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GAUDÊNCIO FRIGOTTO
fetichismo da mercadoria.
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Nas sociedades industriais avançadas, diz o autor,
e na brasileira, hoje, dizemos, estão muito bem caracterizadas a sedução do
consumo, as modas, a publicidade, a dominação das imagens, a submissão ao
império da mídia que se assenhoraram de todos os âmbitos do conhecimento
(arte, economia, política etc.). Há uma coisificação
geral da vida e dos sen-
timentos. As modernas condições de produção tornaram toda a vida social
uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo se tornou uma representação.
No espetáculo permanente oferecido pelos meios de comunicação, há uma
cisão entre a vida dos sujeitos e as imagens que simulam a vida, confundindo
a aparência com a realidade. Há alteração dos critérios de verdade em favor
do que é visto, ouvido, sentido, interpretado pelos sujeitos.
Na alteração dos critérios de verdade está outra parte do embuste da
publicidade do Escola sem Partido. A edição de 19/9/2016 do
The Economist,
comentada por
O Globo recentemente,
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fala da era da “pós-verdade” política,
“a crença em afirmações ´sentidas como verdadeiras´, mas que não têm ne-
nhuma base nos fatos”. São inverdades reproduzidas, curtidas,
compartilhadas
nas redes sociais.
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O critério de verdade é abandonado em favor de rumores
e opiniões que ajudam na difusão de inverdades e na organização das forças
sociais com base em suposições.
Penna busca pensar o Escola sem Partido como um discurso que vem sendo
compartilhado desde 2004, quando o movimento foi criado, e que se apresenta
desde então como uma “chave de leitura para entender o fenômeno educacio-
nal”, assim como “a ameaça apresentada por esse discurso e os projetos de lei
que incorporam suas ideias”, contraditórios com a legislação educacional atual.
O Escola sem Partido utiliza-se de uma “linguagem próxima do senso comum,
recorrendo a dicotomias simplistas que reduzem questões complexas a falsas
alternativas”,
e expande-se por meio de memes, “imagens acompanhadas de
breves dizeres”, por “quatro elementos principais: primeiro, uma concepção de
escolarização; segundo, uma desqualificação do professor; terceiro, estratégias
discursivas fascistas; e, por último, a defesa do poder total dos pais sobre os seus
filhos”. Contém estratégias discursivas fascistas através de “analogias voltadas
à docência, que desumanizam o professor”, tratando-o como “um monstro,
um
parasita, um vampiro” na forma de
memes ofensivos, incluindo Gramsci
e Paulo Freire. Instalam um “clima de denuncismo” e “um discurso de ódio”.
3 MARX, Karl.
O Capital. (Crítica da Economia Política). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
4
The Economist critica a era da “pós-verdade”.
O Globo, País, 8/10/2016, p.6.
5 Disponível em:
lied-does-it-matter-if-they-leave-truth-behind-entirely-art/>. Acesso em: 8/10/2016.
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ESCOLA “SEM” PARTIDO
Entendemos que o Escola sem Partido significa uma volta funcional e
sectária aos ideólogos brasileiros conservadores e ao positivismo do início do
século XX.
6
Também o Brasil da Operação Lava Jato, endeusada pela firmeza
oblíqua da justiça curitibana,
encontra em Giorgio Agamben, como lembrado
por Frigotto e outros autores, uma explicação coerente com o “Estado de
exceção” em que vivemos e com a mistificação dos valores e dos critérios de
verdade na vida social. É o que indica Agamben quando trata do arrependi-
mento do delator como critério de aceitação de “suas” verdades: “denunciar os
companheiros é garantia de veracidade do arrependimento e o arrependimento
íntimo sanciona a autenticidade da denúncia”.
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Betty Espinosa e Felipe Campanuci Queiroz
expõem em detalhes a ori-
gem do pensamento que deu base ao Escola sem Partido. Alertam que, no que
teria parecido “uma simples cilada sem maiores consequências, esconde-se
uma poderosa teia de relações que surpreende
pelo cunho conservador, com
várias articulações e redes por meios digitais que perpassam por entidades
da sociedade civil, instâncias religiosas e partidos políticos”, apesar de sua
inconstitucionalidade estar defendida por juristas de renome. O movimento
se declara inspirado, entre outros, na iniciativa norte-americana denominada
No Indoctrination, com base em um “suposto apartidarismo para questionar
as posturas dos professores em sala de aula”. Seus partidários agem como
“a organização também
norte-americana, Campus Watch,
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que publica in-
formes e incentiva estudantes universitários a denunciarem professores que
possam ter posições ideológicas anti-israelenses ou que simplesmente sejam
simpáticos à causa palestina”. Outras são de inspiração cristã, a exemplo de
“o Creation Studies Institute
(CSI), que combate a suposta
indoctrination nas
escolas públicas americanas”, como chamam a teoria da evolução, a perspectiva
de gênero, temas
afins com o multiculturalismo, “através da difusão de material
audiovisual e publicações”, e “oferecem em seu
site
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um portfólio de serviços,
como o
homeschooling”. No Brasil, os autores destacam as mídias existentes
e a atuação dos setores evangélicos, notadamente as igrejas neopentecostais,
logrando “consolidar uma pauta na agenda pública nacional de cunho altamente
conservador e retrógrado”. Os autores contribuem ainda com informações
sobre instrumentos de análise e acompanhamento para ações de resistência.
6 A exemplo de Oliveira Vianna, Alberto Torres e seus inspiradores,
como De Bonald, Joseph
de Maestre.
7 AGAMBEN, Giorgio.
Meios sem fim. Notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p.116.
8 Disponível em:
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