85
GAUDÊNCIO
FRIGOTTO
O nome “sem partido” também não é inocente: sob a roupagem de se
defender que a escola não “tome partido” de alguma ideologia, aproveita-se
da reação que a sociedade brasileira tem mostrado em relação aos partidos
políticos – face a marcas fisiológicas que atravessam a histórica de vários
deles – como artifício de sedução e adesão dos cidadãos a suas ideias. Com
isto, esvazia-se profundamente o sentido da política para que a sociedade – na
forma de um consentimento ativo ou passivo – delegue o poder àqueles que
historicamente oprimem os que não se enquadram nos padrões hegemônicos
de uma classe dominante autoritária e escravocrata.
Assim, o Escola sem Partido é uma estratégia dessa classe dominante que
não se inibe de se apoiar no medo e na coerção para defender seus interesses.
Diferentemente do conceito clássico de hegemonia em Gramsci (1991) –
“coerção revestida de consenso” – em que a coerção, ainda que não deixe de
existir, é implícita, aqui ela se manifesta na criminalização
do trabalho docente,
enquanto se obtém o consenso da sociedade com a bandeira da neutralidade
da instrução (supostamente a vertente exclusivamente técnica da formação),
e esta não se confundiria com educação (supostamente a vertente moral da
formação), reservada exclusivamente à família. O Escola sem Partido é, as-
sim, a antítese do sentido da escola a qual, por sua vez, se transformaria num
tribunal ideológico que legitimaria e naturalizaria a violência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGAMBEN, Giorgio.
Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
RAMOS, Marise.
A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação.
São Paulo: Cortez, 2001.
_____.
Trabalho, educação e correntes pedagógicas no Brasil: um estudo a par-
tir da formação dos trabalhadores técnicos da saúde. Rio de Janeiro: EdUFRJ;
EPSJV/Fiocruz, 2010.
SAVIANI, Dermeval.
Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1988.
Educação e liberdade: apontamentos para um bom
combate ao Projeto de Lei Escola sem Partido
1
Amana Mattos
*
Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi
**
Carina Martins Costa
***
Conceição Firmina Seixas Silva
****
Luciana Velloso
*****
Paula Leonardi
******
Verena Alberti
*******
Fernando
de Araujo Penna
********
INTRODUÇÃO
Em 2014, Flávio Bolsonaro, Deputado Estadual pelo Rio de Janeiro, en-
trou em contato com o advogado Miguel Nagib, criador do movimento Escola
sem Partido, com um pedido: desenvolver um projeto de lei que colocasse
em prática as propostas de seu movimento. Nagib atendeu prontamente ao
pedido e Flávio Bolsonaro apresentou à Assembleia Legislativa do Estado do
1 Este texto é resultado de uma série de debates e atividades que vêm sendo realizados, pelas autoras e
autor, a respeito dos projetos de lei propostos pelo movimento Escola sem Partido. Uma versão preli-
minar foi publicada em 15/6/2016 com o título: “Escola sem Partido” ou educação sem liberdade. Dis-
ponível no
blog do Núcleo de Pesquisa e Desconstrução de Gêneros (Degenera):
wordpress.com/2016/06/15/escola-sem-partido-ou-educacao-sem-liberdade/>. Acesso em: 9/9/2016.
* Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Professora Adjunta do
Instituto de Psicologia e Programa de Pós-graduação em Psicologia Social na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ).
** Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Associada da Facul-
dade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
*** Doutora em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professora Ad-
junta do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
**** Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora Adjunta da
Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
***** Doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora Adjunta
da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
****** Pós-doutora em História da Educação e Historiografia pela Faculdade de Educação da Univer-
sidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ).
******* Pós-doutora em Ensino de História pelo Institute of Education da University of London (UCL).
Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
******** Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Adjunto
da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
88
ESCOLA “SEM” PARTIDO
Rio de Janeiro (Alerj) o Projeto de Lei n° 2.974/2014, que propõe a criação
do Programa Escola sem Partido, no âmbito do sistema de ensino do Estado.
No
mesmo ano, o Vereador Carlos Bolsonaro, irmão de Flávio, apresentou à
Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro um projeto quase idêntico, o PL n°
867/2015. Miguel Nagib disponibilizou, no
site do programa, dois anteprojetos
de lei, um estadual e outro municipal, bastando a deputados e vereadores de
qualquer lugar do Brasil acessar o
site, copiar a proposta e apresentá-la como
sua nas câmaras municipais e estaduais.
Atualmente, projetos de lei que tentam estabelecer o Escola sem Partido
tramitam nacionalmente em sete estados, no Distrito Federal e em inúmeros
municípios, já tendo sido aprovados em alguns deles,
com este ou outros no-
mes. Mas qual é, afinal, a proposta deste movimento? Quais são as concepções
que o norteiam?
Miguel Nagib esclareceu, em recente debate no Senado Federal,
2
que o
projeto foi inspirado no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no intuito
de proteger a “parte mais vulnerável” da relação de ensino-aprendizagem, o
estudante. A alusão ao CDC não é fortuita e revela a compreensão da educação
como prestação de serviços e o exercício da cidadania como ajuste e proteção
da parte vulnerável nos contratos. Néstor Canclini (2006), ao analisar as mu-
danças na forma de consumir e as possibilidades de exercer a cidadania no
contemporâneo, aponta para a degradação da política e o fortalecimento de
outros modos de participação, centrado no consumo de bens e dos meios de
comunicação.
Para ele, assistimos a uma perigosa associação entre consumidor
e cidadão, que reduziria a vitalidade democrática.
Em direção semelhante, Rancière ressalta que:
A democracia não é nem a forma de governo que permite à
oligarquia reinar em nome do povo nem a forma da sociedade
regulada pelo poder de mercadoria. Ela é a ação que arranca conti-
nuamente dos governos oligárquicos o monopólio da vida pública
e da riqueza a onipotência sobre a vida. (Rancière, 2014, p.121)
2 Fala do advogado Miguel Nagib, em debate na Comissão de Educação no Senado Federal,
presidi-
do pelo Senador Cristovam Buarque, em 1/11/2016: “Nosso projeto foi inspirado no Código de Defe-
sa do Consumidor. O Código de Defesa do Consumidor, ele intervém na relação entre fornecedores
e consumidores para proteger a parte mais fraca, que é o consumidor, o tomador de serviços que são
prestados pelos fornecedores. Da mesma maneira, a nossa proposta intervém na relação de ensino-
-aprendizagem para proteger a parte mais fraca dessa relação, que é o estudante, aquele indivíduo
vulnerável que está se desenvolvendo”. [transcrição da fala, intervalo 2:58:50-2:59:30] Disponível em:
Compartilhe com seus amigos: