Ele é assim mesmo. É o que ele faz.
Quero dizer pra ela e pro Charlie e pra Brenda, pra Kate, pra mãe dele: Ninguém se importa
com o motivo pra ele fazer isso? Vocês já pararam pra pensar que pode ter alguma coisa
errada?
Entro na cozinha e dou uma olhada na geladeira e na mesa pra ver se ele deixou algum
bilhete, porque parecem bons lugares pra deixar um bilhete, então abro a porta da garagem,
que está vazia. O Tranqueira também não está.
Encontro Decca de novo e peço pra me avisar se tiver notícias do irmão e dou o número do
meu celular. Na rua, procuro pelo carro dele, que tampouco está lá.
Pego o telefone. Cai na caixa postal de novo.
— Finch, cadê você?
DIA 80
(
UM P*TA RECORDE MUNDIAL
)
No poema “Epílogo”, Robert Lowell pergunta: “Mas por que não dizer o que aconteceu?”.
Respondendo, sr. Lowell, não sei ao certo. Talvez ninguém saiba. Tudo o que sei é que fico
pensando: Quais sentimentos são reais? Quais dos meus eus sou eu? Só há um eu de que
realmente gostei, e esse eu ficou bem e desperto o máximo possível.
Não pude evitar a morte do passarinho, e isso fez com que me sentisse responsável. De
certa forma, eu fui — nós fomos, minha família e eu —, porque nossa casa foi construída onde
a árvore dele costumava ficar, a árvore pra onde ele tentava voltar. Mas talvez ninguém
pudesse ter evitado.
Você foi, sob todos os aspectos, tudo o que alguém poderia ser. […] Se existisse alguém
capaz de me salvar, seria você.
Antes de morrer, Cesare Pavese, crente no Grande Manifesto, escreveu: Não nos
lembramos de dias, nos lembramos de momentos.
Lembro de correr por uma estrada a caminho de um viveiro cheio de flores.
Lembro de seu sorriso e sua risada quando eu estava no meu melhor, e de ela me olhar como
se eu não pudesse fazer nada de errado e fosse completo. Lembro de ela me olhar desse jeito
mesmo quando não estava no meu melhor.
Lembro de sua mão na minha e dessa sensação, de que alguma coisa e alguém me
pertenciam.
O RESTO DE MARÇO
A primeira mensagem vem na quinta-feira.
A verdade é que todos aqueles dias foram perfeitos.
Assim que leio, ligo pro Finch, mas ele já desligou o celular e cai na caixa postal. Em vez
de deixar uma mensagem de voz, escrevo de volta:
Todos estamos muito preocupados. Eu estou preocupada.
Meu namorado desapareceu. Por favor, me ligue.
Horas mais tarde, ele escreve:
Não desapareci. Me encontrei.
Respondo imediatamente:
Onde você está?
Mas ele não responde.
Meu pai mal fala comigo, mas minha mãe consegue conversar com a sra. Finch, que diz que
o filho tem mantido contato pra avisar que está bem, pra ela não se preocupar, e que promete
mandar notícias toda semana, o que significa que vai ficar fora um tempo. Não há necessidade
de chamar um psiquiatra (mas obrigada pela preocupação). Não há necessidade de ligar pra
polícia. Afinal de contas, às vezes ele faz isso. Parece que meu namorado não está
desaparecido.
Mas ele está.
— Ele disse pra onde foi? — Quando pergunto, vejo que minha mãe parece preocupada e
cansada e tento imaginar como seria se fosse eu a desaparecida, não Finch. Meus pais fariam
com que todos os policiais de uns cinco estados diferentes me procurassem.
— Se ele disse, ela não me contou. Não sei o que mais podemos fazer. Se nem os pais não
estão preocupados… Bom, acho que precisamos confiar que Finch está falando a verdade e
está bem. — Mas ouço tudo o que ela não está dizendo: Se fosse meu filho, eu mesma estaria
atrás dele pra trazê-lo de volta pra casa.
Na escola, sou a única que parece sentir sua falta. Afinal de contas, ele é só mais um
causador de problemas que foi expulso. Nossos professores e colegas já se esqueceram dele.
Então todos agem como se nada tivesse acontecido e tudo estivesse bem. Vou pra aula e toco
em um concerto da orquestra. Faço a primeira reunião da Semente, somos vinte e duas, só
garotas, com exceção de Adam, o namorado de Briana Boudreau, e Max, o irmão de Lizzy
Meade. Tive resposta de duas outras faculdades — Stanford, um não, e
UCLA
, um sim. Pego o
celular pra contar pro Finch, mas a caixa postal está lotada. Nem tento mandar mensagem de
texto. Sempre que escrevo, ele leva um tempão pra responder, e quando responde nunca é uma
resposta real a alguma coisa que eu mandei.
Começo a ficar brava.
Dois dias depois, Finch escreve:
Estou no galho mais alto.
Na manhã seguinte:
Fomos escritos a tinta.
No mesmo dia, à noite:
Acredito em sinais.
Na tarde seguinte:
O brilho da Ultravioleta.
No dia seguinte:
Um lago. Uma prece. É tão adorável ser adorado em Particular.
Então tudo fica quieto de novo.
ABRIL
Dia 5 de abril, domingo de Páscoa. Meus pais e eu vamos até a ponte da rua A e descemos
para o leito seco do rio pra deixar flores no lugar onde Eleanor morreu. Uma placa de carro
está fincada no chão, uma placa que de repente me parece familiar, e em volta dela há um
pequeno jardim onde alguém plantou flores. Finch.
Tenho calafrios, não só por causa do ar frio. Um ano se passou, e apesar de meus pais não
falarem muito enquanto estamos aqui, sobrevivemos.
A caminho de casa, me pergunto quando Finch esteve lá — quando achou a placa pela
primeira vez, quando voltou. Espero que meus pais falem sobre o jardim ou conversem sobre
Eleanor, que digam o nome dela hoje. Como não acontece, falo:
— Foi ideia minha ver o Boy Parade no recesso de primavera. Eleanor não gostava tanto
assim deles, mas disse: “Se você quer ver o Boy Parade, então vamos vê-los, mas pra valer.
Vamos segui-los por todo o Meio-Oeste”. Ela era boa nisso, levar as coisas um passo adiante
e fazer com que tomassem forma e ficassem mais emocionantes. — Como outra pessoa que eu
conheço.
Começo a cantar minha música preferida do Boy Parade, a que mais me lembra dela. Minha
mãe olha pro meu pai, que está com os olhos fixos na estrada, e começa a cantar comigo.
Em casa, sento à escrivaninha pensando sobre a pergunta da minha mãe: Por que quero
começar outra revista?
Analiso o quadro na parede. Minhas anotações ultrapassam o quadro e atravessam a parede
até chegar ao closet. Abro o caderno de andanças e viro as páginas. Na primeira vazia,
escrevo:
Semente — substantivo: a origem de algo; uma coisa que pode servir de base para crescimento ou
desenvolvimento.
Leio de novo e acrescento:
A revista
Semente
é para todos…
Risco.
Tento mais uma vez:
O objetivo da revista
Semente
é entreter, informar e mantê-lo seguro…
Risco também.
Penso em Finch e Amanda, então olho pra porta do closet, onde ainda dá pra ver os buracos
das tachinhas que prendiam o calendário. Penso no “X” preto que riscava a cada dia porque
tudo o que eu queria era que ficassem pra trás.
Viro a página e escrevo:
Revista
Semente.
Você começa aqui.
Então arranco e colo na parede.
Não tenho notícias de Finch desde março. Não estou mais preocupada. Estou brava. Brava
com ele por ir embora sem falar nada, brava comigo mesma por ser tão abandonável e por não
ter sido o suficiente pra que ele quisesse ficar. Faço as coisas normais pós-término de namoro
— tomo sorvete direto do pote, ouço músicas do tipo “estou melhor sem ele”, escolho uma
foto nova pro perfil do Facebook. Minha franja finalmente está crescendo e volto a parecer a
Violet de antes, mesmo não me sentindo mais a mesma. No dia 8 de abril, junto as poucas
coisas que tenho dele, coloco em uma caixa e guardo no fundo do closet. Chega de
Ultravioleta Markante. Volto a ser Violet Markey.
Onde quer que Finch esteja, está com nosso mapa. No dia 10 de abril, compro outro pra
terminar o projeto, o que preciso fazer com ele ou sozinha. Agora as únicas coisas que tenho
são memórias dos lugares. Nada pra mostrar que estive lá, a não ser algumas fotos e nosso
caderno. Não sei como juntar tudo o que vimos e fizemos em uma coletânea compreensível,
que faça sentido pra outra pessoa. O que quer que tenhamos feito ou sido juntos não faz
sentido nem pra mim.
No dia 11 de abril, pego emprestado o carro da minha mãe, e ela não pergunta aonde estou
indo, mas ao entregar as chaves diz:
— Ligue ou mande mensagem quando chegar e quando estiver voltando.
Vou pra Crawfordsville, onde faço uma tentativa desanimada de visitar o Museu da Prisão
Rotativa, mas me sinto uma turista. Ligo pra minha mãe pra dar notícias e depois entro no
carro. É um sábado quente. O sol está brilhando. Parece primavera e lembro que,
tecnicamente, já é. Enquanto dirijo, procuro uma minivan Saturn e, toda vez que vejo uma, meu
coração dá um pulo enorme até a garganta, apesar de eu dizer pra mim mesma: Acabou.
Esqueci Finch. Vou seguir em frente.
Lembro o que ele disse sobre amar dirigir, a propulsão, como se pudesse ir pra qualquer
lugar. Imagino a cara que ele faria se me visse ao volante agora.
“Ultravioleta”, ele diria, “sempre soube que você conseguiria.”
Quando Ryan e Suze terminam, ele me chama pra sair. Aceito, mas só como amigos. No dia
17 de abril, jantamos no Gaslight, um dos restaurantes mais chiques de Bartlett.
Brinco com a comida e faço de tudo pra me concentrar em Ryan. Conversamos sobre nossos
planos para a faculdade e sobre a sensação de fazer dezoito anos (o aniversário dele é este
mês, o meu, em maio), e embora não seja a conversa mais emocionante que já tive, é um
encontro bom e comum, com um garoto bom e comum e valorizo isso agora. Penso em como
rotulei Ryan exatamente como todo mundo rotula Finch. De repente, gosto da solidez e da
sensação de constância que ele traz, o fato de ele sempre ser e fazer exatamente o que a gente
espera que ele seja e faça. Tirando a parte do roubo, claro.
Quando ele me acompanha até a porta de casa, deixo que me beije, e quando me liga na
manhã seguinte, atendo.
Sábado à tarde, Amanda aparece em casa e pergunta se quero fazer alguma coisa. Jogamos
tênis na rua, como fazíamos quando me mudei pra cá, depois tomamos sorvete. À noite, vamos
ao Quarry, só eu e ela, e mando mensagem pra Brenda e pra Shelby e pra Lara e pras três
Brianas, e elas nos encontram. Uma hora depois, Jordan Gripenwaldt e algumas outras garotas
da Semente se juntam a nós. Dançamos até a hora de ir embora.
Sexta, 24 de abril, Brenda e eu vamos ao cinema, e quando ela me convida pra dormir na
casa dela, aceito. Ela quer conversar sobre Finch, mas digo que estou tentando esquecê-lo. Ela
também não tem notícias dele, então respeita, mas não sem antes dizer:
— Só pra você saber, não é por sua causa. Qualquer que seja o motivo que o levou a ir
embora deve ter sido um bom motivo.
Ficamos acordadas até as quatro da manhã trabalhando na Semente, eu no meu laptop e
Brenda deitada no chão, com as pernas pra cima apoiadas na parede. Ela diz:
— Podemos guiar nossos leitores até a vida adulta como os xerpas no Everest. Podemos
falar a verdade sobre sexo, a verdade sobre a vida na faculdade, a verdade sobre o amor. —
Ela suspira. — Ou pelo menos a verdade sobre o que fazer quando os garotos são completos
idiotas.
— E a gente sabe o que fazer quando isso acontece?
— Acho que não.
Tenho quinze e-mails de garotas do colégio que querem contribuir, porque Violet Markey,
heroína da torre do sino e criadora do eleanoreviolet.com (o blog preferido de Gemma
Sterling), começou outra revista. Leio em voz alta, e Brenda diz:
— Então isso é que é ser popular.
A esta altura, ela é minha amiga mais próxima.
26 DE ABRIL
Domingo, mais ou menos dez e meia da manhã, Kate Finch bate na porta de casa. Parece que
não dorme há dias. Quando a convido pra entrar, ela faz que não com a cabeça.
— Você tem alguma ideia de onde Theo está?
— Não tive mais notícias dele.
Começa a balançar a cabeça.
— Certo. — Não para de balançar a cabeça. — O.k. É que ele tem dado notícias todo
sábado pra minha mãe ou pra mim, por e-mail ou mensagem de voz quando sabe que não vai
conseguir falar com a gente na hora. Tipo, todo sábado. Não tivemos notícias dele ontem e
hoje de manhã recebemos um e-mail estranho.
Tento não ficar com ciúme do fato de ele mandar notícias pra elas, mas não pra mim. Afinal,
elas são família. Eu sou só eu, a pessoa mais importante da vida dele, por um tempo, pelo
menos. Mas tudo bem. Entendo. Ele seguiu em frente. Eu também segui.
Ela me entrega um pedaço de papel. Imprimiu o e-mail, enviado às 9h43 da manhã.
Lembro da
vez que fomos a Indianápolis comer naquela pizzaria, aquela que tinha o órgão que saía do chão. Kate devia ter onze anos, eu
tinha dez, Decca era bebê. Mamãe estava lá. Papai também.
Quando o órgão começou a soar — tão alto que as mesas
chacoalhavam —,
o show de luzes teve início. Vocês lembram? Era como a aurora boreal. Mas o que mais me marcou foi a
expressão de vocês. Nós estávamos tão felizes. Estávamos bem. Todos nós. Os dias felizes foram embora por um tempo, mas
estão voltando. Mãe, quarenta e um anos não é tanto assim. Decca, às vezes há beleza nas palavras difíceis — depende da
maneira como as lemos. Kate, cuide do seu coração e lembre que você é melhor que qualquer cara. Você é incrível. Todas
vocês são.
— Achei que talvez você soubesse por que ele escreveu isso, que talvez tivesse alguma
notícia dele.
— Não sei, não tive. Sinto muito. — Devolvo o e-mail e prometo avisar se por algum
milagre ele entrar em contato comigo, e ela vai embora e fecho a porta. Me apoio ali porque
sinto necessidade de recuperar o fôlego.
Minha mãe aparece, franzindo a testa.
— Você está bem?
Quase digo claro, sim, ótima, mas sinto que estou acabada, então simplesmente a abraço e
descanso a cabeça em seu ombro e deixo sua maternidade me envolver por alguns minutos.
Então subo, ligo o computador e entro no Facebook.
Tem uma nova mensagem, às 9h47, quatro minutos depois de ele ter mandado o e-mail pra
família.
As palavras são de
As ondas: “Se este céu azul pudesse permanecer para sempre; se esta abertura pudesse durar para
sempre; se este momento pudesse ficar para sempre… […] Sinto-me reluzir na treva. […] Estou vestida, estou preparada.
Esta é a pausa de um momento; o momento sombrio. Os violinistas ergueram seus arcos. […] Este é o meu chamado. Este é o
meu mundo. Tudo está pronto e decidido […] Tenho raízes, mas sou fluida… ‘Venha’, digo, ‘venha.’”.
Escrevo a única coisa que me vem à cabeça:
“Fique”, digo, “fique”.
Verifico de cinco em cinco minutos, mas ele não responde. Ligo de novo, mas a caixa postal
ainda está cheia. Desligo e ligo pra Brenda. Ela atende no primeiro toque.
— Ei, eu já ia ligar pra você. Recebi um e-mail estranho do Finch hoje de manhã.
O da Brenda foi enviado às 9h41 e só dizia:
Algum cara definitivamente vai amar você exatamente como
você é. Não aceite qualquer coisa.
O do Charlie foi enviado às 9h45 e era só:
Paz, seu bundão.
Tem alguma coisa errada.
Digo a mim mesma que é só o coração partido por ter sido abandonada, o fato de ele ter
desaparecido sem se despedir.
Pego o telefone pra ligar pra Kate e percebo que não tenho o número dela, então digo pra
minha mãe que já volto, e vou até a casa de Finch.
Kate, Decca, e a sra. Finch estão lá. Quando me vê, a sra. Finch começa a chorar e, antes
que eu possa impedir, ela me abraça forte e diz:
— Violet, estamos tão felizes por você estar aqui. Quem sabe você consegue desvendar tudo
isso. Eu disse pra Kate “talvez Violet saiba onde ele está”.
Através do cabelo da sra. Finch, olho pra Kate: Por favor, me ajude.
Ela diz:
— Mãe… — E encosta no ombro dela.
A sra. Finch se afasta de mim, enxugando os olhos e se desculpando por ser tão emotiva.
Pergunto a Kate se podemos conversar sozinhas. Passamos pelas portas de vidro de correr e
vamos até o quintal, onde ela acende um cigarro. Me pergunto se é o mesmo lugar onde Finch
encontrou o passarinho.
Ela franze a testa pra mim.
— O que foi?
— Ele escreveu pra mim. Hoje. Minutos depois do e-mail que mandou pra vocês. Também
escreveu pra Brenda Shank-Kravitz e Charlie Donahue. — Não quero ler a mensagem pra ela,
mas sei que preciso. Pego o celular e ficamos à sombra de uma árvore enquanto mostro as
coisas que ele escreveu.
— Eu nem sabia que ele tinha Facebook — ela diz, depois fica quieta enquanto lê. Quando
termina, olha pra mim, perdida. — Tá bom. O que isso tudo significa?
— É um livro que a gente descobriu. Da Virginia Woolf. A gente sempre manda trechos um
pro outro.
— Você tem esse livro? Talvez tenha alguma dica na parte que vem antes ou depois disso.
— Eu trouxe. — Tiro o livro da mochila. Já grifei e agora mostro pra ela de onde ele
copiou. Ele as tirou de ordem, escolheu alguns trechos ao longo de várias páginas e os juntou
como queria. Como as músicas que compõe com post-its.
Kate esquece o cigarro, e a cinza se acumula, já do tamanho de uma unha.
— Não consigo entender o que é que essas pessoas estão fazendo — ela mostra o livro —,
muito menos entender como isso pode se relacionar ao lugar onde ele está. — De repente, ela
vê o cigarro e dá uma tragada longa. Enquanto solta a fumaça, diz: — Ele deve ir pra
NYU
,
sabia?
— Quem?
— Theo. — Ela joga o cigarro no chão e esmaga com o sapato. — Ele foi aceito
previamente.
NYU
. Claro. Quais seriam as chances de nós dois termos escolhido a mesma faculdade, e
agora nenhum de nós irmos?
— Eu não… ele nunca me falou sobre a faculdade.
— Ele também não contou pra mim nem pra minha mãe. A gente só descobriu porque alguém
da
NYU
tentou falar com ele no outono e eu acabei ouvindo a mensagem antes. — Ela força um
sorriso. — Até onde sei, ele pode estar em Nova York agora.
— Você sabe se sua mãe recebeu as mensagens? Da minha mãe e do psiquiatra?
— Decca falou de um médico, mas minha mãe quase nunca ouve os recados da secretária
eletrônica. Eu teria ouvido se tivesse alguma.
— Mas não tinha nenhuma.
— Não.
Porque ele apagou.
Voltamos pra dentro, e a sra. Finch está deitada no sofá, de olhos fechados, enquanto Decca
fica perto dela espalhando pedaços de papel pelo chão. Não consigo não olhar pra ela, porque
lembra muito Finch com seus post-its. Kate percebe e diz:
— Não me pergunte o que ela está fazendo. Mais um de seus projetos de arte.
— Você se importa se eu der uma olhada no quarto dele, já que estou aqui?
— Vai lá. Deixamos tudo como estava… sabe, pra quando ele voltar.
Se ele voltar.
No andar de cima, fecho a porta do quarto e fico ali parada por um instante. O quarto ainda
tem o cheiro dele — uma mistura de sabonete e cigarro e um traço inebriante e amadeirado
que é a cara de Theodore Finch. Abro as janelas pra deixar entrar um pouco de ar porque o
quarto está muito morto e sem graça, e então fecho de novo, com medo que o cheiro de
sabonete e cigarros e Finch escape. Me pergunto se as irmãs ou a mãe dele estiveram aqui
desde que ele sumiu. Parece intocado, as gavetas ainda abertas como da última vez em que
vim.
Vasculho a cômoda e a escrivaninha de novo, depois o banheiro, mas não há nada que dê
alguma pista. Meu celular toca e dou um pulo. É Ryan, e ignoro. Vou até o closet, onde a luz
negra foi substituída por uma lâmpada normal. Vasculho as prateleiras e as roupas que
restaram, as que não levou. Tiro uma camiseta preta de um cabide e respiro seu cheiro, então
guardo dentro da bolsa. Fecho a porta, sento e digo em voz alta:
— Certo, Finch. Me ajuda. Você deve ter deixado alguma pista.
Sinto a falta de espaço que o closet proporciona e penso sobre o truque do buraco negro de
Sir Patrick Moore, quando ele simplesmente desapareceu. Me ocorre que o closet de Finch é
exatamente isso — um buraco negro. Ele entrou aqui e desapareceu.
Então examino o teto. Estudo o céu que ele criou, mas parece um céu noturno e nada mais.
Olho pra parede de post-its, leio cada um deles até ter certeza de que nada foi acrescentado.
Na parede pequena de frente pra porta fica uma sapateira vazia onde ele pendurava a guitarra.
Sento e me arrasto pra trás e olho pra parede onde estava encostada. Tem post-its nela
também, e por algum motivo não notei que estavam ali da última vez.
São só duas linhas, cada palavra sozinha em um pedaço de papel diferente. Na primeira
linha tem:
poderia
,
ficasse
,
nada
,
tempo
,
fazer
,
que
,
com
,
ele
,
muito
.
Na segunda:
água
,
vá
,
se
,
para
,
a
,
ela
,
lhe
,
agrada
,
que
,
é
.
Pego a palavra “nada”. Sento com as pernas cruzadas e me curvo, pensando. Sei que já as
ouvi antes, mas não nessa ordem.
Pego as palavras da primeira linha e começo a desembaralhá-las:
Muito tempo resistisse com que ele nada poderia fazer.
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