. Acesso
em: 15/9/2016.
16 Disponível em: . Acesso em: 15/9/2016.
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GAUDÊNCIO FRIGOTTO
organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de
cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua pró-
pria visão de mundo”. Isso está no “quem somos” do movimento. Eles também
citam um juiz da Suprema Corte norte-americana que fala que “um pouco de
luz de sol é melhor desinfetante”. [grifos meus] Então, é uma “contaminação”,
é um “exército de militantes”, é algo a ser desinfetado da sala de aula.
As analogias desumanizantes são ainda mais agressivas nas redes sociais,
na forma de memes. Imagens com vampiros morrendo com estacas no coração
são compartilhadas acompanhadas dos seguintes dizeres: “a afixação desse
cartaz nas salas de aula – como prevê o PL do Escola sem Partido – terá o
efeito de uma estaca de madeira cravada no coração da estratégia gramsciana
que vampiriza os estudantes brasileiros há mais de 30 anos”
17
. Atenção ao re-
corte: 30 anos. O recorte não é casual e eles insistem nesse recorte em vários
momentos: 30 anos, grosso modo, é o período da nossa redemocratização.
Então, a educação neutra era aquela que acontecia durante a ditadura militar?
É isso que está sendo dito aqui? Em uma outra imagem, em que eles adaptam
e colam o rosto do Gramsci na estaca, está escrito Escola sem Partido: “Conde
Gramsci, o vampiro que vampiriza a educação brasileira com a ajuda de Paulo
Nosferatu Freire, pode estar com seus dias contados”. Em um outro meme,
podemos ver um carrapato com a estrela do PT – “conheça o famoso carrapato
estrela, o Carrapatus gramscii, o parasita ideológico da educação brasileira”.
E temos aqui essa ideia de que existe uma conspiração: “quem lucra com a
doutrinação nas escolas?”, com uma estrela do PT no fundo.
18
Então a ideia
de que é uma conspiração que controla tudo, a escola, o sistema educacional,
está dominado por um grupo, que eles chamam de petistas ou petralhas.
O petismo continua... porque o PT está momentaneamente fora
do poder, mas o petismo continua dominando a máquina do Es-
tado, sobretudo o sistema educacional. (Miguel Nagib em vídeo
compartilhado pelos Revoltados On Line)
19
17 Disponível em: . Acesso
em: 15/2/2017.
18 Parte dessas imagens encontra-se disponível em: press.com/2016/06/03/o-odio-aos-professores/>. Acesso em: 15/9/2016.
19 O vídeo originalmente foi disponibilizado na página do Facebook do Revoltados On Line, mas
ela foi recentemente apagada desta rede social. O vídeo havia sido salvo e encontra-se disponível em:
. Acesso em: 18/9/2016.
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ESCOLA “SEM” PARTIDO
É explícito. O Escola sem Partido é um movimento apartidário segundo
eles, mas o foco é claro: o petismo foi retirado da Presidência, mas ele conti-
nua dominando a máquina do Estado, especialmente o sistema educacional.
É essa conspiração, e nós já vimos denúncias de conspirações como essa em
outros contextos. O projeto propõe a criação um canal de denúncia direto
entre os alunos e a Secretaria de Educação que receberia denúncias anônimas
e passaria para o Ministério Público. Esse clima de denuncismo já é muito
forte. Então, eu vejo aqui um discurso de ódio, explicitamente formulado,
voltado aos professores, à docência, e uma tentativa de enquadrar a discussão
educacional dentro de uma polarização mais ampla na nossa política nacional.
A DEFESA DO PODER TOTAL DOS PAIS SOBRE OS FILHOS
Para concluir, nós temos uma defesa do poder total dos pais sobre os filhos.
O lema que eles começaram a usar é chamado “#MeusFilhosMinhasRegras” e
a ideia da “ideologia de gênero”. Eu agora vou mostrar o restante daquele vídeo
que eu acabei de passar um pedaço. Quando foi filmado aquele vídeo? Aquele
vídeo foi filmado no dia 25/5/2016, quando o ainda Ministro interino da Edu-
cação, Mendonça Filho, realizou uma das suas primeiras audiências públicas
com pessoas, grupos vindos de fora, ao atender a sociedade civil. Que grupo era
esse? O grupo Revoltados On Line, que foi composto, inclusive, por Alexandre
Frota. E eles foram levar suas pautas para a educação nacional. A principal das
pautas era a defesa do Escola sem Partido. Eles gravaram um vídeo na frente do
Ministério da Educação contando o feito deles. Além desse vídeo, no mesmo
dia, eles produziram um outro: eles foram ao encontro do advogado Miguel
Nagib e gravaram um vídeo explicando um pouquinho qual era a importância
de defender o Escola sem Partido. Então é esse vídeo que vocês vão ver agora.
A segunda prática ilegal que também se disseminou no sistema
educacional é a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a
sua educação moral, da autoridade moral dos pais sobre os seus
filhos. Também a máquina do Estado, o sistema educacional está
sendo usado para isso, para afrontar a autoridade moral dos pais
dos alunos sobre eles. [E aí, a gente vê, por exemplo, a lei da pal-
mada é uma consequência disso. Tirar a autoridade dos pais, né,
Miguel?] Há um ataque frontal à família. O petismo continua...
porque o petismo não acabou. O PT está momentaneamente fora
do poder, mas o petismo continua dominando a máquina do
Estado e sobretudo o sistema educacional. [Nós já fizemos uma
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GAUDÊNCIO FRIGOTTO
frase, um slogan: “Não mexam com as nossas crianças. Meus filhos,
minhas regras”]. (Miguel Nagib, em vídeo compartilhado pelos
Revoltados On Line)
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Segundo Miguel Nagib, os professores estariam usurpando a autoridade
moral dos pais. E então, uma dessas pessoas fala no vídeo que um ótimo
exemplo dessa usurpação da autoridade moral dos pais seria a lei da palmada.
Então, ficam as perguntas: a lei da palmada é uma usurpação do direito mo-
ral dos pais? Essa autoridade passa pela violência contra as crianças, é isso?
O movimento Escola sem Partido adota, depois desse vídeo, o lema “#NãoMe-
xamComAsNossasCrianças, #MeusFilhosMinhasRegras”. Uma das imagens
que captura isso, um dos memes, coloca uma “família tradicional” (um homem
e uma mulher, com um filho e uma filha), com os pais segurando um guarda-
-chuva, no qual está escrito “minha família, minhas regras”. Chove sobre eles
uma chuva com as cores do arco-íris, uma referência bastante direta ao que
eles chamam de “ideologia de gênero”. Como eles usam esse termo “ideologia
de gênero”? Seria uma ideologia antifamília, uma tentativa de transformar
os jovens em gays e lésbicas, um ataque à família. Preciso reafirmar aqui que
discutir gênero em sala de aula não é isso. Muito pelo contrário. Se eu tivesse
que tentar sistematizar, é a tentativa de mostrar como as relações entre os
gêneros, homem, mulher e outras configurações, como elas são construídas
historicamente, para desconstruir desigualdades, homofobia, machismo e
coisas assim. Mas eles colocam que seria uma ideologia contra a família.
E aqui, para vocês verem contra o que eles estão argumentando, busquei as
denúncias deles relativas à questão da “doutrinação religiosa” e a de “ideologia
de gênero”. Eu trouxe duas que estão no blog “De olho no livro didático”, de
um membro do Escola sem Partido chamado Orley Silva, se não me engano.
Uma das denúncias mais recentes diz o seguinte: “Candomblé e Umbanda
em livros didáticos de 2016 do MEC para ensino fundamental. Alunos de
escolas públicas e privadas, inclusive confessionais, que estudarem com os
livros didáticos de 2016 do MEC, ou seja, crianças de 6 a 10 anos, serão dou-
trinados sistematicamente no Candomblé e na Umbanda”,
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se é que vocês
podem acreditar nisso. Por que eles estão dizendo que tem doutrinação reli-
20 O vídeo originalmente foi disponibilizado na página de Facebook do Revoltados On Line, mas
ela foi recentemente apagada desta rede social. O vídeo havia sido salvo e encontra-se disponível em:
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