Instituto Carioca de Gestalt-terapia
O TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA SOB O OLHAR DA
GESTALT-TERAPIA
Marcus Vinicius Bastos de Macedo
Rio de Janeiro
2015
O TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA SOB O OLHAR DA
GESTALT-TERAPIA
Monografia
Marcus Vinicius Bastos de Macedo
Pós-Graduação em Gestalt-terapia
Especialização Clínica
Rio de Janeiro
Março/2015
Marcus Vinicius Bastos de Macedo
O TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA SOB O OLHAR DA
GESTALT-TERAPIA
Pós-Graduação em Gestalt-terapia
Especialização Clínica
Aprovada em
Profª. Ma. Teresa Cristina Gomes Waismarck Amorim (Orientadora)
Pofª. Dra. Patrícia Albuquerque Lima
Prof. Dr. Guilherme de Carvalho
À minha mãe Maria Celia Bastos de Macedo, pois sem
ela, essa caminhada não seria possível. À minha esposa
Karin Barreiros Pereira Bandeira e à minha filha Sophia
Katherine Santos de Macedo, minhas razões de viver.
AGRADECIMENTOS
À equipe terapêutica da clínica Vista Alegre, que me ensinou que o ápice do
tratamento em dependência química se atinge quando o trabalho é feito em conjunto.
“A vida é a consciência das suas próprias necessidades, dos seus próprios sentimentos, de
sua autosustentação.”(Fritz)
RESUMO
MACEDO, Marcus Vinicius Bastos de. O tratamento da dependência química sob o olhar
da Gestalt-terapia. Monografia (Pós-Graduação em Gestalt-terapia - Especialização Clínica)
– Instituto Carioca de Gestalt-terapia, Rio de Janeiro, 2015.
A Dependência Química é reconhecida como uma doença de caráter progressivo que
acomete, sobretudo, o físico e o psíquico do dependente de forma consubstancial. Diante da
grande variedade de teorias que tentam explicar e tratar clinicamente a natureza desta
patologia, trabalharemos esta temática a partir da teoria da Gestalt-terapia, entendendo
primariamente que o uso de drogas está associado à presença de uma personalidade
fragmentada no indivíduo drogadicto por lacunas existenciais nunca preenchidas. O objetivo
central do trabalho foi articular os conceitos e definições da Dependência Química e sua
sintomatologia ao modelo de tratamento psicológico gestáltico. Foram trazidos em foco
especialmente as formulações de contato e bloqueios de contato, bem como a relevância do
diagnóstico processual no desenrolar do tratamento da drogadicção. A metodologia utilizada
foi de pesquisa bibliográfica, no qual se buscou suporte teórico nos autores Jorge Ponciano
Ribeiro, Gary M. Yontef, Adelma Pimentel e Lilian Frazão, seguidas de exemplificações
decorrentes da minha experiência profissional enquanto gestalt-terapeuta, possibilitando a
percepção do quanto a dependência química é capaz de deteriorar a capacidade de contato do
ser consigo, com o outro e com o mundo, comprometendo, por conseguinte, o contato com as
infinitas possibilidades e potencialidades existentes, pertencentes a qualquer ser humano.
Palavras-chave: Gestalt-terapia. Dependência Química. Contato. Bloqueio de contato.
Articulação. Psicoterapia.
ABSTRACT
MACEDO, Marcus Vinicius Bastos de. O tratamento da dependência química sob o olhar
da Gestalt-terapia. Monografia (Pós-Graduação em Gestalt-terapia - Especialização Clínica)
– Instituto Carioca de Gestalt-terapia, Rio de Janeiro, 2015.
The Chemical Dependency is recognized like an illness of progressive character that
tackles, especially, the physicist and the psychic of the dependent in a consubstantial way. In
front of the big variety of theories that try to explain and treat clinically the nature of this
pathology this thematic will be worked from the theory of the Gestalt-therapy, understanding
firstly, that the use of drugs is associated to the presence of a fragmented personality in the
drug-addict individual by existential lagoons never filled. The main aim of the assignment
was to articulate the concepts and definitions of the Chemical Dependency and it´s symptoms
to the psychological Gestalt treatment. They were brought in focus especially the formulations
of contact and blockades of contact, as well as the importance of the procedural diagnostic
along the treatment of drug-addiction. The methodology used was a bibliographic
investigation, in which theoretical support was researched in the authors Jorge Ponciano
Ribeiro, Gary M. Yontef, Adelma Pimentel and Lilian Frazãor, followed by exemplification
arising from my professional experience as a Gestalt therapist, enabling the perception of how
addiction can deteriorate the contact capacity with him/her self, with each other and with the
world, compromising therefore contact with endless possibilities and potential belonging to
any human being.
Keywords: Gestalt-therapy. Quimical Dependency. Contact. Blocking Contact. Articulation.
Psychotherapy.
SUMÁRIO
1
_
INTRODUÇÃO
2
DEPENDÊNCIA QUÍMICA: DEFINIÇÕES E CONCEITOS
2.1
CRITÉRIOS DO CID-10 PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS
2.2
CRITÉRIOS DO DSM-V PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS
2.3
OUTRAS VISÕES DE CRITÉRIOS PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS
....................................................................................................................................
3
O CONTATO
3.1
O CICLO DO CONTATO
4
A PRÁTICA DA GESTALT-TERAPIA NO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA
QUÍMICA
5
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
INTRODUÇÃO
O tema da dependência química sempre esteve presente em minha jornada profissional
e em parte da minha jornada de vida, sendo atualmente o foco central da minha prática
psicoterapêutica. Neste trabalho, ao nos aprofundarmos no universo desta patologia podemos
perceber nitidamente a necessidade pela busca incessante de conhecimentos e
aperfeiçoamento, seja por estarmos lidando com o complexo universo humano, ou por nos
aproximarmos desta questão sociocultural ainda tão permeada por mistérios, controvérsias e
polêmicas.
A dependência química, como modelo de doença, influenciou diferentes abordagens
de tratamento, desde os anos 70, segundo Figlie, Bordin e Laranjeira (2004), e as suas
principais características, de acordo com esses modelos de tratamento, são a perda de controle
sobre o consumo da substância usada; o ato de negar que se está tendo problemas com o uso
de drogas; o uso continuado, a despeito de consequências negativas; e um padrão de recaída.
No que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas, ao contrário do que se pensa, esse não é
um evento novo no repertório humano (TOSCANO JUNIOR, 2001), e sim uma prática
milenar e universal, não sendo, portanto, um fenômeno exclusivo da época em que vivemos.
Atualmente, drogadição é definida como adicção às drogas, sendo que o termo
“adicto” foi inicialmente utilizado no Império Romano para definir o sujeito que se tornava
escravo para pagar uma determinada dívida (VALLEUR; MATYSIAK, 2006), e por enfatizar
precisamente o caráter de escravização dos indivíduos adictos a uma única solução para
escaparem do sofrimento psíquico. Hoje este termo é frequentemente usado para significar o
uso compulsivo de drogas, na busca insaciável de preenchimento de um vazio existencial.
Segundo Nakken (1996), o indivíduo que se torna dependente de alguma substância
psicoativa é caracterizado pela existência de uma personalidade fragmentada, onde o prazer
do uso passa a ser uma necessidade na busca insaciável desse preenchimento existencial,
continuamente procurado e nunca encontrado (a não ser no tempo e espaço da droga).
Segundo Silveira Filho (1995), para esses indivíduos a droga passa a exercer um papel central
nas suas vidas, na medida em que, por meio do prazer, ela preenche lacunas importantes,
tornando-se indispensável para o funcionamento psíquico dos mesmos. Não obstante, o uso de
drogas pode assumir a tentativa de evitação da dor psíquica, da negação da angústia
existencial e da permissividade na busca de um prazer pleno e imediato.
Acreditamos ser de vital importância, que todo o profissional que lida com a
problemática da dependência química amplie a sua visão no aspecto de perceber e entender
toda a complexidade envolvida. Não lidamos apenas com o sujeito-droga, mas com pessoas
de personalidades fragilizadas onde, segundo Birman (1999, p. 228), “a droga surge como um
domínio ilusório sobre o desamparo existencial, garantindo que tudo é possível para o sujeito
e que não existem obstáculos para isso.”
Deste modo, a dependência química deve ser tratada por um modelo biopsicossocial,
que busca integrar as contribuições das metodologias de tratamento para uma teoria unificada,
levando o tratamento às diversas áreas do sujeito (psicológicas, sociológicas, culturais e
espirituais) (FIGLIE; BORDIN; LARANJEIRA, 2004), desempenhando um importante papel
na causa, curso e resultados do transtorno da dependência química. Portanto, o tratamento da
referida patologia necessita envolver o indivíduo, bem como o impacto e as consequências do
consumo sobre as várias áreas da vida do mesmo (LEITE, 2000).
No que tange à área psicológica, pacientes dependentes químicos possuem algumas
características comumente afetadas, como a hipersensibilidade às suas emoções, nos quais
utilizam as drogas como meio de anestesiá-las (NAKKEN, 1996). Através do tratamento
adequado, contudo, o individuo aprende a lidar com diversas dificuldades emocionais sem ter
que consumir drogas.
Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, de abordagem
qualitativa, a partir das contribuições de teóricos e especialistas tanto na área da dependência
química, quanto na teoria da Gestalt-terapia, no qual o objetivo foi de correlacioná-los,
sobretudo na prática do tratamento da referida problemática.
Estruturamos o presente estudo em três capítulos, além da introdução e da conclusão.
Inicialmente, faremos um apanhado geral das diferentes abordagens psicológicas no
tratamento da dependência química, bem como abordaremos a evolução do uso de substâncias
psicoativas, segundo os critérios de diagnóstico presentes nos manuais psiquiátricos de
doenças CID-10 e DSM-V, trazendo a importância do olhar psicológico aliado ao olhar
médico no tratamento deste transtorno mental. No segundo capítulo, detalharemos alguns dos
conceitos e definições da dependência química, objetivando maior elucidação e clareza acerca
da temática, visto que a resposta sobre o que é dependência química ainda é muito complexa,
face à existência da grande variedade de teorias que tentam explicar e tratar clinicamente a
natureza desta.
No terceiro capítulo, introduziremos alguns conceitos fundamentais da Gestalt-terapia
e do funcionamento psíquico, sobretudo o conceito de contato, associando-o às experiências
pessoais clínicas de tratamento com dependentes químicos, no qual a qualidade do contato foi
consubstancialmente afetada.
No quarto capítulo, falaremos efetivamente do tratamento da dependência química
pautado na teoria da Gestalt-terapia, sobretudo a respeito de como a referida abordagem trata
a questão da necessidade da droga, considerando o processo da dependência química como
um ajustamento criativo disfuncional. Além disso, traremos a importância do
psicodiagnóstico processual sob a visão gestáltica de diversos autores da área,
compreendendo-o como um recurso a mais, facilitador do tratamento, e não determinante ou
padronizado, como observamos no modelo de tratamento médico. Pontuaremos ainda as
diferenças entre a prática psicológica realizada em instituições e no consultório, além de
alguns conceitos chave no tratamento da dependência química, como a síndrome de
abstinência, a recaída e os modelos de tratamento grupal e individual, ambos de suma
importância no reestabelecimento psíquico do paciente dependente. Assinalaremos também os
bloqueios de contato conforme a formulação de Ribeiro (2007a), e como a dependência
química é agravada por tais.
Sabendo que a dependência química é uma doença multifatorial, o foco do presente
estudo concentrar-se-á nos diversos fatores que contribuem para o seu desenvolvimento, bem
como no aprofundamento dos recursos terapêuticos existentes da abordagem da
Gestalt-terapia, pontuando a importância e eficácia desta linha aliada ao tratamento e
recuperação de indivíduos drogadictos. Contudo, devemos inteirar a escassez de literatura
disponível que se dedique a correlacionar o tratamento e prevenção da dependência química à
teoria da Gestalt-terapia, tornando assim, para mim particularmente a elaboração do presente
trabalho um grande desafio, porém, intensamente motivadora à minha incessante busca de
exploração do referido tema.
2
DEPENDÊNCIA QUÍMICA: DEFINIÇÕES E CONCEITOS
No tocante à utilização de substâncias psicoativas não existem delimitações claras
entre “uso”, “abuso” e “dependência”, todavia podemos definir tais termos de acordo com
suas particularidades. Primeiramente, o “uso” caracteriza-se como o consumo de substâncias
destinado tanto para fins de experimentação, como para um consumo esporádico; enquanto
que o “abuso”, por sua vez é compreendido como o consumo de substâncias obrigatoriamente
associado a algum tipo de prejuízo para o sujeito, podendo ser de caráter biológico,
psicológico ou social; e por fim, a “dependência”, referese ao consumo desprovido de
controle da substância, também associado a graves problemas de ordem biológica, psicológica
ou social para tal (FIGLIE; BORDIN; LARANJEIRA, 2004).
A partir deste esquema interpretativo, podemos apontar para a hipótese de que todos
os sujeitos diagnosticados como dependentes químicos teriam passado pela fase de uso, tendo
evoluído posteriormente para a fase de abuso e, finalmente acabariam se tornando
dependentes. Contudo, é importante ressaltar que nem todas as pessoas que tiveram ou terão
contato com alguma substância psicoativa irão se transformar em dependentes químicas.
2.1
CRITÉRIOS DO CID-10 PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS
Segundo a Organização Mundial de Saúde (1993), a Dependência Química é
reconhecida como uma doença, onde a partir do ano de 1954 o Código Internacional de
Doenças (CID) passou a classificar o alcoolismo da mesma forma, além das
farmacodependências, que também foram adicionadas ao código sobre a mesma
denominação, no ano de 1962. Conforme observado, a referida agência de saúde vem
sofrendo, com o passar dos anos, constantes modificações em seus paradigmas referentes à
visão da dependência química. Como, por exemplo, podemos apontar para um primeiro
momento em que se acreditava que a substância álcool suscitava distúrbios mentais
perceptíveis, ou mesmo causava alguma interferência na saúde física e mental do dependente,
bem como nas suas relações interpessoais, no funcionamento social ou econômico adequado.
Posteriormente, entretanto, foram propostas três subdivisões do alcoolismo, passando-se às
classificações de bebedor excessivo episódico, bebedor excessivo habitual ou dependente. Em
um terceiro momento, todavia, constituiuse a chamada “síndrome de dependência de álcool”,
que abrange tanto a psicopatologia do usar quanto o conjunto de problemas relacionados a
essa dependência, e que acrescenta, além da dependência de álcool, a dependência de drogas.
Não obstante, no ano de 1993, foi publicado o Código Internacional de Doenças em sua
décima edição (CID-10), que além de dar ênfase à droga em si, também explicita os
comportamentos e as consequências decorrentes de seu uso.
Estas categorias são catalogadas no Código Internacional de Doenças (CID-10) e
classificadas em Transtornos Mentais e Comportamentais, devido ao uso de substâncias
psicoativas (F10 a F19), conforme elencado a seguir:
F10 – Transtorno mental e comportamental devido ao uso de álcool.
F11 – Transtorno mental e comportamental devido ao uso de opiáceos.
F12 – Transtorno mental e comportamental devido ao uso de canabinóides.
F13 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de sedativos ou
hipnóticos.
F14 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de cocaína.
F15 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de outros estimulantes,
inclusive a cafeína.
F16 – Transtorno mentais e comportamentais devido ao uso de alucinógenos.
F17 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de tabaco.
F18 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de solventes voláteis.
F19 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas e
ao uso de outras substâncias psicoativas.
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1993
1
LARANJEIRA, 2011, p. 94)
apud DIEHL; CORDEIRO;
Insta destacar que o conceito de dependência, para a ciência médica, é utilizado para
designar um agrupamento de sinais e sintomas do uso, e para realizar o seu diagnóstico é
preciso seguir alguns critérios apontados tanto pelo CID-10 como pelo DSM-V.
O diagnóstico de dependência deve ser feito se três ou mais dos seguintes critérios são
experienciados
ou
manifestados
durante
o
ano
anterior
(WORLD
HEALTH
ORGANIZATION, 1993 apud DIEHL; CORDEIRO; LARANJEIRA, 2011, p.93):
1
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da
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