância batista determinou sua adesão à teoria da
natureza espiritual da igreja. A luta pela liberdade religiosa infundira neles a convicção da
corrupção do Estado (especialmente no caso das colônias, onde os perseguidos ingleses se
transformaram em perseguidos americanos). Tudo o que queriam, como ensinou Backus, era
dar a César o que lhe pertencia, o que significa "não incomodar e não ser incomodado". [378]
Agora, que a liberdade estava garantida, a bandeira podia ser arriada.
Todos estes valores se aplicam de modo cabal aos batistas, cuja reflexão e prática
decorre da mesma já referida entronização do princípio da liberdade religiosa. Afinal, eles
mesmo se autodefiniram como "um povo que ama o Evangelho e que prega o Evangelho" e
cuja "missão é manter a espiritualidade, a liberdade da alma e a simplicidade religiosa". [379]
Falta, no entanto, repetir que os batistas nasceram puritanos na Inglaterra e
continuaram puritanos nos Estados Unidos. O neopietismo, por exemplo, apenas reforçou
este puritanismo que, evidentemente, também se transformou, para ficar no mesmo lugar.
5
O MODO PROTESTANTE BRASILEIRO DE PENSAR
O protestantismo nasceu da liberdade da consciência individual, cuja conseqüência
política é a liberdade religiosa; do protestantismo é filha a instrução popular, que constitui a
grande característica, o principal instrumento e a necessidade vital da civilização moderna;
ao protestantismo está associada (...) uma exuberância de prosperidade industrial, luxuriante
e vigorosa como a vegetação dos trópicos, em contraste com os países onde os processos de
governos católicos, aplicados em seu rigor, cansaram as almas e esgotaram a energia moral
do povo.
(RUI BARBOSA [380])
Como os primeiros Reformadores europeus, que queriam restaurar o mundo e a igreja,
reiniciando-os numa nova era de liberdade e progresso, e os primeiros colonos
norte-americanos, que queriam construir uma civilização sobre a colina abençoada por Deus,
os primeiros protestantes brasileiros almejavam a conversão de todos os cidadãos como porta
de entrada para a civilização, contra a barbárie do atraso.
O Brasil foi pensado como tendo sido forjado pela ausência criada pela presença de
uma Roma distante. A chegada do protestantismo foi interpretado como uma ação do espírito
de Deus sobre esta cultura, para redimi-la e impulsioná-la ao progresso.
Assim, o nascimento do protestantismo no Brasil faz parte também de um movimento
histórico, por fatores independentes ligados à descoberta do(s) continente(s)
latino-americano(s), como natureza a ser explorada, terra a ser cultivada, economia a ser
perifericizada, cultura a ser dominada e povo a ser convertido.
PARA UMA TIPOLOGIA GENÉTICA DO PROTESTANTISMO
Por isto, pode-se pensar na introdução do protestantismo no Brasil como fruto de
cinco aproximações. [381]
A primeira entrada, ocorrida nos séculos 16 e 17, bem poderia caracterizar um certo
protestantismo de piratas, já que foi contemporânea dos primeiros esforços colonizatórios,
quando cobiçaram nossas costas navios inlusos, inclusos neles piratas europeus, muitos deles
protestantes; [382]viajantes, alguns dos quais (como Hans Staden, Alexander von Humboldt,
Carlos F. P. von Martius, entre outros) protestantes, interessados em estudar
(cientificamente) a fauna (a humana -- indígena -- inclusive) e a flora da terra; e membros de
empreendimentos colonizadores heterodoxos: os huguenotes da "França antártica" (1555) e
os calvinistas da Igreja Evangélica Holandesa do Nordeste (1630-1645). Esses protestantes,
calvinistas (quase) todos, talvez certos da in-predestinação natural dos trópicos, não
deixaram qualquer vestígio de comunicação de sua fé.
A segunda, já no século 19, foi um protestantismo de estrangeiros desenvolvido por
técnicos, funcionários de missões diplomáticas, marinheiros, colportores, etc., para quem era
providenciado serviço religioso em suas línguas. [383]
O terceiro decorreu na imigração para o Brasil a partir do século 19. Este
protestantismo de imigração surgiu como uma conseqüência direta do esforço colonizatório,
por meio do incentivo à vinda de mão-de-obra da Europa para cultivar o solo brasileiro. Esses
imigrantes eram (muitos) protestantes: ingleses anglicanos (1810) espalhados pela região
costeira, [384]suíços luteranos no Rio de Janeiro (1824) e alemães luteranos (1863)
principalmente no sul, nos primórdios; [385]norte-americanos batistas (1870) em São Paulo
[386]e letos em Santa Catarina (1892) . [387]
Esses protestantes (bem como os estrangeiros), congregados em colônias (muitas
delas ainda existentes) fechadas ou semi-fechadas, tinham na fé um elemento de sua
formação, trazendo-a para cá e cultivando-a aqui; [388] conquanto isto pudesse acontecer,
não a comunicaram aos brasileiros, embora tenham contribuído, só por sua presença, para
uma aceitação de outra forma de protestantismo posteriormente.
Por certo, devido também a alguma influência do movimento migratório, teve início a
partir da segunda metade do século 19, um novo tipo de protestantismo, novo não quanto à
doutrina, mas quanto ao projeto para o Brasil. Este protestantismo de missão estabelecida
surgiu, portanto, como fruto da iniciativa das sociedades missionárias estabelecidas, que
enviam e assalariam missionários. Vieram agentes congregacionais (Robert R. Kalley, em
1855, no Rio de Janeiro), presbiterianos (Ashbel G. Simonton, em 1859, no Rio de Janeiro),
metodistas (John J. Ranson, em 1878, no Rio de Janeiro), batistas (William B. Bagby e
Zachary C. Taylor, em 1882, na Bahia) e episcopais (Lucien L. Kinsolving e Watson Morris,
em 1890, no Rio Grande do Sul).
A última etapa do estabelecimento protestante no Brasil se inicia ainda na República
Velha, com a chegada de missionários estrangeiros sem um suporte institucional estrangeiro
regular e, por isto, dispostos a viver "pela fé". [389]Eles acabaram formando igrejas como as
pioneiras Congregação Cristã no Brasil (fundada por Luigi Francescon, em 1910, no Paraná)
e Assembléia de Deus (iniciada por Daniel Berg e Gunnar Vingren, em 1910, no Pará). O
movimento se desenvolveria consideravelmente a partir dos anos 30, com ramificações e
sub-ramificações.
O estatuto jurídico do protestantismo foi se alterando aos poucos, tendo sido
permitido no Reinado, tolerado no Império e livre na República.
No final do período colonial, o artigo XII do Tratado do Comércio e Navegação,
assinado em 1810 por Portugal e Inglaterra, oferecia aos súditos britânicos e aos outros
estrangeiros uma
"perfeita liberdade de consciência e licença para assistirem e celebrarem o serviço
divino em honra do Todo-Poderoso Deus, quer seja dentro de suas casas particulares, quer
nas suas igrejas e capelas, (...) contanto porém que as sobreditas igrejas e capelas sejam
construídas de tal modo que externamente se assemelhem a casas de habitação; e também
que o uso dos sinos não lhes sejam permitido para o fim de anunciarem publicamente as
horas do serviço divino, [comprometendo-se todos a] se conduzirem com ordem, decência e
moralidade e de modo adequado aos usos do país, e ao estabelecimento religioso e político".
[390]
A Constituição de 1824, para garantir a religião (católica) do Estado, manteve a
tolerância de 1810. O Código Criminal buscava defender até os cultos acatólicos, proibindo
que se viesse a "abusar ou zombar de qualquer culto estabelecido" e a se "propagar (...)
doutrinas que diretamente destruam as verdades fundamentais da existência de Deus e da
imortalidade da alma", [391]pechas que não se lhe podiam imputar.
O decreto 119-A do governo provisório estabelecia em 1890 que a todas as confissões
religiosas pertencia "por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo sua
fé e não serem contrariados nos atos particulares ou públicos", a todos cabendo "o pleno
direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina,
sem intervenção do poder público". [392]
O protestantismo de missão estabelecida (descartadas, pois, as outras formas
permanecentes: protestantismos de imigração e de missão de fé) viveu uma crise perene de
identidade, em duas direções: numa, o ser cristão; noutra, o ser brasileiro.
Para simplificar, o Brasil conhece, quanto à matriz motriz, alguns protestantismos:
. o luteranismo (que são dois: o germano/brasileiro e o
germano/norte-americano/brasileiro);
. o anglicanismo (que é a Igreja Episcopal do Brasil);
. o presbiterianismo (que são muitos, entre os quais: Igreja Presbiteriana do Brasil,
Igreja Presbiteriana Independente, Igreja Presbiteriana Renovada, Igreja Presbiteriana
Unida);
. o congregacionalismo (que é a Igreja Fluminense);
. o movimento batista (em várias convenções, entre as quais a Brasileira e a
Nacional), e
. o metodismo (na Igreja Metodista do Brasil e outras).
Para se desenvolver, o protestantismo organizou a sua pedagogia em torno de quatro
espaços: o templo (o centro da vida religiosa), a escola (extensão para servir de meio: a
educação, para a colimação de um fim: a conversão), a praça (palco a partir de onde se atrai
para a mensagem e para o templo) e o prelo (para a auto e para a hetero-evangelização).
O interesse aqui se centrará neste último meio, através do qual, evidentemente, esses
protestantismos (exceção para o anabatismo, cuja permanência praticamente se resume ao
menonismo, presente também no Brasil) ofereceram uma leitura da vida brasileira. Antes,
porém, é preciso ver os contornos desta ótica, toda (exceto para os casos do luteranismo, e do
episcopalismo e do anabatismo) urdida no seio do calvinismo euro-americano.
Presbiterianos, batistas, metodistas e pentecostais (os grupos numericamente mais
significativos) bebem no mesmo balde de um calvinismo transformado e no qual não há lugar
real para a teologia da dupla predestinação, mas há para a de um mundo como teatro da glória
de Deus, que dirige a história fundado em sua soberania.
O LOCUS DO PENSAMENTO PROTESTANTE BRASILEIRO
Embora, de certo modo, o pensamento dos protestantes brasileiros esteja menos nos
livros dos seus teólogos e mais nos hinos que (muitos) cantam e nos jornais que (poucos)
lêem, será preciso, para entendê-lo, dirigir o esforço primeiro no sentido da reflexão
sistematizada e, depois, para a prática desta teologia.
A história da editoração evangélica se confunde com a história do próprio
protestantismo brasileiro. O início das atividades editoriais coincide com a chegada dos
primeiros missionários. Esses estrangeiros encontravam em livros, folhetos e jornais o meio
pelo qual, além de evangelizar e doutrinar, podiam se apresentar ao público brasileiro. O
paradigma foi sempre o mesmo. A primeira estratégia foi escrever para os jornais regulares já
existentes. A segunda foi fundar os seus. A terceira foi publicar folhetos e livros. As revistas
(para uso interno) vieram depois. [393]
Neste século e meio de protestantismo brasileiro, o cenário editorial foi pontuado
pelo esforço missionário. A produção editorial continua sendo um campo de missão.
Seguindo o desenvolvimento das denominações, o primeiro momento foi dominado por
casas editoriais dirigidas por missionários e a serviço das denominações. A Juerp
(primeiramente Casa Publicadora Batista) é o exemplo típico disto e é a maior editora
evangélica do país. Num segundo momento, a partir dos anos 60, surgiram missões
específicas de produção editorial, de que são exemplos as editoras Betânia e Vida, que não
estão ligadas a nenhuma denominação. Ao mesmo tempo, começaram a aparecer editoras de
propriedade individual, de que é exemplo a Bom Pastor, de São Paulo. Todas, daquelas a
estas, afirmam-se existir com a missão de servir às igrejas.
O crescimento editorial ensejou que em 1988 essas publicadoras se organizassem
numa associação para fins cooperativos. A Associação Brasileira de Editores Cristãos
(Abec), que só aceita editoras evangelicistas, [394]em 1994, tinha 30 filiados, responsáveis
por manter em circulação 2.313 livros, além de revistas, jornais e folhetos.
Essas editoras podem ser assim classificadas:
Tabela 1
ORIGEM DAS EDITORAS EVANGÉLICAS
TIPO QUANTO À PROCEDÊNCIA TÍTULOS
11 Denominacionais de origem
estrangeira 1.171 50,6
1 Denominacionais de origem
brasileira 6 0,2
10 Interdenominacionais de origem
estrangeira 952 41,2
4 Interdenominacionais de origem
brasileira 57 2,5
5 Interdenominacionais de propriedade
individual 127 5,5
31 TOTAL
2.313 100
FONTE: CATÁLOGO ABEC 1994
Por essa quantificação, verifica-se que 50,9% da produção editorial brasileira é
controlada por editoras a serviço de denominações. Elas surgiram como fruto da atividade
missionária, mas hoje são dirigidas por suas denominações, tendo alcançado relativa
autonomia editorial e plena independência financeira. O segundo grupo é formado por uma
igreja que surgiu no Brasil e depois constituiu uma editora. O terceiro grupo (41,2%) é
constituído por editoras de missão, entendidas como filiais de editoras americanas ou como
estabelecidas no Brasil por entidades estrangeiras. Há um certo grau de autonomia nelas
também, dependendo de cada situação. No quarto grupo contam-se as editoras nascidas no
Brasil, mantidas por missões de fé. No quinto grupo, encontram-se as editoras de propriedade
individual de protestantes.
Este quadro é útil para se entender as ênfases e a procedência dos títulos. Ao todo, as
30 editoras ligadas à Abec ofereciam em 1994, afora publicações periódicas, 2.313 títulos
diferentes. [395]Uma comparação com a produção disponível em 1979, com dados até 1975,
[396]revela realidades merecedoras de consideração.
Tabela 2
BIBLIOGRAFIA TEOLÓGICA BRASILEIRA
COMPARAÇÃO DA PROCEDÊNCIA DOS AUTORES (1979 X 1994)
PROCEDÊNCIA 1979 1994
Títulos % Títulos %
Estrangeiros traduzidos 917 54,2 1.370 59,2
Estrangeiros radicados 215 12,7 110 4,8
Brasileiros 561 33,1 764 33,0
Diversos - - 69 3,0
TOTAL 1.693 100 2.313 100
Fontes: BIBLIOGRAFIA TEOLÓGICA 1979 (ASTE) e CATÁLOGO ABEC (1994)
Nesses 20 anos, a correlação de origens dos títulos se manteve inalterada, com ligeiro
crescimento para as traduções. A única mudança foi a redução dos autores estrangeiros
radicados no Brasil, explicável pelo processo de autonomização dos campos missionários.
[397]Em 1975, foi possível notar-se que os títulos ligados à teologia (doutrinas e estudos
bíblicos) eram, em sua grande maioria (79,5%), traduções. Nos outros títulos, o predomínio
foi menor (63,8%).[398]Em geral, portanto, a produção teológica não passa de traduções
e/ou adaptações de manuais norte-americanos sem qualquer reflexão nacional, pressuposta a
supranacionalidade do pensamento. [399]
Na categoria "teologia", os títulos de tratamento bíblico (comentários, introduções,
etc), que respondem por 49% da produção, estão quantitativamente no mesmo plano dos de
sistematização teológica (doutrinas gerais e específicas), que representam 48%. Os livros
voltados para a ética (incluídos os de interpretação da realidade brasileira) são apenas 2,9%
na categoria.
Os livros devocionais são aqueles voltados para instrução da vida cristã no plano
individual. Na categoria "educação", estão os livros de orientação sobre o ministério docente
das igrejas. O total é aparentemente pequeno porque as revistas são o meio por excelência da
educação religiosa no interior das denominações.
Na categoria "entretenimento" (14,2% do total) estão livros de música, geralmente
partituras para uso litúrgico (34% na categoria) e infantis (42%), bem como livros de poesia
(8,5%) e ficção (15,4%). Na categoria "história" estão biografias (64%) e histórias
denominacionais.
Os livros de auto-ajuda respondem pela imensa maioria dos livros do item
"psicologia". No levantamento publicado em 1979, todo o item tinha pouco mais de dez
títulos. Em 1994, eram 271.
Tabela 3
PRODUÇÃO TEOLÓGICA PROTESTANTE (1994)
CLASSIFICAÇÃO POR ÁREA DE CONHECIMENTO
ÁREA TÍTULOS %
Teologia 824 35,6
Devoção 492 21,3
Educação 16 17,0
Entretenimento 330 14,3
História 170 7,3
Psicologia 271 11,7
Práticos 65 2,8
TOTAL 2.313 100
Fonte: CATÁLOGO DA ABEC 1994
De qualquer modo, a partir de 1975, o que se nota são comportamentos diferentes a
partir da extração do grupo religioso. Os mais diretamente preocupados com o social, tanto
teórica quanto praticamente, são os luteranos da IECLB, os metodistas e os anglicanos. Essas
denominações são exatamente aquelas caracterizadas por um desenvolvimento teológico
mais "escolástico", em que os catecismos parecem representar selos finais em longas
discussões teológicas. Isto, provavelmente, tem tido o efeito de liberar seus teólogos para
outros vôos.
Todavia, não se pode esquecer que, dadas as condições infra-estruturais
(especialmente econômicas) da inserção dessas denominações no Brasil, o fazer teológico
não pode ser circunscrito à produção livresca. Destarte, quem quiser ver a teologia
protestante no Brasil terá que assistir às aulas ministradas nos seminários, ouvir os sermões
dominicais e os estudos de meio-de-semana, ler as revistas de treinamento para grupos
etários específicos e os jornais doutrinário-noticiosos e cantar as canções que aparecem nos
hinários.
Na primeira parte dos anos 90, havia nos seminários confessionais evangélicos mais
de seis mil alunos sendo treinados, para atividades pastorais que incluem reflexão teológica,
por professores formados no Brasil e no exterior, alguns dos quais exclusivamente dedicados
a este labor.
Nos púlpitos está aquela teologia informal, nascida das necessidades (pelo menos
imaginadas) concretas das congregações e acompanhada por hinos (alguns) entoados há mais
de um século a partir de hinários, como "Salmos e Hinos" (congregacional), "Hinário
Evangélico" (presbiteriano), "Cantor Cristão" (batista) e "Harpa Cristã" (pentecostal), entre
outros, sem contar as inúmeras canções anônimas e informais que circulam de boca em boca.
E na imprensa, seja nas revistas de treinamento que devem atingir hoje mais de dois
milhões de exemplares dirigidos, seja nos jornais cuja circulação deve superar os 800 mil,
está a grande árvore do pensamento teológico, mesmo que, muitas vezes, acidental e
geralmente assistemática.
MOMENTOS DA TEOLOGIA PROTESTANTE NO BRASIL
A reflexão teológica dos protestantes no Brasil, levada a cabo por brasileiros e/ou
missionários no afã de uma autodefinição, pode ser vista como experimentando quatro
momentos que não se seguem no tempo, mas se interpenetram.
Na teologia protestante brasileira não se pode periodizar, e sim tematizar, porque as
fases convivem tranqüilamente. Por isto, só didaticamente balizamos cronologicamente a
tendência, certos de seu não-rigor.
Em termos de ênfase, um quadro acerca dessa produção poderia ser o seguinte:
Quadro 8
MOMENTOS DA TEOLOGIA PROTESTANTE BRASILEIRA
AUTOCOMPREENSÃO TEÓLOGO PRÁTICA
LIVRO ANO
Fonte de progresso Fletcher Distribuição de Bíblias Brazil
and Brazilians 1866
Verdadeiro cristianismo EC Pereira Abertura de escolas O
problema religioso da A.L. 1920
Fator de mobilização Shaull Institutos para
jovens Alternativa ao Desespero 1942
Objeto de estudo científico R. Alves Pesquisa
científica Protestantismo e Repressão 1979
Os primeiros pregoeiros das verdades protestantes (apologistas todos de confissão e
colportores a maioria por profissão) apresentaram-nas como capazes de levar o Brasil ao tão
desejado progresso social, político e econômico, a partir da disseminação da Bíblia e da
implantação da pedagogia escolar norte-americana.
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