(2). Para que o espírito seja na castidade um fiel guardião, deve — também ele — suportar as suas mortificações, que consistem : 1.° em extinguir o orgulho; 2.° reprimir a curiosidade.
I. — EXTINGUIR O ORGULHO
Os Santos Padres fazem observar que os animais mantiveram-se submissos ao homem e os seus sentidos dóceis ao espírito, durante todo o tempo em que ele próprio foi humilde e obediente servo de Deus. Não tendo «no corpo nenhuma fraqueza, nenhuma espécie de con-
(1) Santo Agostinho. (2) S. Lucas, VI, 30.
cupiscência no espírito, o homem não era acessível ao mal senão pela complacência consigo mesmo, pelo orgulho» (3). Foi por aí que o demónio tentou os nossos primeiros pais. Eles prestaram-lhe atenção e «ele fez nascer no seu coração um secreto prazer de se deleitarem em si mesmos, de se comprazerem na sua própria perfeição» (4). Logo «o homem se precipitou do alto, e, extraviado de Deus, cai primeiramente sobre si mesmo» (5). Então, perdendo a sua força, ele cai, de necessidade, ainda mais baixo : os seus desejos dispersam-se por entre os objectos sensíveis e inferiores» (6). Tais como aquelas belas toalhas de água que, tendo partido tão puras do céu, se quebram primeiro sobre os cimos dos montes, depois pulvarizam-se ali e deslizam até aos vales e às profundezas da terra. 0 que chegou para o género humano; infectado em Adão, como um rio na sua nascente, reproduz-se em cada um dos seus infelizes descendentes. «Os que conhecem Deus e não o glorificam e se perdem — pelo orgulho— nos seus próprios pensamentos, entrega-os Deus aos desejos do seu coração e as más paixões» (7).
(3) Bossuet. (4) Bossuet.
(5) Santo Agostinho. (6) Bossuet.
(7) Rom., I, 21, 24, 26.
«Para muitos, o orgulho é uma raiz venenosa que tem como fruto o pecado dos sentidos» (8). «O orgulho é incompatível cem a, castidade» (9).
A medicina das almas, diz um grande papa, segue as mesmas leis que as dos corpos: assim como se reaquece um sangue arrefecido para curar certas doenças, assim se substituirá aqui ao orgulho cuja punição é o pecado humilhante, a humildade de que a castidade é a gloriosa recompensa. Diz-se que ela é «a virgindade do espírito» (10). Se portanto queres ser casto, sê humilde; se queres ser muito casto, sê muito humilde» (11); não se pode conquistar a graça da castidade, sem se terem lançado no coração os fundamentos da humildade» (12).
O castigo do orgulhoso consiste em «Deus subtrair-lhe os seus dons e em só lhe deixar o fundo do ser; nele nada ficou senão o que ele pode ter sem Deus, isto é, o pecado e a desordem» (13). O humilde, pelo contrário, desconfiando de si próprio, procura em Deus o seu apoio e a sua luz: quanto mais foge de si mes-
(10) Lacordaire. (12) Cassiano.
(8) S. Gregório
(9) S. "Vicente de Paulo.
(11) P.e Saint Jure.
(13) Bossuet.
mo, mais encontra Deus; mais também se purifica nele. Assim, os lírios deixam o solo, lançam-se por sobre a sua folhagem e tomam, mais perto do céu, a sua deslumbrante brancura. Nessa humildade, reconhece se que se ivcebe de Deus a graça da castidade; desconfia-se de si próprio, seja qual for o grau de virtude que se tenha atingido; finalmente, permanece-se indulgente e bom para todos os pobres pecadores. Uma religiosa lembra-se com fruto «de que uma mulher humilde vale mais do que uma virgem orgulhosa» (14).
II.—COMBATER A CURIOSIDADE
São João previne-nos, no mesmo versículo, contra «a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da vida» (15). Aqui temos reunidas as três raízes do mal. «Que tem pretendido o demónio senão tornar-me soberbo como ele, esperto e curioso como ele, e por último sensual?»; o homem seduzido «tornou-se soberbo, tornou-se curioso, tornou-se sensual» (16). O orgulho é uma estrada larga
Santo Agostinho.
I, S. João, II, 16. (16) Bossuet.
que conduz aos pecados dos sentidos; a curiosidade leva ao mesmo fim por diversos atalhos. A tentação começa pelo orgulho, continua pela curiosidade e «termina como que no lugar mais baixo, pela corrupção da carne» (17).
Primeiramente é o desejo de saber. «Vós sereis como deuses, disse Satanás, conhecendo o bem e o mal». Excessivamente escutadas, «estas palavras levaram uma curiosidade infinita ao fundo dos nossos corações» (18). Este vasto apetite de saber é um sinal da excelência do nosso espírito; oculta porém escolhos perigosos. O que se passa em volta de nós e em nós mesmos faz-nos sonhar, procurar, interrogar. Em matéria de castidade, há tantos mistérios a rodear--nos, tantos fenómenos a excitar as nossas investigações; se alguém se não precaver contra eles> perde, dentro em pouco, aquela feliz ignorância que é a melhor guardiã da inocência. Certas religiosas são excessivamente ávidas de novidades mundanas, interrogam, para além dos limites, as visitas, as externas dos pensionatos, vão longe demais nas perguntas que fazem às suas antigas almas ou no que lhes permitem dizer, inquirem sobre certas minudências dema-
(17) Bossuet. (18) Bossuet.
siado profanas, interessam-se demasiado livremente por uma multidão de coisas que dissipam o espírito e povoam a imaginação de quimeras malsãs.
Depois vem o desejo de ver. Ainda aqui «em que se abrem os olhos para os saciar com a vista das belezas mortais, ou mesmo deleitar--se em vê-las, ou em ser visto, é-se dominado pela concupiscência da carne» (19). A alma que está toda ocupada na contemplação de Deus e das coisas eternas, não tem dificuldade em fechar os olhos sobre a criatura» (20); pelo contrário, «toda a alma curiosa é vã e superficial» (21) e como sente a sua indigência interior, mendiga aos objectos exteriores algo para preencher o vazio do seu espírito. A religiosa prudente «mergulha tão intimamente no seio de Deus, que os olhos mortais não a podem seguir até ali; por sua vez, ela não pode desviar--se de um tão digno, de um tão doce objecto» (22).
Por último, a curiosidade leva a um declive mais perigoso pelo desejo de experimentar, de sentir. Eva olhou para o fruto, achou-o be-
(19) Bossuet. (20) Santo Hilário.
(21) Bossuet. (22) Bossuet.
lo, apetecível: foi então que o comeu (23). Seria também muito difícil, a uma imprudente, discernir se não experimentou já uma deleitação culpável nesse último género de curiosidade. A privação, a austeridade combatem «essa mo-ieza e essa delicadeza espalhada por todo o corpo» (24); e, para se conservarem castas, as consagradas renunciam corajosamente a todo o pensamento, a todo o desejo que as reconduz à terra; elas renegam de tudo o que lhes lison-geia o corpo e o espírito, procuram tudo o que é princípio de morte para a vida carnal» (25).
Afectos. — «Colocai a minha vida, ó Jesus, sob a guarda do vosso Santo Espírito. Absorvei o meu espírito no vosso, tão profundamente que eu esteja submersa em vós. Que nesta união convosco eu escape a mim mesma e que saia de mim para viver em vós e que eu permaneça assim sob a vossa guarda durante a eternidade» (Santa Gertrudes).
Exame. — Ponho eu a minha castidade sob a guarda de uma humildade profunda, constan-
(23) Gen., III, 6. (24) Bossuet.
(25) S. Gregório Magno.
te, prática? Não sou levada a elevar-me acima das minhas irmãs de inferior condição, de ocupação inferior, de virtude pouco aparente, acima das pessoas piedosas que vivem no mundo? — Fecho cuidadosamente os meus olhos à vaidade, os meus ouvidos às novidades, o meu coração aos desejos vãos e perturbadores? — Não sou questionadora? indiscreta?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Ó Senhor, ponde os meus olhares em vós; que eu não veja as vaidades» (Bossuet).
XV
MORTIFICAÇÃO DO CORAÇÃO
Disse o Divino Mestre: «Bem-aventurados os limpos de coração». É do coração, efectivamente, que parte a pureza, para irradiar em todo o ser; o coração seria também o lugar de partida de tudo o que mancha a alma (1). «Aquele que quer resistir às seduções da car-
il) S. Mateus, XV, 18.
ne deve pois exercer em redor do seu coração uma constante vigilância» (2). De resto, que lugar pode sobrar nas nossas afeições, quando nós amamos a Deus de «todo» o nosso coração? Ponhamos a ordem nas nossas relações: 1.° com os seculares; 2.° com as nossas irmãs.
I.—PERIGOS DAS RELAÇÕES COM OS SECULARES
«Deixa-te estar à porta do teu coração, dizia um antigo monge, como uma sentinela vigilante, e não permitas, àquele que passa, o entrar nele» (3). Quando Deus faz sair uma eleita «da sua terra, da sua parentela, da casa de seu pai (4), subtrai-a às perturbações do século, aos negócios mundanos, aos cuidados absorventes. Além disso, arranca-a ao contágio que corrói o mundo e faz dele um «universo de malícia» (5).
Que seria pois, se o povo escolhido procurasse reatar relações com aqueles estrangeiros com quem está, de futuro, proibido de se mis-
S. Gregório Magno.
Vida dos Padres. (4) Gen., XII, 11. (5) I, S. João, V, 19.
turar? (6)- «Todas as amizades fundadas na simpatia e num afecto sensível para com um objecto que agrada, se não fazem outro mal à alma, são pelo menos obstáculos à perfeição. A alma corre, além disso, grandes perigos nessas espécies de afeições fundadas sobre as qualidades exteriores. Elas parecem, a princípio, indiferentes; mas a pouco e pouco tornam-se culpáveis» (7). Se se trata de pessoas de sexo diferente, podemos compará-las ao fogo e à palha sobre os quais o demónio não cessa de soprar para provocar o incêndio (8). Santa Teresa viu-se um dia no inferno, e Deus disse-lhe que aquele lugar estava-lhe destinado, se ela não acabasse com determinada amizade ou inclinação simplesmente natural que ela sentia por um dos seus parentes (9). Observemos muito sinceramente o nosso coração. «Se vós sentirdes alguma afeição deste género, o único remédio é cortá-la prontamente e de um só golpe. Não digais que nada de mau se passou entre vós; o demónio, a princípio, não impele aos excessos; ele conduz pouco a pouco os imprudentes à beira do abismo, depois um simples toque basta
Números, XVIII, 4.
Santo Afonso de Ligório. (8) S. Jerónimo. (9) Santo Af. de Ligório.
para os fazer cair. Se estais livre de todo o apego, conservai-vos sempre de atalaia, porque estais sujeita, também vós, a cair naquelas armadilhas em que tantas outras se têm deixado prender por negligência» (10).
«Não deixeis de usar a mesma reserva com os religiosos e os eclesiásticos. Seria bom que não tivésseis relações com o vosso confessor, a não ser no confessionário. Sede mais circunspecta ainda com o vosso director; a confiança que existe entre vós e ele poderia dar origem a uma simpatia que, não sendo moderada, se convertesse num fogo do inferno» (11). Não digais que não há perigo, pelo facto desse padre ser santo. Quanto mais santa é uma pessoa, tanto mais devemos receá-la, porque o sentimento da sua bondade no-la tornará ainda mais querida (12). «Quantas dessas ligações que se julgavam fundadas na piedade, no serviço de Deus, na salvação das almas, degeneraram pouco a pouco, passando de colóquios místicos a culpáveis passatempos» (13). Há temeridade em esquecer praticamente este facto de frequente experiência: que «muitos, depois de te-
Santo Af. de Ligório.
Santo Af. de Ligório. (12) S. Tomás (13) S. Boaventura.
rem começado pelo espírito, acabaram pela carne» (14).
II. — AS AMIZADES PARTICULARES
«É uma glória do cristianismo ter sido tão bem instruído, tão bem dirigido o coração do homem, que fez esse coração, ao mesmo tempo tão virginal e tão forte, capaz de amar, mais e melhor do que nunca, tudo o que se deve amar sobre a terra, e capaz de o amar sempre menos do que a Deus. A santidade e a perfeição não destroem nem prejudicam em nada as puras afeições da terra; os santos não vão amar só a Deus, à força de não amarem ninguém, mas sim amar toda a gente mais do que a si próprios, à força de amarem mais a Deus do que a tudo» (15). Não se trata pois de matar o coração nos castos, mas de regularizar os seus movimentos, de o conduzir à rectidão que ele conservará no céu.
«Amemo-nos no coração de Jesus Cristo como se amam os bem-aventurados; em Deus, que é o centro da sua união; por Deus que é

todo o seu bem. Tenhamos um coração de Jesus Cristo, um coração amplo que não exclui ninguém» (16). «Sede a amiga de todas as vossas irmãs e íntima de nenhuma» (17).
Qualquer outro é o resultado das amizades particulares. Os autores espirituais assinalam os seus inconvenientes sob o aspecto da caridade fraterna e do bom espírito. Santa Teresa combate-as, porque elas formam «linhas e partidos»; Santa Joana de Chantal, porque «trazem a desunião»; S. Vicente de Paulo, porque são «uma injustiça pois dão a uma o que deve ser de todas». Mas «não é menos certo que há muito a recear, mesmo para a castidade» (18). Em primeiro lugar, elas são opostas à «castidade espiritual», que consiste em se deleitarem na união espiritual com outras coisas, contrariamente à ordem divina (19). Não é todavia o único mal; há alguma coisa mais a recear. «Se as amizades do exterior causam mais escândalo, as do interior, entre religiosas, são mais perigosas. Deus não permita jamais que uma religiosa tenha a infelicidade de cometer
Bossuet.
S.to Af. de Ligório.
R. P. Meynard.
S. Tomás.
alguma falta grave contra a castidade na casa do Senhor» (20). Não se insiste neste ponto; este facto é raro, basta assinalar esse perigo ao zelo das superioras e às salutares reflexões de todas as religiosas (21). Era a este propósito que dizia uma venerável superiora: «Em religião, devemos amar-nos como anjos e evitar--nos como demónios» (22).
Eis os sinais das amizades perigosas: «conversas demasiado extensas e inúteis, inúteis logo que são demasiado extensas; olhares e elogios recíprocos; indulgência excessiva para com os defeitos; certas invejazinhas; a inquietação do afastamento» (23); «o apego às graças exteriores; o desejo de uma afeição correspondida; o receio de que as outras vejam, oiçam, escutem o que se passa» (24). Examinemo-nos: são pendores para um pecado mais rigorosamente punido quando se comete «na terra dos santos» (25).
Afectos. — «Dulcíssimo Jesus, fostes Vós só que eu escolhi para companheiro preferido
S.to Af. de Ligório.
R. P. Meynard.
Fundadora das dominicanas de Bordeaux.
S. Boaventura. (24) S.to Af. de Ligório. (25) Isaías, XXVII, 40.
da minha vida. Ofereço-vos o meu corpo e a minha alma para vos servir; porque sou propriedade vossa e vós sois meu. Imprimi o vosso sinal tão profundamente na face da minha alma, que nenhuma criatura obtenha a minha escolha nem receba o meu amor que é todo vosso». (Santa Gertrudes).
Exame. — Sou eu escrupulosamente prudente nas minhas relações exteriores? Vigio eu o mínimo pulsar do meu coração e a aproximação mais afastada? — Não tenho apego nem ilusões? — Tenho rupturas que se impõem, pelo menos sacrifícios a fazer: porque esperar?
Não tenho nenhuma preferência natural, nenhuma afectação pueril, nenhuma amizade demasiado sensível, demasiado sensual com algumas das nossas irmãs ou das nossas alunas?
Nada que não seja verdadeira caridade?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Deus marcou a minha face com um sinal para que eu não aceite outro amor além do seu» (Ofício de Santa Inês).
DA TRISTEZA
«Há um espírito que persegue a alma religiosa e a inquieta de todas as maneiras para lhe fazer perder a castidade: é a tristeza» (1). É pois necessário pormo-nos de atalaia contra este novo género de tentação, que constitui de resto «uma das enfermidades espirituais mais perigosas e mais rebeldes para se tratarem» (2). Meditaremos: 1.° Diferentes espécies de tristeza; 2.° remédios da tristeza.
I.—DIFERENTES ESPÉCIES DE TRISTEZA
O Apóstolo menciona duas espécies de tristeza, «uma segundo Deus, a outra do século» (3). Os santos chamam à segunda «a tristeza da carne» (4), um nome característico que mostra suficientemente aos castos quanto devem temê-la. «Produto do amor de Deus, a primeira desabrocha na alma com todos os fru-
S. João Clímaco.
Rodriguez. (3) II, Cor, VII, 10. (4) S. Gregório.
tos do Espírito enumerados por São Paulo (5) : a caridade, a alegria, a paz, a bondade, a fé, a modéstia e a castidade» (6).
«No coração do sábio reside uma tristeza» (7) excelente, aquelas «lágrimas beatificadas», de que fala o Salvador na montanha, «aquele lamento da pomba que diz adeus aos risos e diversões profanas, às alegrias carnais e que, indo para a eterna felicidade, faz seu caminho através do vale de lágrimas» (8). Esta boa e salutar tristeza «é exercida pelos bons na compaixão pelas misérias temporais do próximo, e pelos perfeitos no condoerem-se das calamidades espirituais das almas» (9). Jesus associa as suas lágrimas às das irmãs de Lázaro, sobre o túmulo; chora a teimosia dos Judeus; no Gethsémani, as suas lágrimas pelos pecados do mundo convertem-se em sangue. Esta compaixão passa pelo coração de todos os santos e, em todos os penitentes, surge «uma tristeza de arrependimento que opera a salvação» (10); «as lágrimas de amor a Deus e de ódio contra o pecado» (11). Há ainda suspiros daqueles
Gálat, V, 22.
Rodriguez. (7) Ed., VII, 5.
(8) Belarmino. (9) S. Francisco de Sales.
(10) II, Cor., VII, 10. (11) Belarmino.
que acham «o exílio demasiado longo», a quem «a vida pesa», e que desejam «a sua dissolução para estarem com Cristo». Finalmente, segundo um escritor de autoridade incontestada, os consagrados encontram «uma fonte de lágrimas inconsoláveis ao verem que, no estado religioso, ao lado de santas almas, há relaxados» (12).
Esta «tristeza segundo Deus não é aborrecida nem penosa; não atrofia o espírito nem abate o coração; dá força e coragem, aumenta a confiança em Deus e faz invocar a sua misericórdia. A má tristeza perturba o espírito, agita a alma, causa-lhe inquietação; aparece como o granizo, sem razão nem fundamento; perde o coração, endurece-o, enlanguesce-o, torna-o inútil; tira o gosto da oração e cria a falta de confiança na bondade de Deus. É como um inverno rigoroso que destrói o brilho da natureza e se faz sentir em todos os animais; porque tira toda a suavidade à alma e torna-a quase inutilizada e impotente em todas as suas faculdades» (13). Que admira que, nesse estado de fraqueza e de miséria, se desça a mendigar satisfações de ordem inferior? «Os castos delei-
(12) Belarmino. (13) S. Francisco de Sales.
tes das alegrias eternas tornam-se fastidiosos; a alma religiosa encontra-se fraca; o demónio apressa-se a apresentar-lhe as taças dos prazeres imundos e, seduzida pela esperança de encontrar neles um lenitivo para o seu mal, ingere o veneno e encontra a morte» (14). Tal é «a tristeza carnal», que se deve banir para sempre, porque tem matado muitos» (15).
II. —REMÉDIOS PARA A TRISTEZA
«A tristeza do século deve ser expulsa do nosso coração com tanto cuidado como o espírito impuro; porque ela chega a destronar a alma do estado de pureza e a dar-lhe a morte» (16). Para sabermos remediar o mal, vejamos as suas causas. «A tristeza provém às vezes do inimigo infernal que enlanguesce a vontade e perturba a alma, à semelhança de um nevoeiro espesso que constipa a cabeça e o peito, torna difícil a respiração e causa perplexidade no viandante. Outras vezes, a tristeza procede da condição natural; esta não é
(14) Rodriguez. (15) Ed., XXX, 24, 25.
(16) Raban Maur.
viciosa em si mesma, mas o nosso inimigo serve-se dela para urdir mil tentações nas nossas almas, como as aranhas fazem as suas teias, quando o tempo está abafado e nebuloso. Há finalmente uma tristeza que nos é trazida pela variedade dos acidentes humanos. Nos bons, é moderada pela aquiescência e pela resignação à vontade de Deus: Job bendiz o Senhor nas suas adversidades; David transforma as suas dores em cânticos. Quanto às pessoas do mundo, essa tristeza transforma-se em desgosto, desespero, confusão de espírito» (17).
Eis os remédios. Em primeiro lugar, «a oração é soberana, conforme a advertência de S. Tiago: Se alguém está triste, esse que reze! Fazei frequentes e repetidas orações a Deus; não obstante a tristeza esforçai-vos em proferir palavras de confiança e amor» (S. Francisco de Sales). «Uns momentos de conversa com um amigo bastam para restituir à nossa alma a serenidade e a paz; que doçura e consolação nós devemos esperar, se expandirmos o nosso coração no d'Aquele que a si mesmo se chama o Deus de toda a consolação e amparo! A pomba, símbolo da pureza, não encontra onde pousar os
(17) S. Francisco de Sales.
pés, e volta para o pombal: assim o servo de Deus, paira acima das voluptuosidades terrenas e volta, ele também para o seu abrigo» (18), isto é «para o seu coração, para ali orar; Cristo habita ali e faz brotar a fonte de todas as alegrias» (19).
A meditação, as boas leituras continuam este delicado tratamento. Colocados em grandes tribulações, os melhores de Israel recusavam procurar compensações nas alianças estrangeiras. «Para nos consolarmos, diziam eles, temos os livros santos, e é por intermédio dessa leitura que nos vem o socorro do alto» (20). Ê bom, para a religiosa, ler os seus títulos à protecção de Deus, lembrar-se de que lhe é prometido o cêntuplo e a vida eterna» (21), que «a felicidade é para os corações puros; que ela procedeu sabiamente conservando-se virgem» (22); «que às suas tribulações de um momento sucederá uma eternidade de glória» (23).
Finalmente, «procurai divertir-vos, fazendo crer ao vosso espírito que ele não tem desgos-
(18) Rodriguez. (19) S.to Agostinho.
I, Macab, XII, 9-15.
S. Mateus, XIX, 29.
I, Cor., VII, 38. (23) II, Cor, 17.
tos» (24). Deveis defender-vos, ocupar-vos, trabalhar, sair de vós mesmos, libertar-vos dos vossos próprios pensamentos, «procurar a conversão de pessoas espirituais; quando puderdes, cantar alguns cânticos próprios para elevar o espírito» (25). Acima de tudo, amai a vontade de Deus, amai a função que vos é confiada pela obediência, «vivei santamente para estardes sempre na alegria» (26).
Afectos. — «Concedei-nos, Senhor nosso Deus, a nós, vossos servos, um corpo e uma alma sempre sãos e, pela intercessão da bem--aventurada Virgem Maria, livrai-nos das tristezas presentes e dignai-vos reservar-nos as alegrias eternas. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Assim seja» (Missal romano).
Exame. — Qual é a causa das minhas tristezas? temperamento, luto de família, provações providenciais? — ou antes pretextos fúteis, orgulho ferido, obediência difícil? — Esforço--me por amar a vontade de Nosso Senhor, o meu cargo, as minhas provações? — Rezo eu
S. Francisco de Sales.
S. Francisco de Sales.
S. Bernardo.
para ser mais forte ?; recorro ao pensamento do Céu, ao pensamento da penitência? — Sou taciturna ou procuro em companheiras caridosas, principalmente na minha superiora, algumas palavras e conselhos que elevem e consolem?— Está a minha consciência em paz? — Gosto dè alimentar uma tristeza vaporosa, em vez de santamente a dissipar?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Se vós não quereis, por coisa nenhuma deste mundo, ofender a Deus, isso basta para viverdes alegres». (S. Francisco de Sales).
XVII
DO ESPIRITO DO MUNDO
«Ê próprio do demónio tentar-nos» (1). «Estende armadilhas, estimula os corpos, arrasta as almas, sugere pensamentos, dissipa afeições, faz amar o vício e odiar a virtude» (2). Mas o demónio é um chefe que tem legiões de espíritos maus à sua disposição. Ele é «o príncipe do mundo» (3) e é por meio do mundo que ele seduz, na maior parte do tempo, os castos; de tal modo que «aquele que pisa aos pés o mundo, tem algo a recear do demónio» (4). Meditemos: 1.° Que é o mundo; 2.° Sinais do espírito do mundo nas consagradas.
I. — QUE É O MUNDO?
«O mundo, no sentido evangélico, é tudo aquilo que, por pensamentos, palavras e acções, protesta contra Deus, contra a sua lei, contra a sua graça, contra a vida superior que Ele nos comunica, contra as esperanças que nos dá, contra os destinos que nos marcou» (5). O mundo «é o inimigo de Jesus Cristo, o inimigo do evangelho. É aquele conjunto de pessoas que, presas às coisas sensíveis, e pondo nelas a sua felicidade, as têm por verdadeiros bens, e baseiam na aquisição e na fruição desses bens todos os seus princípios, toda a sua moral, todo o seu programa de conduta. Por conseguinte
(1) S. Tomás.
(2) Conrenson.
S. João, XII, 31.
Cassiodore. (5) R. P.e Monsabré.
Jesus Cristo e o mundo condenam-se e reprovam-se reciprocamente» (6).
«Jesus desonrou o mundo» (7); demonstrou e revelou as suas tendências, as suas máximas, os seus vícios. «Acusou-o de pecado»; declarou-o «inimigo da verdade»; «não orou por ele», «amaldiçoou-o por causa dos escândalos», separou os seus do mundo. Os discípulos partilharam a respeito do mundo as severidades do seu mestre. «Meus filhinhos, diz S. João, não ameis o mundo; tudo nele é concupiscência dos olhos, concupiscência da carne, orgulho da vida» (8). Estas palavras revelam-nos um inimigo dos castos. Lembrais-vos de como o mundo acolhe a notícia de uma vocação para a virgindade? Quanto as mães são largas, precipitadas, até mesmo imprudentes em entregarem a uma criatura qualquer as suas filhas, quanto as vemos desconfiadas, tristes, por vezes injustas, quando se trata de as darem a Jesus Cristo. E no entanto elas sabem de que perigos a castidade as livra. S. Paulo explica a razão desta diferença; a sua linguagem é enérgica : Tornado «animal» pelos seus pensamentos e gostos, «o
(6) P.e Grou. (7) Bossuet.
(8) II, S. João, II, 16.
homem não tem o sentido das coisas divinas» (9). Ponde diante de um boi um feixe de erva e uma moeda de ouro ou um diamante; o instinto fá-lo precipitar-se sobre a erva.
Este mundo, que recusou reconhecer o Salvador (10) é, ao mesmo tempo, corrompido e corruptor. Obliteram-se nele as noções que elevam o espírito, que salvaguardam a dignidade humana, que criam o respeito à alma e ao corpo. A fé obscurece-se, a esperança limita-se a enganadoras felicidades, e fazem seu fim e seu Deus aquilo que têm de menos nobre em si (11); «o mundo torna-se um sarcófago cheio de cadáveres em putrefacção» (12); quando muito, conserva as aparências de um «sepulcro caiado»; «o próprio ar que se respira não é mais do que prazer e vaidade» (13).
Depois, o mundo tem o seu apostolado destruidor; vai à caça das almas, «como um cavalo montado pelo demónio» (14), «como uma torrente que arrasta águas impuras» (15). As suas máximas são o inverso das bem-aventuranças
(9) I, Cor, II, 14.
(10) S. João, I, 10. (11) Filip., III, 19.
(12) Hugues, card. (13) Bossuet.
Gerholus, primaz de Reich.
Hugues, card.
proclamadas pelo Salvador; resumem-se nestas três palavras: ter, poder, parecer. Tudo, nas suas ideias, costumes, modas, usos, festas, contradiz o Evangelho. O contágio é tão grande que «nem os corações religiosos escapam à poeira mundana» (16). Assim «as roseiras que crescem no meio das urtigas, têm a sua seiva como que seca» (17). Que recurso podem ter os castos, senão «fugir do meio de Babilónia», ou então, se a sua vocação os prender no século, «estarem no mundo, sem serem do mundo?».
II. — SINAIS DO ESPIRITO DO MUNDO NAS CONSAGRADAS
O livro da Sabedoria contém uma página pungente. Os infernos parecem abrir-se, e ouve--se exteriorizar o desespero dos condenados. Tinham troçado dos justos, enquanto eles viviam na loucura e morriam na desonra. Vêem os santos coroados e choram as suas alegrias tão falsas, tão passageiras, tão laboriosas, tão criminosas. Então exclamam, numa suprema angús-
(16) S. Gregório. (17) Alain de Lisie.
tia: «Afinal enganámo-nos, o sol da inteligência não se ergueu sobre nós» (18). Tal será a última palavra do mundo e das suas vítimas: «Enganámo-nos».
Assim «se afastaria do caminho da verdade», e se «fatigaria na senda da perdição», e «cairia sem honra» a religiosa que, «separada do mundo pelo corpo e pelo hábito, tendesse ainda para ele pelo espírito, coração e actos» (19). «Ela morreu para o mundo, porque não é o mundo um morto para ela?» (20). Não, ela continua a ocupar-se do mundo. Ela quer saber o que se diz, o que se passa nele; procura estar ao corrente dos acontecimentos públicos, da história das famílias, dos factos e gestos de cada pessoa. Ao entrar em religião, «ela punha os pés sobre este mundo e fazia dele o primeiro degrau da escada que a elevava na região dos santos» (21); depois, olhou para baixo, desceu, e de boamente fala do que vê. As conversas piedosas não encontram eco nela; sobre os assuntos profanos, está informada; torna-se eloquente, sente-se que ela «fala da abundância
Sabedoria, V, 1-14.
S. João Crisóstomo.
(20) Santo Isidoro de Sevilha.
(21) S. Jerónimo.
do coração» (22). Ai! S. João adverte que «os que falam do mundo são do mundo» (23). De resto, ela pensa e ama como os mundanos. A fortuna, a beleza, o espírito, as boas maneiras, as casas bem mobiladas, as pessoas ricas, são as suas preferencias. Ela tem uma dificuldade incrível em se humilhar, em obedecer, em sofrer, em perdoar, em se calar, em ser ignorada. De boamente procura o olhar, a estima, os louvores, a afeição; tem um fraco por tudo o que vem de fora e que dá alguma satisfação aos seus desejos de ver, de saber, de parecer. Talvez ela seja daquelas «que se renderam ao amor do mundo e a quem Jesus Cristo já não pode suportar no seu coração» (24).
Como quereis vós que, com uma cabeça, um coração, uma imaginação e hábitos semelhantes, a castidade esteja segura? Num dia ou noutro precipita-se um turbilhão que arrasta essa imprudente; de resto, «amar o mundo, é já sinal de que se descaiu da pureza» (25). «Não se pode amar a Deus e ao mundo. Deus quer tudo, e por pouco que vós lhe tireis, o que
S. Lucas, VI, 45.
S. João, V, 5. (24) S. João Grisóstomo. (25) Santo Agostinho.
vós derdes ao mundo, por fim, arrastará o vosso coração e será o tudo para vós» (26). Possamos nós ver sempre «nas carícias do mundo o anzol que o demónio nos estende» (27), e ficar no caminho da humildade e da renúncia, lembrando-nos de que «se alguém agradar ao mundo, esse não é o servo de Cristo» (28).
Afectos. — «Já basta de me terdes suportado, Senhor, eu não quero mais hesitar em me dar a vós. Vós convidastes-me muitas vezes para acabar com o mundo e para me dedicar toda inteira a vós. Que objecto posso eu encontrar no mundo que me tenha amado mais? Vós, meu Redentor, sois todo o meu tesouro. Só Deus, só Deus, não quero senão a Deus» (Santo Af. de Ligório).
Exame.—Tenho eu, a respeito do mundo, os sentimentos de Jesus e dos santos? — É tudo evangélico, religioso nos meus juízos e nas minhas afeições? — Qual é o pendor dos meus pensamentos, das minhas conversas, das minhas actividades? — A minha vida é interior, oculta,
Bossuet.
S. Francisco de Assis. (28) Gál, I, 10.
cheia de renúncia? — Amo eu a pobreza, o sofrimento, as ocupações baixas, tudo o que favorece a humildade, o que me rouba ao mundo?
Resolução.
Ramalhete espiritual. — «Para se ser todo de Deus, não basta abandonar o mundo, é preciso desejar que o mundo nos abandone e nos esqueça» (Santo Af. de Ligório).
XVIII
DO AMOR DA SOLIDÃO
«A solidão é o sinal do desprezo do mundo» (1); «a prisão das paixões más e o triunfo da castidade» (2). «A clausura e as grades, que são a sua expressão mais enérgica, inspiram tal horror aos filhos do século, que não era preciso mais para justificar aos nossos olhos medidas que o mundo condena, por encontrar nelas a sua própria condenação» (3). Temos portanto, como remédio, contra o espírito do mundo: 1.° o amor da solidão; 2.° a clausura-
(1) Hugo de S. Victor. (2) S. Cesário. (3) P.e Gautrelet.
I. — O AMOR DA SOLIDÃO
A solidão é útil a duas classes de religiosos. «É na solidão que aqueles que conservaram a inocência do baptismo recebem o prémio da sua fidelidade. Como o mundo nunca teve lugar no seu coração, eles não conservam memória daquilo que não amaram. Purificam-se continuamente e trabalham para se tornarem dignos de jamais perderem o que amam» (4); «a solidão é a sua defesa mais segura» (5). Para os que chegam feridos ou convalescentes, «a divina misericórdia condu-los à solidão, a fim de que, pelo afastamento dos lugares e das pessoas que foram a causa das suas quedas, eles recuperem mais facilmente a justiça que tinham perdido, ou readquiram um vigor que os torne, de algum modo, iguais àquelas cuja santidade jamais recebeu danos (6); de nenhum modo os penitentes realizam melhor a sua purificação» (7).
De resto, todas as almas que amam a Deus procuram a solidão; ela é branca de inocência como os lírios» (8); «ela favorece o desa-
(4) De Rance. (5) S. Boaventura.
(6) De Rance. (7) S. Pedro Damião.
(8) S. Af., de Ligório.
brochar das virtudes» (9); ela é o instrumento da perfeição» (10). Toda a religiosa foi conduzida por Nosso Senhor para uma solidão mais ou menos completa. As almas sobrenaturais, recolhidas, interiores, amam tudo o que as mantém ocultas e solitárias; «reservam-se para o Único que escolheram» (11); «e nunca estão menos sós do que quando estão sós com Deus» (12). As que não compreendem a seriedade e a austeridade da vida religiosa, procuram o que as põe em contacto com o exterior, isto é, a dissipação, o ruído, o mundo, esquecendo-se de que «se está tanto mais afastado de Deus, quanto mais aproximado dos mundanos» (13).
Estas amam imoderadamente as saídas ou o palratório. É nisso que reside o espírito da sua vocação? «A verdadeira esposa de Jesus Cristo não aprecia nem procura a conversa dos que poderiam prejudicar o seu voto de castidade; evita-os como a serpentes venenosas. Quantas colunas derrubadas, por terem querido sair das suas celas, sem a isso serem obrigadas,
(9) S. João Crisóstomo. (10) S. Tomás.
(11) S. Bernardo. (12) Santo Ambrósio.
(13) S. Maurício, abade.
por ligeireza de coração ou mesmo por caridade mal entendida» (14).
«As visitas, diz S. Vicente de Paulo, devem, muitas vezes, ser suprimidas ou moderadas, mesmo tratando-se de pessoas sensatas que vivem no mundo».
Pelo menos deve-se estar acompanhada de uma outra irmã e rodeada de modéstia, de prudência e de um santo temor.
Não se deve usar de menos vigilância nas visitas a receber. «Ninguém é mais digno de compaixão do que uma religiosa que ama o mundo e que, não podendo ir para ele, o manda vir para ela, e passa um tempo considerável no locutório, em conversas vãs, em distracções, em críticas, em passatempos, a informar-se do que se passa no exterior. Ó minha irmã, Deus, na sua bondade, livrou-vos dos perigos do mundo e deu-vos força para os deixardes; porque vos expondes a esses perigos de que fugistes?» (15). Talvez haja matéria para um sério exame nas religiosas que estão ocupadas em funções exteriores, principalmente na educação das crianças: é fácil a ilusão, e ao fim de pouco
Santa Catarina de Sena.
S.to Af. de Ligório.
tempo «a esposa de Jesus Cristo já não será o jardim fechado que se não deve abrir a ninguém senão a Ele» (16).
II. — A CLAUSURA
«Foi principalmente para favorecer a castidade, de que as pessoas religiosas fazem profissão, que se introduziu a lei da clausura; ela deve ser «considerada como uma dependência do voto de castidade» (17). A clausura é a salvaguarda dos votos. É indubitável que a facilidade de sair, de ver a família, de conservar relações lá fora, cria certos perigos para a prática da pobreza, maiores ainda para o voto de castidade. Bem defendida, a clausura protege esses votos, e torna mais imediata, mais constante a dependência e a obediência. Além disso, ela é a consagração do sacrifício religioso: colocar os selos numa casa, é atestar a posse daquele que os manda colocar; assim, a clausura consagra a propriedade exclusiva de Deus. A clausura é ainda uma barreira entre a alma religiosa e o mundo; preserva-a do seu espírito,
S.ro Af. de Ligório.
P.e Gautrelet.
das suas máximas, da sua frivolidade, do seu brilho sedutor, das suas promessas falazes, da sua crónica escandalosa. Ela restringe a vida dos sentidos, a evaporação dos sentimentos, os voos da imaginação e, do mesmo modo, desenvolve e aperfeiçoa a vida da graça, a vida divina, a vida interior, a doçura e a intimidade das relações com Deus. Por estas razões, Santa Teresa, antes da sua reforma, exclamava: «Foi para mim uma desgraça não ter entrado num mosteiro em que se observasse, com exactidão, a clausura» (18).
Contudo, as religiosas que desempenham as funções de Marta, ou alternam com as de Maria, nada têm a lamentar. Fazendo a vontade de Deus, elas fazem o que há para elas de melhor e de mais perfeito. Imitam propriamente a vida d'Ele; porque «Ele está infinitamente separado de tudo pela pureza do seu ser, e é infinitamente comunicativo por um efeito da sua bondade» (19). Resta-lhes fazerem «no próprio seio do seu coração um claustro misterioso e profundo, ou então uma montanha alta e deserta em que a sua alma se retire, se recolha, no meio das mais agitadas ocupações, e se en-
(18) Santa Teresa. (19) Bossuet.
tretenham secretamente com Deus, dedicando--se com ardor às funções que a obediência lhes confiou» (20). Quantas tempestades e abalos se podem experimentar numa caverna muda, e que turbilhões nós podemos enfrentar no mundo, sem deixarmos contaminar a nossa alma?!
É portanto «a solidão de espírito que é necessária; sem ela, a solidão do corpo não produz efeito algum» (21). As boas religiosas cumprem redondamente, energicamente os seus deveres de estado; fazem para si um claustro interior de modéstia, de prudência, de recolhimento» (22); «não procuram, nas suas funções exteriores, ocasiões de distracção, mas unicamente o serviço das almas e a glória de Deus, e, logo que podem, saem do mundo e voltam para Jesus Cristo» (23). Nestas condições, elas parecem-se com a abelha que sai para libar no campo, mas volta imediatamente para o cortiço, fabricar o seu mel. Fora disso, não se tem direito à protecção divina; «a mistura com o mundo é prejudicial à pureza; o espírito esvazia-se do santo pensamento de Deus e enche-se do amor das criaturas» (24).
(20) Möns. Plantier. (21) S. Gregório. (22) Möns. Plantier. (23) S.to Af. de Ligório. (24) S. Vicente de Paulo.
Afectos. — «Morre, ó minha alma, morre incessantemente para todas as criaturas que te desviam do Criador; sê solitária, foge deste mundo; se o procurares, ele seduzir-te-á. Onde podes tu estar melhor do que com Jesus Cristo, onde podes tu estar bem sem Ele? Sê portanto, ó minha alma, um jardim fechado, que seja somente Jesus a ter a chave dele» (P.e Avrillon).
Exame. — Amo eu a solidão, a vida oculta, o espírito interior? — São, porventura, a necessidade, a obediência e a caridade as únicas razões que me põem em contacto com o mundo? — Não me iludo sobre a utilidade que há em ver, receber seculares, em conviver com eles ? — Mostro-me verdadeira religiosa pela reserva, modéstia, prudência, austeridade? — Termino as visitas e conversas logo que posso?
Resolução.
Ramalhete espiritual. «Fujamos, fujamos, escondamo-nos; evitemos os próprios santos que nós não encontramos no refúgio sagrado do Esposo» (Bossuet).
DA VIGILÂNCIA
«Vigiai e orai, para não cairdes em tentação» (1). Tal é a recomendação que Nosso Senhor faz aos seus discípulos, Ele que conhece tão bem a argila de que somos feitos (2). Ela é dirigida igualmente a nós que temos, como eles, «um espírito pronto, mas um corpo frágil» (3). A vigilância é bem necessária, porque, uma vez perdida «a bem-aventurada integridade, só à custa de duros trabalhos pode voltar a ser casta» (4). Meditemos: 1.° o dever da vigilância; 2.° as regras da vigilânca.
I. — O DEVER DA VIGILÂNCIA
«Tomai a peito conservar a virgindade da vossa alma, estai de olhar sempre atento às astúcias e às carícias do dragão; desde o momento em que deixardes de vigiar, os vossos cinco sentidos, que são como outras tantas virgens, serão corrompidos pela serpente». (5) Di-
(1) S. Mateus, XXVI, 41. (2) Job, X, 9.
(3) S. Marcos, XIV, 38. (4) S. Cipriano.
(5) Santo Agostinho.
zia o Salvador: «Vigiai, porque não sabeis nem o dia nem a hora» (6). Falava da sua vinda; esta advertência pode entender-se também do assalto do demónio que vem muitas vezes de improviso e sem que nada faça suspeitar da sua aproximação. O grande talento numa guerra, é saber surpreender o inimigo; o erro e a desgraça é deixar-se o exército surpreender: depois de um dia de batalha, os soldados fatigados que repousam no campo estão sempre sob a vigilância das sentinelas. Nos combates incessantes, no meio dos quais decorre laboriosamente a nossa vida espiritual, a vigilância é também a nossa primeira segurança e o nosso primeiro dever.
«A vigilância é uma atenção perseverante da alma sobre si mesma e sobre tudo aquilo que a rodeia. Toda a virtude que teme uma derrota, deve considerar-se como uma praça sitiada. Que faz aquele que tomou uma cidade cercada, agora confiada à sua guarda, e que jurou morrer, de preferência a render-se? De dia e de noite, ele olha e escuta. Observa os movimentos e escuta os ruídos de dentro e de fora. Ao primeiro grito de alarme, ao menor ruído suspeito, lá está ele de pé, a multiplicar
(6) S. Mateus, XXV, 13.
as suas ordens, e a mandar marchar as suas forças para onde se pressente o perigo» (7). Eis «o forte armado, a guardar a sua própria casa; aquilo que ele possui, está em segurança» (8).
Os apóstolos tinham adormecido, quando o Salvador lhes deu de conselho que vigiassem. Há o sono «daqueles que estão sentados à sombra da morte» (9), os pobres pecadores. O pecado e uma rede de malhas apertadas, em que o demónio os tem cativos. «A primeira vigilância é a vigilância do estado de graça, ou então o regresso da alma ao dia cristão, mantido o olhar interior, capaz de ver a verdadeira luz» (10). «Marchai como convém a pessoas a quem o sol ilumina» (11).
Mas não basta poder abrir os olhos, é preciso conservá-los abertos, defendermo-nos mesmo da sonolência, e não nos parecermos com aquelas sentinelas de que fala o profeta, «semelhantes a gafanhotos engordados nas sarças». Que resistência pode opor ao inimigo «a alma preguiçosa, mole, covarde, pusilânime, à qual todo o sacrifício espanta, que se poupa em tu-
(7) R. P.e Monsabré. (8) S. Lucas, XI, 21.
(9) Salmo CVI. 10. 10) Mons. Gay.
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