experiência, que as almas mais puras são particularmente devotas à «Rainha das Virgens», e que Maria, «virgem prudentíssima», vela atentamente pela sua virgindade. Com ela, os anjos que são como as virgens do Céu, exercem uma especial protecção sobre as virgens da terra. Procuremos um apoio para a castidade: 1.° na devoção à Santíssima Virgem: 2.° na devoção aos Santos Anjos.
I. —DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM PENHOR DE CASTIDADE
«Todas as vezes que vós aspirais a um dia mais puro, a quem se dirigem os vossos votos? A Maria, porque foi ela a primeira que compreendeu a grande palavra da virgindade, antes que Jesus a tivesse pronunciado; foi Maria a primeira que se lhe consagrou, antes que o mundo tivesse conhecido o seu valor e a sua sublimidade; foi Maria que procurou ter o seu mérito, antes que o seu divino Filho tivesse prometido a recompensa dela» (2). Por todos es-
(1) S. João Crisóstomo. (2) Card. Pie.
tes títulos, Maria é invocada como «a gloriosa guardiã das virgens» (3).
Maria é a «estrela da manhã», para as almas preservadas. Elas encontram no seu exemplo a estima e o amor da virgindade; no seu patrocínio a força para a abraçarem. No tempo da sua vida terrestre, «a graça da virgindade era tão abundante nela que, não só ela a enchia de pureza e de santidade, mas a sua simples vista tornava castos os que a visitavam». «A beleza, que lança ordinariamente faúlhas devastadoras, era maravilhosa em Maria, e só inspirava castos pensamentos» (4). No decurso dos séculos ela permanece «a mestra da inocência» (5); «a instrutora da castidade» (6); a grande abadessa que recruta as virgens» (7).
Maria é «a sombra do meio-dia» (8) para os tentados. A virgindade dela foi pura, pacífica e segura; nas outras, quando ela se conserva sempre pura, nem sempre se pode conservar pacífica : tem os seus combates inevitáveis e o triunfo incerto. Sentada no seio da paz, «Maria vê as nossas lutas íntimas e, na sua virginal
Ofício da Imaculada Conceição.
S. Tomás. (5) Ruperto. (6) B. Algrin. (7) S. Fulberto. (8) Ricardo de S. Lourenço.
bondade testemunha-nos uma piedade tanto mais segura quanto se encontra ao abrigo do perigo. Ela defende em nós o seu Filho, o preço do seu sangue, o seu amor» (9). Portanto, «se o vento das tentações se eleva em vós, se a tempestade ameaça submergir-vos, se as seduções dos sentidos vos prenderem, olhai para a estrela, chamai Maria» (10). Ela tem a «missão de combater por nós» (11); «o seu braço está sempre armado para nossa defesa» (12); «forma uma muralha suficientemente resistente para proteger o mundo inteiro» (13); «ela é o terror dos demónios» (14); «quando é invocada, eles caem, ao seu nome, como sob os raios da trovoada» (15).
Maria é também o «repouso da tarde para os pobres pecadores» (16); ela reconduz à castidade os que prevaricaram. Ao contemplá-la, o pecador pode dizer: «Se é triste estar coberto de manchas, se é horrível ser leproso por ter cometido muitas faltas, há pelo menos na minha família uma bela criatura que não é apenas
(9) Bourdaloue.
(10) S. Bernardo. (11) Ritual dos Gregos.
(12) Santo Anselmo. (13) Honorato d'Autun.
(14) Alcuíno. (15) A. Kempis.
(16) Adam de Perseigne.
a Pureza, mas que é também a Caridade; uma dobra do seu manto será a minha tapa-misé-rias» (17). Como o pródigo vai ter com o seu Pai, ele vai ter com a sua Mãe. Maria é «o porto do naufragado» (18), «o hospício em que ela o cobre de ternura, como a galinha aos seus filhinhos» (19), «abre-lhe de novo o tesouro das divinas esmolas» (20), e ajuda-o a reentrar na posse das riquezas perdidas» (21).
S. José participa desta solicitude de Maria pelas virgens. Honram-nos como a «duas vir-gindades que se unem para se conservarem uma à outra» (22); é justo que as invoquemos simultaneamente para a conservação da castidade. S. José obtém para aqueles que lhe rezam uma parte no privilégio que ele recebeu de levar uma vida angélica no convívio de Maria (23).
\ II.—A DEVOÇÃO AOS ANJOS E ÃS VIRGENS
Para a conservação da castidade, «a devoção aos santos anjos, os amigos dos castos, é
Möns, abade de J. Lémann.
Pierre de Celles. (19) Adam de Perseigne. (20) Rupert. (21) Santo Anselmo.
(22) Bossuet. (23) S.to Af. de Ligório.
também grandemente eficaz» (24). Os anjos exercem uma acção contínua sobre nós. São Tomás sustenta que nenhum bem se faz em nós sem eles. Uma alma vale mais do que um mundo aos olhos de Deus, e é por isso que a Providência designa para junto de cada alma um espírito vigilante e protector (25). Ninguém está privado deste amigo invisível «que jamais adormece no seu posto» (26); «que nos protege em todos os nossos caminhos, nos leva nas suas mãos, para os nossos pés não toparem com a pedra do caminho, desvia a flecha perdida no dia e a malícia que vagueia no meio das trevas» (27).
«Os anjos amam a castidade e são os seus protectores» (28). Habituados a conservarem-se diante de Deus e a sentirem-se penetrados do seu olhar, eles conhecem melhor as suas infinitas delicadezas; inquietam-se com todos os perigos que a nossa alma pode correr, e ajudam-na a purificar-se das suas menores manchas. No perigo, o anjo da guarda adverte-nos; na luta, protege; na dúvida, aconselha; depois da falta, repreende: «Se os maus anjos são os
Boudon.
S. Tomás. (26) Salmo CXX, 3. (27) Salmo XC, 6. (28) Cornélio a Lápide.
tentadores e os cúmplices do pecador, os nossos bons anjos receberam de Deus a ordem de nos guardar, e são mais poderosos do que os demónios» (29). Nós somos «prisioneiros, ila-queados pelos laços deste corpo mortal: espíritos puros, espíritos libertos, ajudai-nos a levar este pesado fardo e amparai a alma que deve tentar para o Céu contra o peso da carne que a arrasta na terra» (30).
A história dos castos refere exemplos memoráveis da protecção dos anjos. Judite afirma que é assistida, na sua viagem e na sua estadia no campo de Holofernes, bem como no seu regresso, por um anjo cuja incumbência é precisamente guardar-lhe a castidade (31). Santa Inês, numa hora em que o inferno parecia ir apoderar-se dela, encontra um anjo, pronto para defender a sua virgindade (32). Santa Cecília adverte Valeriano de que ela está sob a guarda de um anjo que vela ciosamente pelo seu corpo (33). Dois anjos pegam em Santa Aldegun-des e fazem-na passar o rio Sambre a pé enxuto, para poder escapar a perseguições de alguns
(29) Santo Agostinho. (30) Bossuet.
Judite, XIII, 20.
Ofício de Santa Inês.
Ofício de Santa Cecília.
mal-intencionados. As lutas da castidade são uma ocasião de merecimento que os anjos não podem ter, eles «tomam parte na hora do combate cantando a valentia do vitorioso» (34).
As virgens coroadas são também as protectoras das virgens militantes. É «uma doutrina afirmada pelos teólogos e demonstrada pela experiência, que o poder distribuido pelos santos se refere particularmente às graças e às virtudes em que cada um deles se distinguiu» (35). Na terra, as virgens deram o exemplo; no céu oferecem a sua assistência. «Seguras da sua salvação, elas interessam-se pela nossa santificação : deixando o seu corpo, não deixaram todavia a caridade. Almas gloriosas, que escapastes aos laços deste mundo, tende piedade das que estão expostas às suas seduções e dai-lhes auxílio» (36).
Afectos. — «Ó Senhora minha, ó minha Mãe, eu me ofereço todo a vós, e, em troca da minha devoção para convosco, vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração e inteiramente todo o meu ser. E porque assim sou vosso, ó boa Mãe,
Bossuet.
Card. Pie. (36) S. Bernardo.
guardai-me e defendei-me como coisa própria vossa» (Oração indulgenciada).
Exame. — Tenho eu uma devoção sólida e prática à Santíssima Virgem? — Rezo-lhe pela minha perseverança na religião e na castidade?
Tenho recorrido a ela nas minhas tentações ?
Sou, como ela, reservada, modesta, prudente? — Não há nada na minha alma e no meu coração que possa ofender o seu olhar? — Honro a S. José e rezo-lhe ? — Imploro o socorro das virgens? — Trato o meu anjo da guarda com respeito, não fazendo nada que o possa contristar? — Tenho por hábito orar-lhe, principalmente à hora do perigo, para que me guarde?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Rainha das virgens. Rainha dos anjos, rogai por nós» (Ladainha Lauretana).
XXVII DO TEMOR DE DEUS
«O princípio da sabedoria é o temor do Senhor» (1). S. Francisco de Sales repete fre-
(1) Salmo CX, 10.
quentemente às religiosas que elas não são «forçados», mas «esposas» do Salvador, e convida--as a fazerem do amor a raiz de todas as suas acções. Nada mais justo. Mas há alguma vez em que se possam ter, num terreno escorregadio, como é a castidade, «meios de defesa suficientes, quando se está rodeado de tantos perigos?» (2). O temor é um suplemento ao amor, e «o ofício é recrutar-lhe auxiliares» (3). O temor guarda a castidade: 1." pela lembrança da presença de Deus; 2.° pelo pensamento dos seus terríveis juízos.
I.—A LEMBRANÇA DA PRESENÇA DE DEUS
A. lembrança da «presença de Deus produz estes três efeitos: liberta a alma do pecado, leva-a à prática da virtude, e une-a a Deus pelo laço do santo amor. Não há meio mais eficaz para dominar as paixões, para resistir às tentações, e evitar assim todas as espécies de pecados» (4). «Se nós pensássemos sempre que
(2) S. João Crisóstomo. (3) S. Gregório. (4) S.to Afonso M. de Ligório.
Deus nos vê, não faríamos nunca, ou quase nunca, coisa alguma que desagradasse aos seus olhos» (5); ficaríamos sob o império «daquele temor cujo fruto é a obediência, e que acaba por se fundir no amor» (6).
«Neste pensamento de que Deus tem os olhos postos em nós, durante o assalto das tentações, podemos encontrar um poderoso motivo de encorajamento. O soldado que combate na presença do seu general faz prodígios de valor; de que ardor devemos inflamar-nos, nós que sabemos que Deus, do alto do céu, assiste a todas as nossas lutas e nos tece coroas!» (7). Ao findar uma noite de lutas com os demónios, de assaltos contra a castidade, Santo Antão, esgotado de fadiga e vergastado de golpes, vê subitamente um raio de luz que dissipa as trevas, expulsa os demónios e o cura instantaneamente. «Onde estáveis vós, Senhor, exclama o santo eremita, e porque não viestes em meu auxílio? Respondeu-lhe uma voz : Eu estava ao teu lado desde o princípio, para te encorajar; aí estarei sempre». Os castos que lutam têm por testemunhas a corte celeste e o seu rei. Ora, do lado de
(5) S. Tomás. (6) S.to Hilário.
(7) Rodriguez.
Deus, olhar é socorrer; «os seus olhos olham o universo e dão a força» (8). «Ele está comigo como um guerreiro formidável» (9), e reduz o demónio ao estado de um pardal que as crianças insultam impunemente (10).
Depois, a coragem parece abondonar-nos, serve-nos de recurso a convicção de que nenhum dos nossos pensamentos, sentimentos e acções podem escapar ao olhar d'Aquele que vê, ainda mesmo quando todos os outros olhos estão fechados. Um valente a quem solicitavam para pecar, (e tratava-se de castidade) respondeu simplesmente: «Procurai um sítio em que Deus nos não veja» (11). A casta Susana encontrou força no mesmo pensamento: «Vale mais morrer inocente do que pecar na presença do meu Deus» (12). Deus está tão perto de nós! «Nós vivemos nele, permanecemos nele, todos os nossos movimentos se realizam nele (13). Uma das palavras mais espantosas que até hoje devem ter sido ditas, é a de Santa Teresa : Não é apenas diante de Deus, é em Deus que o pecador pratica o seu mal.
(10) Job, XL, 70. (12) Dan, XIII, 23.
II, Par, XVI, 9.
Jerem, XX, 11. (11) Vida dos Padres (13) Act, XVII, 28.
Estas considerações agravam-se ainda, quando se trata de um pecado «que mata a castidade» (14); «que não é talvez o mais grave, mas que é, seguramente, o mais vergonhoso» (15), «que provoca particularmente a ira de Deus» (16); com o qual se experimenta a maior necessidade de se esconder (17); que mais degrada a alma humana (18); e que faz de uma consagrada um templo profano (19), uma sacrílega (20), uma pérfida, uma perjura que traiu o Esposo celeste (21). Não, nunca semelhante desgraça lhe teria acontecido, se ela «tivesse pensado que Deus está presente e tão perto de nós! » (22).
II.— O PENSAMENTO DOS JUÍZOS DE DEUS
Uma outra espécie de temor, «infecundo em si mesmo, mas rico de frutos pela fé que ins-
S. Pedro Crisólogo.
Goffridus de Vendóme.
S. Gregório. (17) Alain de Lisie.
Pedro le Chantre.
Hildeberto du Mans.
Santo Ambrósio. (21) Santo Anselmo. (22) Santa Teresa.
pira» (23), vem ainda em nosso auxílio. É bom meditar-lhe os motivos, «a fim de que, se as nossas faltas nos fizerem esquecer o amor do Senhor eterno, que ao menos o temor das penas nos ajude a não sucumbir ao pecado» (24). «Aqueles que fizeram ao Senhor o dom absoluto da sua vontade devem, para escapar ao perigo de ofender a Deus, fazer como que uma muralha com as grandes verdades da fé, considerando atentamente que tudo acaba, que há um céu e um inferno» (25). É por terem esquecido este temor e estas verdades que certas almas, cuja pureza «ultrapassava a brancura do marfim, se transformaram de repente em brasas fumegantes» (26).
Este temor alimenta-se primeiramente do pensamento da morte, «que conserva a inocência das almas», e as torna «no forte das tentações, como um rochedo no meio da tempestade» (27). Fiel ou regenerada pela penitência, a religiosa pode passar, na sua morte, por angústias purificadoras; mas ela é geralmente consolada e «impaciente por se unir para sempre a Jesus Cristo e por entrar no coro das
Santo Hilário.
Santo Inácio. (25) Santa Teresa. (26) Rodriguez. (27) De Rance.
virgens que viveram de renúncia e de castidade» (28). As religiosas gravemente infiéis ao seu voto estão muito expostas a acabar na im-penitência (29). E então morrem de «duas maneiras: ou convulsiva e desesperadamente ou calmamente e sem remorsos; ambas horríveis, porque são a morte dos pecadores» (30). Partem, depois de terem abusado de todas as graças, nas circunstâncias mais solenes e nas condições que tornam o pecado mais odioso, e continuam esposas de Jesus Cristo, «título augusto que devia ser o sinal da sua salvação e que vai converter-se no maior dos seus crimes» (31).
Ei-las no tribunal de Deus, diante desta palavra do Evangelho: «Pedir-se-á muito àquele que recebeu muito» (32). Eis-vos, virgem prevaricadora, aos pés do divino Esposo, tornado vosso juiz. Vós recebestes neste mundo os seus favores mais assinalados, a superabundância das suas graças, um excesso de benevolência e de amor; agora, as coisas inverteram--se: quanto Ele foi misericordioso, quanto se vai
S. Cipriano.
Santo Eusébio de Cesareia.
(30) Mons. Planrier. (31) Massiilon.
(32) S. Luc, XII, 48.
mostrar severo; o carácter santo de que vos revestistes não fará senão redobrar os seus rigores; é aqui que vai começar para vós aquela espantosa cólera do Cordeiro, aquele desolador furor da pomba, de que fala a Sagrada Escritura» (33).
A sentença já está pronunciada, está escrita. O Senhor do Céu disse: «Para fora daqui os que não são castos !» (34). O inferno da religiosa será particularmente rude e humilhante. Os que a viram nos seus santos trajes, reconhecê--la-ão; os mundanos e o demónio servir-se-ão do seu carácter augusto para a escarnecerem e torturarem. O próprio fogo a reconhecerá; ele passará e tornará a passar lentamente em volta do seu corpo que fora consagrado pela virgindade, a duplicar a reduplicar o suplício (35) : por onde se pecou, por aí se deve ser castigado» (36). Ela será eternamente devorada pela lembrança das suas predilecções, dos seus títulos, dos seus deveres, das suas esperanças, dos seus pecados, das suas vergonhas, da sua impe-nitência. «As religiosas condenadas dariam o mundo inteiro para se resgatarem; e há na terra
(33) Mons. Plantier. (34) Apoc, XXII, 15.
(35) P.e Valuy. (36) Sabedoria, XI, 17.
religiosas que cometem o pecado e, depois de o terem cometido, dormem tranquilamente à beira do inferno» (37).
Afectos.—«Lembrai-vos, ó Jesus cheio de misericórdia, que por mim descestes à terra, não me percais neste dia. Vós cansastes-vos a procurar-me, resgatastes-me com a vossa cruz; que um tão grande trabalho não seja inútil. Eu sou culpada, a minha falta faz-me corar; suplico-vos, ó meu Deus, a vós que sois bom, que me perdoeis» (Dies irae).
Exame. — Sou eu suficientemente calma, recolhida e interior para viver habitualmente na presença de Deus ? — Mantenho-me diante d'Ele num grande respeito e com espírito de religiosa? — Ajudo-me eu, nas tentações interiores e exteriores, com a lembrança desta divina presença ? — O pensamento dos novíssimos apoia a minha fidelidade? — Que é que eu quereria ocultar a Deus ou temeria no seu tribunal ?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Fazei, Senhor, que tenhamos sempre o temor e o amor do vosso santo nome» (Missal romano).
(37) P.e Valuy.
XXVIII
AMEAÇAS E CONSOLAÇÕES
«Nem todas as castas são virgens e nem todas as virgens são castas. Ora, pode-se ir para o Céu sem se ser virgem, contanto que se seja casto, e não se pode entrar no paraíso, embora se seja virgem, se não se for casto» (1). Este aviso é dado primeiramente às religiosas que, contentes com o seu hábito e com a sua profissão, cuidam pouoo das suas obrigações e responsabilidades : é uma ameaça; em segundo lugar, como uma consolação às que conheceram horas de transviamento e que regressaram sinceramente ao dever. O Evangelho não fala de outro modo; vamos meditar: 1.° a parábola das dez virgens; 2.° a história de Maria Madalena.
I.—A PARÁBOLA DAS DEZ VIRGENS
Conhece-se a narrativa evangélica. Dez virgens vão à presença do Esposo: cinco têm as suas lâmpadas bem fornecidas e entram no fes-
(1) S. Bruno d'Asti.
tim; cinco não têm azeite; enquanto vão buscá-lo, a sala do festim fecha-se; o Esposo recusa abrir, não as conhece. As primeiras são chamadas prudentes, as outras, virgens loucas (2).
«Todas as dez são virgens; todas levaram lâmpadas; todas foram ao encontro do Esposo. Nenhuma é acusada de ter faltado à pureza virginal. A loucura de umas era não terem levado azeite, e a prudência das outras estava em se terem provido dele. Que é este azeite, senão a doutrina, a ciência sagrada?» (3).
As comunidades religiosas estão representadas por aquele colégio de dez virgens. As almas chegam ali, porque ouviram o apelo: «Saí, ide à frente do Esposo» (4). O Espírito Santo tinha feito da sua alma, ao infundir-lhes no coração o amor mais santo, «uma lâmpada a que as torrentes não extinguiriam nem o fogo nem a chama» (5). Os bons conselhos, os exemplos edificantes, os piedosos exercícios do noviciado tinham «adornado» aquela lâmpada. A sua formação tinha sido tão cuidada que elas pareciam, ao partir, levar na mão «um feixe de archotes» (6); ao vê-las, dir-se-iam «fachos doura-
(2) S. Mateus, XXV, 1-13. (3) Cardeal Pie. (4) S. Mateus, XXV, 6. (5) Cant, VIII, 6. (6) Baruch., VI, 18.
dos elevando-se de um campo de lírios emurchecidos» (7). Mas é preciso um trabalho incessante, uma atenção perfeita, um zelo infatigável para alimentar essa celeste luz, e compete a cada um dar «do seu próprio fogo para iluminar o seu caminho» (8).
As situações mudam, as dificuldades multiplicam-se, as ocasiões fazem nascer os perigos. Em vez de prestarem atenção, de caminharem prudentemente, de estudarem na leitura e na oração, de consultarem os seus superiores e directores, algumas há que caminham impensadamente, habituam-se à rotina, perdem a noção das responsabilidades. Talvez já não saibam que continuam obrigadas à exacta observância dos seus votos, em particular da castidade. Deixaram «extinguir-se o Espírito» (9), e dentro em pouco «a luz da lâmpada terá acabado, para sempre, de brilhar aos seus olhos» (10). A sua marcha realiza-se nas trevas; quando elas chegarem, o Esposo não as conhecerá: virgens loucas !
«As lâmpadas acesas são ainda as boas obras, sem as quais a castidade é insuficiente. A castidade encontra-se comprometida, se não
(7) III, Reis, VII, 49. (8) Isaías, L, 11.
(9) Tess., V, 19. (10) Apoc, XVIII, 33.
houver o cuidado de lhe fazer uma muralha com todas as outras virtudes. Quando se é negligente, a carne fortifica-se, o espírito enfraquece. A virgindade do corpo não se mantém senão em quem trabalha com todas as suas forças na perfeição da própria alma» (11). As religiosas não podem esquecer que se encontram num estado de tendência para a perfeição; parando no caminho, elas expõem a castidade como todas as outras virtudes, e é um género de loucura. Nas ordens contemplativas, o recolhimento é mais profundo, a vida interior está mais ao abrigo da distracção e da dissipação; mas nem por isso se deve deixar de estar vigilante ! Nos institutos dedicados à acção, principalmente à instrução, corre-se deveras o risco de se descurar a si próprio. As relações com o mundo, a necessidade de estudar, de exercer vigilância, de manter bom nome, levam a cuidados absorventes, a preocupações inferiores; e, por nelas se deixarem absorver, muitas religiosas não ultrapassam o nível das vidas das pessoas piedosas que vivem no mundo. Será isto suficiente para consagradas? Estarão as lâmpadas providas? Acolhê-las-á o Esposo? ou serão elas tratadas como virgens loucas? (11) S. Gregório.
II. — A HISTÓRIA DE MARIA MADALENA
O Evangelho atesta, sóbria mas fielmente, a ignomínia que se ligava ao nome de Maria Madalena: «uma mulher pecadora que se encontrava na cidade» (12). Há quem veja nela uma criatura frívola e mundana; outros, com mais justiça, ao que parece, acusam-na de ter «abusado de todos os dons de Deus, para perder nela e nos outros a santa castidade» (13). «Ela tinha profanado tudo, e não podia apresentar a Deus senão ruínas» (14). E é precisamente «em favor dela que Jesus faz o maior dos seus milagres», quando, «sem lhe restituir a flor da inocência que não murcha senão uma vez, Ele a coroa com uma glória mais austera: a do arrependimento e do amor perdoado» (15).
Que misericórdia, da parte do Salvador, nesta conversão, nesta reabilitação e nos privilégios conferidos à pecadora de ontem! Jesus conhece-a. São como outros tantos apelos que Ele lhe dirige, quando se declara «enviado para
(12) S. Lucas, VII, 37. (13) Raban Maur.
(14) Lacordaire. (15) M. Abade Fonard.
as ovelhas que pereceram em Israel» (16); quando se mostra tão bom para com a Samaritana; quando exclama : «Bem-aventurados os corações puros». Depois, aquele amigo dos pecadores» (17) vai, por amor dela, a casa de Simão, para ali realizar uma obra-prima de graça e de amor (18). Acolhe aquela transviada com a indulgência do bom Pastor pela ovelha que volta ao redil. Aceita os testemunhos da sua fé, do seu arrependimento, do seu amor. Defende-a contra o austero fariseu. Perdoa-lhe, restitui-a a Deus e à sua livre e generosa natureza na qual os dons do Espírito Santo vão encontrar um terreno maravilhosamente apropriado. Louva-a como ainda se não louvou ninguém. Associa o nome dela ao seu para a eternidade (19). Aceita dela a hospitalidade e a esmola e faz-se o Mestre da sua vida espiritual. Vêem-na aos pés da Cruz; a primeira aparição de Cristo é para ela. Depois da Ascensão, ela sobe, pela penitência e pelo amor, de degrau em degrau, na virtude, desenvolvendo sem cessar, no corpo e na alma, a pureza que ela re-
S. Mateus, XV, 24.
S. Mateus, XI, 19.
De Bérulle.
S. Marcos, XIV, 9.
cebera, como uma participação santa da pureza de Jesus (20).
Que tinha ela feito para cooperar na graça do regresso? Os obstáculos eram numerosos; as suas faltas eram daquelas que enchem de vergonha (21); os fariseus zombariam dela; permitiria a santidade de Jesus que ela se aproximasse ? Teria ela coragem para fazer penitência? Tudo parecia, interior e exteriormente, afastada. Mas tudo se confunde naquele sentimento de confiança que ela experimenta pelo «Salvador dos que se perderam» (22), o caridoso «médico dos que estão doentes» (23). Ela acorre, humilha-se, ama tanto quanto pecou, «muito» (24). Depois, a partir da hora do perdão, ela renasce serva de Jesus Cristo, «amante do Senhor» (25). De um salto, vai tão depressa e tão longe, que «começa onde as outras acabam» (26), e a sua vida passa-se toda inteira, de futuro, a revestir-se da pureza de Jesus Cristo (27).
As aplicações são fáceis para aquelas que
(20) DeBérulle. (21) Godefr. Admont.
S. Mateus, XVIII, 11.
S. Lucas, V, 31. (24) S. Lucas, VII, 47.
Raban Maur.
De Bérulle. (27) S. João Crisóst.
precisam ou julgam precisar deste consolador exemplo. Só mais uma palavra para as almas que invejassem as penitentes. «Considerai como perdoado o mal que não cometeis, graças à divina protecção: assim vós não amareis menos o Cordeiro salvador, supondo que Ele vos remiu menos; e ficareis humildes e indulgentes a respeito do publicano que bate no peito» (28).
Afectos. — «Deixai-vos enternecer, Senhor, pelas nossas preces, e concedei-nos o perdão das nossas ofensas e a verdadeira paz, a fim de que, sendo purificados de todos os nosso pecados, vos possamos servir na tranquilidade de uma santa confiança» (Missal romano).
Exame. —Tenho eu consciência da obrigação que pesa sobre mim de tender à perfeição?
Corresponde a minha vida a esse dever?
Porventura não me iludo' eu, imputando aos meus cargos, distracções, negligências a meu respeito, o pouco cuidado que tenho com a minha alma? Que reformas se me impõem? — Que fruto devo tirar da história de Maria Madalena?
— Pratico seriamente a penitência para me preservar ou restaurar?
(28) Santo Agostinho.
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Há duas espécies de doentes desesperados: o que não sente o seu mal e não chama o médico; o que sente demasiado o seu mal e não suporta os cuidados do médico» (Hugo, cardeal).
XXIX
DAS ALEGRIAS TERRESTRES DA PERFEITA CASTIDADE
«Bem-aventurados os corações puros, porque eles verão a Deus» (1). Todas as vezes que nos encontramos em presença de uma palavra do salvador, devemos repetir que é «uma palavra operosa» (2). O que ela diz, fá-lo em nós, se a nossa vontade lhe não pusesse obstáculos e se cooperar nas divinas intenções. É portanto desde esta vida que as virgens têm de recolher o fruto das promessas feitas aos corações puros (3), elas que se separaram de tudo para chegarem a uma mais eminente pureza.
S. Mateus, V, 8.
Santo Ambrósio. (3) S.to Agostinho.
— 1.° A virgindade dá a felicidade desde este mundo; 2.° Qual é a felicidade das virgens?
I. — A VIRGINDADE DÁ A FELICIDADE
O Apóstolo São Paulo, respondendo a uma consulta dos fiéis de Corinto, estabelece a verdadeira doutrina relativamente à virgindade. Não há precito que a ordene (4); há circunstâncias em que não é oportuno entrar neste estado (5); mas o que ficar virgem «será mais feliz» (6). Em vão tentaríamos explicar ao mundo a felicidade da perfeita castidade : falta--lhe, para a apreciar, o sentido das coisas divinas (7). Cristo é, para ele, «um sinal de contradição» (8), «o Evangelho um livro fechado» (9), «o mistério da cruz, uma loucura» (10). Faz consistir as suas felicidades fictícias nos nadas que divertem e atordoam, ou nas coisas que «matam a alma, afagando o corpo» (11). Depois, semelhante ao desgraçado que, morrendo de fome na rua, lamentasse aque-
(4) I Cor., VII, 25. (5) I Cor., VII, 9. (6) I Cor., VII, 40. (7) I Cor., II, 14.
(8) S. Lucas, II, 34. (9) II, Cor, IV, 3.
(10) Cor., I, 18. (11) V. Beda.
le que se senta a uma mesa lauta, põe-se a gritar que a virgem, no seu claustro, não pode encontrar a felicidade.
Insensato! Estão precisamente ali «as alegrias plenas» (12) que se «tomam no Senhor» (13). Interrogai os consagrados !
«No próprio seio desta vida que eles desprezam e de que fizeram o sacrifício a Deus, Deus, por um milagre permanente da sua misericórdia, tem-lhes feito encontrar sempre a alegria e a felicidade num grau desconhecido do resto dos homens» (14). Quando os nossos pais na vida religiosa iam procurar, «na solidão, um abrigo para a castidade, uma muralha contra o mundo e contra si próprios» (15), pintavam as suas alegrias até nos nomes encantadores que davam aos lugares do seu retiro. Que coisa mais expressiva do que estas denominações : «Bom-Lugar, Alegre-Lugar, O Doce Vale, as Delícias, Valbom, o Reconforto, a Alegria, o Pré-Feliz» (16).
A felicidade não pode ser senão o soberano bem, «Deus, cuja presença contentará todas as aspirações da alma e do corpo» (17). Mas, an-
(12) S. João, I, 4. (13) S. João, XV, 11. (14) Montalembert. (15) S. Pedro Damião. (16) Nomes de mosteiros. (17) S. Cipriano.
tes da aquisição desse «bem perfeito que saciará todo o apetite» (18), nada há tão pacificado, ninguém há tão feliz como uma alma cuja vida toda inteira forma como que uma série de degraus que conduzem a Deus, nosso fim (19). Tal é o caso das virgens que procuram no seu estado «um caminho mais seguro, um meio de santidade, um foco de amor, um asilo na vizinhança de Deus» (20). Elas não estão no Céu, mas caminham na senda do Céu: «não quereriam, por coisa nenhuma, ofender a Deus, isso lhes basta para viverem alegres» (21). O facto de se chamarem «Lugar de descanso, Ninho de Ave, Vale da Paz» (22) não quer dizer que as mansões da virgindade na terra não conheçam tempestades e lutas. Mas em volta desse «jardim fechado, a castidade forma uma muralha que nada ainda quebrou» (23), e Deus vela com especial cuidado sobre «esta gloriosa parte do rebanho» (24). Além disso, que fontes de profundas alegrias na caridade fraterna, na fecundidade do apostolado, na paz que as
S. Tomás.
Suarez. (20) Vida dos Padres.
S. Francisco de Sales.
Nomes de mosteiros.
Santo Ambrósio. (24) S. Cipriano.
virgens gozam na terra e nas recompensas que esperam no Céu (25).
II. — QUAL É A FELECIDADE DAS VIRGENS
A felicidade da terra não pode ser senão a imagem da do Céu, «sendo a graça o prelúdio da glória» (26). Ora «a vida beatífica consistirá em ver Deus, não já através das sombras e como num espelho, mas face a face, tal qual Ele é» (27). Os nossos olhos abrir-se-ão para essa «luz eterna, que é o próprio Senhor» (28). Será a felicidade plena e definitiva, «uma luz cheia de amor, um amor cheio de alegria, uma alegria que ultrapassará toda a doçura» (29). O Evangelho coloca também a felicidade dos puros no privilégio de ver Deus desde este mundo, de uma maneira sempre velada, mas mais clara (30). E por esta pureza, deve entender-se «a isenção de todo o pecado, uma justiça que abrange toda a virtude, principalmente a cas-
(25) S. Bernardo. (26) S. Tomás.
(27) I, Cor., XIII, 12. (28) Isaías, LX, 19.
(29) Dante. (30) Santo Agostinho.
tidade» (31). A parte mais abundante cabe às virgens, contanto que elas explorem os tesouros ligados ao seu estado. Sai-se das trevas e entra-se na luz, quando se segue Jesus Cristo (32). Ora quem segue o Mestre mais longe e mais alto do que as virgens? Sobre a montanha da perfeição, elas têm o ar mais puro, o horizonte mais vasto, e os seus olhares estendem-se por sobre a planície, por cima dos obstáculos.
A experiência demonstra que «o olho do coração» (33) nos castos, é «simples e torna tudo luminoso» (34). Como os anjos «as virgens, suas irmãs» (35) vêem Deus em toda a parte; como eles, quando se ausentam do Céu para transmitir uma mensagem, elas sabem pôr o seu paraíso em todo o lugar aonde Deus as envia ou as mantém.
A luz celeste transfigura, primeiro que tudo, aos seus olhos, esta estalagem em que passamos algumas horas antes da manhã eterna. Neste universo, cada uma das criaturas aparece às virgens «como uma das letras de que se com-
(33) Santo Agostinho. (35) Gloss. Dear.
S. João Crisóstomo.
S. João VIII, 12. (34) S. Lucas, XI, 34.
põe o nome de Deus» (36). Tudo o que se agita e move torna-se como «um sinal maternal da Providência» (37) a chamar ao amor. Não há nada que não tome uma voz, «a voz do Verbo» (38), tecendo a Deus um hino de louvores» (39). Como poderia ser de outro modo, se «a virgem refere todos os seus pensamentos aos interesses do Senhor?» (40).
As criaturas humanas passam por diante da virgindade sem a distraírem. Elas não são, aos seus olhos, mais do que «o rebanho que pasce nas pastagens do Senhor» (41). Presa ao «espectáculo da beleza eterna» (42), a virgem não concede um olhar às criaturas e não recebe delas «por nenhum outro motivo senão o de lhes ser útil» (43). A sua consolação está em saber que «nunca fez mal a uma alma, nunca escandalizou uma só daquelas crianças, nunca se aproveitou de uma enfermidade, nem enganou um ignorante, nem concorreu para a dilatação do império do mal, mas sim dos limites sagrados do império do bem (44).
(36) S. Francisco de Assis. (37) S. Gregório.
(38) S. Tomás. (39) Santo Atanásio.
I, Cor, VII, 34.
Ezequiel, XXXIV, 31. (42) Platão. (43) Bossuet. (44) H. Perreyve.
Quanto aos acontecimentos, as virgens deixam-nos passar; basta-lhes saber que «Deus dispõe deles e que giram segundo as suas ordens» (45). Numa esfera mais elevada, «Deus descobre-se-lhes na proporção da pureza delas» (46). Aquelas «filhas bem-amadas do Altíssimo recebem por vezes vistas surpreendentes sobre os mistérios da fé; elas ouvem vozes interiores cujo acento tem qualquer coisa de ine-fàvelmente divino; são cumuladas de consolações inebriantes, ou visitadas por tormentos de coração que desolam, mas que se preferem a todas as alegrias, porque vêm de Deus e são como que um mimo da sua misericórdia» (47). «Tu és pois feliz, ó santa virgindade, e fazes as pessoas felizes» (48).
Afectos. — «Estou aos vossos pés, ó meu Deus, ó minha doce luz. Fazei brotar sobre mim os raios do vosso rosto; e as minhas trevas serão diante de vós brilhantes como o meio-dia mais radioso. Õ beatitude, fazei de mim uma coisa só convosco, pelo amor tão ardente que vos atrai para as vossas criaturas, para vos unir a elas». (Santa Gertrudes).
(45) Bossuet. (46) Bourdaloue.
(47) Mons. Plantier. (48) Santo Efrém.
Exame. — Eu sei que bens estão ligados à virgindade: sou eu suficientemente pura para participar deles ? — Há em mim qualquer coisa que se opõe aos dons divinos? — Quando sou menos feliz, tenho medo de ter deixado passar uma sombra, uma prisão, uma indelicadeza? — Amo suficientemente a Nosso Senhor para o reconhecer, o ouvir em toda a parte? — São os meus juízos inspirados sempre pelo Evangelho? — Não há nenhuma criatura entre Deus e eu ?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «É bem feliz aquele cuja alma é simples e pura: ele vê a Deus» (S. Justino, mártir).
XXX
DAS ALEGRIAS CELESTES DA PERFEITA CASTIDADE
O Apóstolo foi arrebatado até ao terceiro céu e, das alegrias que ali se experimentam não ousa dizer uma palavra, ensinando a discrição àqueles «que não foram elevados nem ao primeiro nem ao segundo (1). Um ramo verde-
(1) S. Francisco de Sales.
jante e um coto de vela não dão a um recém--nascido, dado à luz numa prisão e crescido numa masmorra, a verdadeira noção do sol e de um campo florido na primavera: do mesmo modo, nada forma em nós, enquanto encerrados «na prisão deste mundo» (2), uma ideia do céu. «No entanto deve dizer-se alguma coisa sobre ele». Assim raciocina S. Francisco de Sales. Seguindo o seu exemplo digamos: 1." O céu é prometido principalmente à virgindade; 2.° a virgindade terá no céu privilégios reservados.
I. —O CÉU ESPECIALMENTE PROMETIDO ÀS VIRGENS
«Deus deu-nos a vocação na sociedade do Seu Filho, e ele é fiel» (3). Existe dele uma palavra que é «a verdade» (4); uma promessa consignada no livro cujas «palavras não passam» (5). O Mestre disse: «O que abandona a sua casa, os seus parentes e tudo mais por amor do meu nome, esse possuirá a vida eter-
Tertuliano.
I, Cor., I, 9. (4) S. João, XIV, 6. (5) S. Mateus, XXVI, 35
na» (6). Por isso os nomes das virgens «estão escritos no livro da vida do Cordeiro» (7); cujas páginas visíveis são o Evangelho e de que existe um exemplar misteriosamente traçado (8) no coração de Cristo.
Os santos acrescentam o seu testemunho à declaração do Salvador: «Deus não pode mentir; prometeu a vida eterna a quem abandona o mundo por Ele; vós abandonaste-lo, como poderíeis duvidar de uma tal promessa ?» (9). «É fácil passar de uma cela ao céu; quando se morre no claustro, tem-se uma doce segurança de ser salvo, porque é muito difícil perseverar até à morte, se não se for predestinado para o céu» (10). «A religião é a porta do paraíso; ser consagrado a Deus neste mundo, é já sinal de que se está marcado para ser companheiro dos bem-aventurados» (11).
Além disso, o cêntuplo, que começa nesta vida, segue as virgens no outro. Um frade leigo, morto no mesmo dia que um rei, revelou que o lugar deste rei estava, no Céu, tanto abaixo do seu quanto tinha estado acima, quando vivia (12). «Tenho por certo, diz um grande doutor, que os lugares dos serafins, deixados vazios pela defecção dos companheiros de Lúcifer, só serão ocupados por pessoas religiosas. O estado monástico perdeu parte do seu antigo esplendor; no entanto, ainda há santos entre os religiosos; o que uma alma piedosa faz no mundo não se pode comparar com o que faz uma religiosa. Os tesouros do mundo em face dos tesouros que Deus vos prepara são menos do que um grão de areia. Quando o demónio vos tentar apresentando-vos as durezas e as renúncias da vossa vida, levantai os olhos ao Céu e tende coragem, à vista das beatitudes eternas, para suportardes os trabalhos do tempo» (13).
Tais são as nossas esperanças, e tal é o segredo que torna tão doce a morte das consagradas : elas dão a Deus a sua morte como deram a sua vida, alegremente. Umas chegam ao termo, depois de «terem trilhado um longo caminho em poucos dias» (14); as outras viram «o seu exílio prolongar-se» (15); «elas trazem, num corpo quebrado pela idade, uma al-
(6) S. Mateus, XIX, 29. (7) Apoc, XXI, 27.
(8) Apoc., V, 1. (9) S. João Crisóstomo.
(10) S. Bernardo. (11) S. Lour. Justiniano.
S.to Af. deLigório.
S.to Af. de Ligório.
Sabedoria, IV, 13. (15) Salmo CXIX, 5.
ma toda jovem e como que perfumada» (16), Todas descem pacificamente no Oceano divino, como a barca, quando, chegada à foz, deixa o rio, saúda a margem e, por um insensível movimento, encontra-se num grande mar. «A morte é, para elas, um belo anjo que veio para coroá-las de flores» (17); «o desprendimento dos prazeres desabitua-as do corpo e elas já não sentem dificuldade em se separar dele; já desataram, ou quebraram, desde há muito, os laços mais delicados» (18); aprenderam que «a única precaução contra os ataques da morte é a inocência de vida» (19). Virgem por estado, sou eu suficientemente «santa de alma e de corpo», para fazer minhas estas esperanças da virgindade ?
II.—O CEU DAS VIRGENS TEM PRIVILÉGIOS RESERVADOS
«Eu vi, diz o discípulo virgem: o Cordeiro estava de pé sobre a montanha de Sião; com ele vi cento e quarenta e quatro mil. Eles cantavam
(16) S. Gregório de Nazianzo.
(17) H. Perreyve. (18) Bossuet.
(19) Bossuet.
o cântico novo, e ninguém podia dizer aquele cântico; aqueles são os resgatados da terra, são os virgens» (20). Cada ser forma uma nota no concerto universal pelo qual a criação louva o Criador. Mas, da simples ervinha ao cedro, do colibri à águia, da última das estrelas ao sol, do homem ao anjo, os acentos aumentam em expressão, em doçura, em verdade. O primeiro de todos «o Mestre de coro, é o Verbo» (21), é Jesus. Depois d'Ele vêm os que melhor compreenderam as ideias de Deus e realizaram o seu plano. Três classes de santos sustentaram combates mais temíveis; três coros de eleitos trazem auréolas distintivas : os mártires, os doutores, as virgens.
Durante a sua vida, as virgens foram mais dóceis à palavra de Cristo; estiveram de acordo com Ele até nos seus menores desejos. No Céu são admitidas a uma intimidade maior; aproximadas de Jesus, participam das alegrias mais suaves e as suas almas glorificadas manifestam-se «num cântico reservado que as outras podem ouvir e com que lhes é dado regozijarem-se, mas que não têm o poder de repetir» (22).
Apoc, XIV, 1-4.
Clem. de Alexandria. (22) Santo Agostinho.
«Estas primícias de Deus» (23) pagou-as o Cordeiro mais caro: foi para elas pródigo das suas lágrimas e do seu sangue; protegeu-as com os espinhos da sua coroa, abrigou-as à sombra da sua cruz com uma particular dilecção. É este amor cioso que elas cantam, e o privilégio de terem sido «a porta fechada pela qual só o príncipe podia ir para o seu trono» (24).
São João continua: «As virgens seguem o Cordeiro para toda a parte para onde Ele vai» (25). O Salvador tinha dito : «Aquele que quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo e siga-me» (26). As virgens deixaram tudo; elas seguiram Jesus nos seus trabalhos, humilhações, na sua cruz e morte. Passaram a vida em busca de Cristo. Agora «que as sombras se inclinaram e que o dia nasceu» (27), elas encontram-no, possuem-no «irmãs e esposas, no jardim fechado em que Ele colhe os lírios» (28). «Eu vos conjuro, minha querida irmã, diz S. Bernardo, não saboreeis nenhuma doçura, não procureis nenhum amor, não ameis nenhuma beleza fora de Cristo: se vós o amardes com
(23) Apoc, XIV, 4. (24) Ezech., XLIV, 1-3.
(25) Apoc, XIV, 4. (26) S. Lucas, IX, 23.
(27) Cânt, II, 17. (28) Cânt, IV, 12; VI, 1.
todo o vosso coração neste mundo, segui-lo-eis para toda a parte onde Ele for».
Santo Hilário ensinava estas verdades à sua filha, a virgem Abra. Extasiada, essa disse-lhe um dia: «Pai, os meus amores não estão na terra; quando portanto eu for ter com o Esposo eterno, a quem vós me consagrastes; pai, eu quereria morrer». Imediatamente Hilário pros-trou-se diante de Deus; viram as suas lágrimas e ninguém ouviu a sua prece. Mas dentro em pouco, sem sofrimento, sem estremeção, a impaciente amante de Cristo partiu, como uma pomba que abre as suas asas e levanta voo para os Céus. As suas fiéis esposas sentem que Jesus assiste aos seus últimos instantes, colocando-lhes na cabeça a auréola que as deve distinguir dos outros eleitos, e convidando-as meigamente: «Vem, minha esposa, vem do Líbano, tu serás coroada» (29). E elas respondem: «Vinde, Senhor Jesus, vinde, não vos demoreis» (30).
Afectos. —«O meu coração e a minha alma aspiram a vós com ardor, ó Deus do meu coração e das minhas esperanças. Que a alegria e o júbilo estejam em vós, pelo branco e nume-
(29) Cânt, IV, 8. (30) Apoc, XXII, 20.
roso enxame das virgens; alegria e júbilo no cântico novo que elas fazem ouvir, seguindo-vos para toda a parte, a vós seu Rei e seu esposo. Ó amor, eu vos dou a minha vida e a minha alma, adormecei-me convosco na paz». (Santa Gertrudes).
Exame. — É o pensamento do Céu habitual em mim, principalmente nas horas de dificuldade, de tentação ? — Estou reconhecida a Jesus, por me ter mais magnificamente resgatado e misericordiosamente escolhido ? — É a minha vida suficientemente santa, para ser já o começo do cântico virginal ? — Sou Jesus em todas as suas vontades, desejos, delicadezas ? — Que proveito tirei eu destas meditações ? —Quais são as minhas resoluções? Os meios de as conservar?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Vejo finalmente o objecto dos meus desejos; possuo o objecto das minhas esperanças; estou unida, no Céu, àquele que amei com todas as faculdades sobre a terra» (Ofício de Santa Inês).
CONCLUSÃO
Terminado o ensaio, consagrar um dia a agradecer a Nosso Senhor as luzes recebidas e a tomar resoluções práticas e muito precisas. Escrevê-las, para melhor as fixar no espírito e no coração, a fim de as poder voltar a ler de tempos a tempos. Informar o seu director sobre o trabalho que se efectuou durante estes piedosos exercícios, e submeter à sua aprovação as resoluções que são o fruto deles.
Sub tuum praesidium, Virgo immaculata!
ÍNDICE
Conselhos preliminares pág. 9
1.—Natureza da Castidade » 12
— O conselho evangélico da perfeita castidade » 19
— Da vocação , » 27
4.—Das vantagens da perfeita castidade » 35
5. — Vantagens da perfeita castidade para o
apostolado » 43
6.— Da excelência da perfeita castidade » 51
— Da excelência da perfeita castidade » 59
— As predilecções de Jesus pela virgindade » 67
—■ Predilecções de Jesus pela virgindade ...» 74
— Das tentações » 82
—Das tentações » 90
12: — A mortificação em geral » 98
— Mortificação do corpo » 105
— Mortificação do espírito » H2
— Mortificação do coração » 119
16.—Da tristeza » 127
— Do espírito do mundo » 134
— Do amor da solidão » 142
19.—Da vigilância » 150
— A modéstia » 157
— Da modéstia * 165
22.— Da oração * 173
23.—Do Sacramento da Penitência » 181
24.—Da santa Comunhão » 189
—Devoção à Paixão e ao Sagrado Coração ... » 196
— Da devoção à Santíssima Virgem e aos
Anjos » 203
— Do temor de Deus » 211
— Ameaças e consolações » 220
29- — Das alegrias terrestres da perfeita castidade » 228 30. ■— Das alegrias celestes da perfeita castidade » 236
COMPOSTO E IMPRESSO NA PIA SOCIEDADE DE S. PAULO RUA DO LUMIAR, 167 LISBOA 5
em Maio de 1959
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