Ela se foi, se foi, se foi.
No Facebook, escrevo:
Você está aí?
Violet:
Estou.
Eu:
Fui te ver.
Violet:
Eu sei. Eles estão tão bravos comigo.
Eu:
Não falei que sempre estrago tudo?
Violet:
Você não fez isso sozinho — fizemos juntos. É culpa minha. Eu não estava pensando direito.
Eu:
Estou deitado, desejando que pudesse voltar no tempo até a manhã de ontem. Quero que os planetas se alinhem de
novo.
Violet:
Vamos dar um tempo pra eles.
Escrevo:
Tempo é a única coisa que não tenho
, mas então apago.
COMO SOBREVIVER À AREIA MOVEDIÇA
Na mesma noite, me mudo pro closet do meu quarto, que é quentinho e aconchegante, como
uma caverna. Empurro os cabides pra um canto e estico no chão o edredom da cama. Coloco a
jarra de água medicinal de Mudlavia no chão e uma foto de Violet na parede — ela na Flash
Azul —, junto com a placa que peguei no local do acidente. Então apago a luz. Apoio o laptop
nos joelhos e ponho um cigarro apagado na boca, porque o ar já está escasso aqui.
É o Acampamento Finch de Sobrevivência. Já estive aqui e conheço os passos como a
palma da minha enorme mão. Ficarei aqui o tempo que for preciso, o quanto for necessário.
Os Caçadores de Mitos afirmam que não é possível se afogar em areia movediça, mas
diga isso à jovem que viajou até Antígua pro casamento do pai (segunda esposa) e foi
sugada pela praia enquanto assistia ao pôr do sol. Ou aos adolescentes que foram
engolidos por um poço de areia movediça construído na propriedade de um empresário de
Illinois.
Aparentemente, pra sobreviver à areia movediça, é preciso ficar completamente imóvel. Ao
entrar em pânico, você é puxado pra baixo e afunda. Então, talvez se eu ficar parado e seguir
os Oito Passos para Sobreviver à Areia Movediça, vou superar tudo.
1. Evite a areia movediça. Tá. Tarde demais. Próximo.
2. Leve uma vara grande quando estiver se aproximando de um território de areia
movediça. A teoria aqui é a de que você pode usar a vara pra testar o chão à frente e até
se erguer caso afunde. O problema é que nem sempre sabemos quando estamos entrando
em território de areia movediça até que seja tarde demais. Mas gosto da ideia de estar
preparado. Imagino que já saí deste passo e passei para:
3. Largue tudo caso se encontre em areia movediça. Se tiver algo pesado com você, é
possível que seja puxado mais rápido pro fundo. Arranque os sapatos e se livre de
qualquer outra coisa que esteja carregando. É sempre melhor fazer isso quando sabe de
antemão que vai encontrar areia movediça (veja o número 2), então, em suma, caso esteja
indo para algum lugar onde exista essa possibilidade, vá despido. Minha mudança pro
closet faz parte de “largar tudo”.
4. Relaxe. Isso remete à máxima fique-completamente-imóvel-pra-não-afundar. Curiosidade
adicional: se você relaxar, seu corpo vai boiar naturalmente. Em outras palavras, é hora
de ficar calmo e deixar o efeito gravitacional de Júpiter-Plutão assumir.
5. Respire fundo. Isso anda lado a lado com o número 4. O truque, aparentemente, é manter
o máximo de ar possível nos pulmões — quanto mais você respirar, mais vai boiar.
6. Fique de costas. Se começar a afundar, simplesmente caia pra trás e se espalhe o máximo
que puder enquanto deixa as pernas livres. Assim que se desprender, poderá seguir
devagar até a terra firme e a segurança.
7. Não se apresse. Movimentos rápidos só vão prejudicar, então se mexa devagar e com
cuidado até ficar livre de novo.
8. Faça pausas. Sair da areia movediça pode ser um processo demorado, então certifique-
se de fazer pausas quando sentir o fôlego chegando ao fim ou o corpo cansando. Fique
com a cabeça erguida pra ganhar tempo.
A SEMANA SEGUINTE
Volto pras aulas imaginando que todos já sabem. Ando pelos corredores e paro em frente ao
meu armário e sento na sala e espero que professores e colegas me olhem como quem sabe ou
digam “Acho que alguém não é mais virgem”. Na verdade, chega a ser decepcionante quando
isso não acontece.
A única que percebe é Brenda. Sentamos na cantina beliscando os burritos que algum
cozinheiro de Indiana tentou preparar, e ela pergunta o que fiz no final de semana. Minha boca
está cheia de burrito, e tento decidir se engulo ou cuspo, então não respondo na hora. Ela diz:
— Ai, meu Deus, você transou com ele.
Lara e as três Brianas param de comer. Quinze ou vinte cabeças se viram na nossa direção
porque Brenda sempre fala muito alto.
— Você sabe que ele nunca vai contar nada pra ninguém, né?! Quer dizer, ele é um
cavalheiro. Caso esteja se perguntando. — Ela abre o refrigerante e manda metade da latinha
pra dentro.
Tudo bem, eu estava me perguntando um pouco. Afinal, foi a minha primeira vez, mas não a
dele. Confio em Finch, mas a gente nunca sabe — os caras costumam falar — e apesar de o
Dia D não ter sido depravado, me sinto um pouco depravada, mas também meio adulta.
Quando estamos saindo da cantina, pra mudar de assunto, conto sobre a Semente e pergunto
se ela gostaria de participar.
Ela estreita os olhos, como se tentasse descobrir se estou brincando.
— Estou falando sério. Ainda tem muita coisa pra ser decidida, mas quero que a Semente
seja original.
Bren joga a cabeça pra trás e ri, quase diabólica.
— Tá bom — ela diz, recuperando o fôlego. — Eu topo.
Quando vejo Finch na aula de geografia, ele parece cansado, como se não tivesse dormido
nada. Sento ao lado dele, no lado oposto de Amanda, Roamer e Ryan, e depois da aula ele me
arrasta pra debaixo da escada e me beija como se estivesse com medo que eu desaparecesse.
Tem algo de proibido nisso tudo que faz as correntes elétricas serem ainda mais fortes, e
quero que a escola acabe pra sempre pra gente nunca mais ter que vir pra cá. Digo a mim
mesma que a gente pode simplesmente sair com o Tranqueira para o oeste, o leste, o norte ou o
sul, até deixar Indiana lá pra trás. Vamos andar pelo país e pelo mundo, Theodore Finch e eu.
Mas por enquanto, pelo resto da semana, nos vemos só na escola, nos beijamos embaixo das
escadas ou em cantos escondidos. À tarde vamos cada um pra um lado. À noite conversamos
pela internet.
Finch:
Alguma novidade?
Eu:
Se está falando dos meus pais, não.
Finch:
Quais são as chances de eles perdoarem e deixarem pra lá?
A verdade é que as chances não são muito grandes. Mas não quero dizer isso porque ele já
está preocupado o suficiente, e desde aquela noite tem alguma coisa velada nele, como se
estivesse atrás de uma cortina.
Eu:
Eles só precisam de tempo.
Finch:
Odeio me sentir em
Romeu e Julieta, mas quero ficar sozinho com você. Tipo, não cercado por todos os alunos do
Bartlett.
Eu:
Se você viesse aqui e eu saísse escondida ou botasse você pra dentro, aí é que eles iam me trancar em casa pra
sempre mesmo.
Ficamos uma hora pensando em situações loucas pra nos encontrarmos, incluindo fingir uma
abdução alienígena, acionar o alarme de furacão da cidade e cavar um túnel subterrâneo que
iria da casa dele até a minha.
É uma hora da manhã quando digo que preciso dormir, mas acabo deitada na cama de olhos
abertos. Meu cérebro está desperto e agitado, como costumava ser antes da última primavera.
Acendo a luz e rabisco ideias pra Semente — uma seção de dúvidas respondidas por pais,
playlists de livros, trilhas sonoras mensais, listas de lugares onde garotas como eu podem se
reunir. Uma das coisas que quero criar é uma seção de andanças, pra que os leitores mandem
fotos ou vídeos de seus lugares preferidos — grandiosos, pequenos, bizarros, poéticos, nada
comuns.
Mando um e-mail pra Brenda e uma mensagem pro Finch, pro caso de ele ainda estar
acordado. Então, mesmo que esteja me precipitando um pouco, escrevo pra Jordan
Gripenwaldt, Shelby Padgett, Ashley Dunston, as três Brianas e a repórter Leticia Lopez,
convidando-as a contribuir. Mando também pra Lara, amiga de Brenda, e outras garotas que
sei que são escritoras ou artistas ou têm algo original a dizer: Prezada Chameli, Olivia,
Rebekah, Emily, Sa’iyda, Priscilla, Annalise… Eleanor e eu éramos eleanoreviolet.com, mas,
na minha opinião, quanto mais vozes melhor.
Penso em chamar Amanda. Escrevo uma carta pra ela e deixo na pasta de rascunhos. De
manhã, ao acordar, deleto.
No sábado, tomo café da manhã com meus pais e depois digo que vou de bicicleta até a casa
da Amanda. Eles não me perguntam por que quero conversar com essa garota de quem mal
gosto nem o que estamos pensando em fazer nem a que horas vou voltar. Por algum motivo,
eles confiam em Amanda Monk.
Passo reto pela casa dela e continuo a atravessar a cidade em direção à casa de Finch, e é
tudo muito fácil, apesar de eu sentir uma pontada estranha no peito por ter mentido pros meus
pais. Quando chego lá, Finch me faz subir pela escada de incêndio e entrar pela janela pra não
encontrar a mãe nem as irmãs.
— Você acha que elas viram? — Bato a poeira da calça.
— Duvido. Elas nem estão em casa. — Ele ri quando belisco seu braço, e de repente suas
mãos estão no meu rosto e ele está me beijando, o que faz a pontada desaparecer.
Como a cama está cheia de roupas e livros, ele tira um edredom do closet e deitamos no
chão, enrolados na coberta. Cobertos, tiramos a roupa e nos esquentamos, e depois
conversamos como crianças, cobrindo a cabeça. Ficamos ali, sussurrando, como se alguém
pudesse ouvir, e pela primeira vez conto a ele sobre a Semente.
— Acho que pode realmente virar uma coisa bacana, e é por sua causa — digo. — Quando
conheci você, tinha parado com tudo isso e nem me importava.
— Primeiro: você acha que tudo é só pra preencher o tempo, mas as palavras que escreve
vão continuar aqui quando você morrer. Segundo: você tinha parado com muitas coisas, mas ia
voltar ao normal, me conhecendo ou não.
Por algum motivo, não gosto do que ele diz, como se pudesse existir um universo em que eu
não o conhecesse. Mas aí estamos embaixo da coberta de novo falando de todos os lugares do
mundo onde gostaríamos de fazer andanças, o que de alguma forma vira todos os lugares do
mundo onde gostaríamos de transar.
— A gente vai botar o pé na estrada — Finch diz, acariciando em círculos meu ombro, meu
braço, até meu quadril. — Vamos andar por todos os estados, e depois atravessar o oceano e
fazer andanças por lá também. Vai ser uma andançaratona.
— Andançamania.
— Andançarama.
Sem pesquisar no computador, listamos os lugares aonde poderíamos ir. E então tenho
aquela sensação de novo, como se ele tivesse se escondido atrás de uma cortina. E aí a
pontada volta e não consigo evitar pensar em tudo o que fiz pra estar aqui — sair escondida
de meus pais, mentir pra eles.
De repente, digo:
— É melhor eu voltar pra casa.
Ele me beija.
— Você podia ficar um pouco mais.
Então eu fico.
RECESSO DE PRIMAVERA
Meio-dia. Campus da
NYU
. Nova York,
NY
.
Minha mãe diz:
— Seu pai e eu estamos felizes em passar esse tempo com você, querida. É bom pra todos
nós dar uma escapada. — Ela parece se referir à nossa casa, mas acho que, mais que isso, ela
quer dizer escapar de Finch.
Trouxe nosso caderno de andanças pra fazer anotações sobre as construções e a história e
tudo de interessante que possa querer compartilhar com ele. Meus pais estão discutindo sobre
eu me inscrever pra entrar na primavera do ano que vem e me transferir da faculdade que eu
escolher pro outono.
Estou mais preocupada com o fato de Finch não ter respondido às minhas três últimas
mensagens. Me pergunto se é assim que vai ser ano que vem se eu vier pra Nova York ou for
pra qualquer outro lugar — eu tentando me concentrar na faculdade, na vida, sendo que tudo o
que faço é pensar nele. Me pergunto se ele virá comigo ou se nosso fim inevitável é o ensino
médio.
Minha mãe diz:
— Logo o momento vai chegar e não estou pronta. Acho que nunca estarei pronta.
— Não vai chorar, mãe. Você prometeu. Ainda tem muito tempo até isso acontecer, e não
sabemos pra onde eu vou.
Meu pai diz:
— Vai ser só uma desculpa pra gente visitar você e passar um tempo na cidade. — Mas seus
olhos também se enchem de lágrimas.
Apesar de não falarem nada, sinto toda a expectativa e o peso nas nossas costas. Porque
eles não tiveram a chance de fazer isso com a filha mais velha. Nunca puderam levá-la pra
universidade nem desejar um bom primeiro ano, se cuida, venha nos visitar, qualquer coisa é
só ligar. É só mais um momento que foi roubado, mais um que tenho que compensar porque
sou tudo o que restou.
Antes que a gente perca a linha bem ali, no meio do campus, digo:
— Pai, conta um pouco da história da
NYU
?
Tenho um quarto só pra mim no hotel. É estreito, tem duas janelas, uma cômoda e uma
estante gigante que parece que vai cair e me esmagar enquanto durmo.
As janelas estão bem fechadas, mas mesmo assim ouço os barulhos da cidade, bem
diferentes dos que ouço em Bartlett — sirenes, gritos, música, caminhões de lixo pra cima e
pra baixo.
— Então, você tem alguém especial na sua cidade? — a agente da minha mãe pergunta
durante o jantar.
— Não — respondo, e meus pais trocam um olhar de alívio e convicção de que, sim, eles
fizeram a coisa certa ao me afastar de Finch.
A única luz no quarto vem do laptop. Folheio nosso caderno, cheio de anotações, e depois
vasculho nossas mensagens no Facebook — são tantas agora — e escrevo mais uma, citando
Virginia Woolf: “
[…] vamos rodopiar até as cadeiras douradas. […] Lua, não somos agradáveis? Não somos adoráveis
sentados aqui juntos…?
”.
DIA 64 DESPERTO
No último domingo do recesso de primavera neva de novo e por mais ou menos uma hora tudo
fica branco. Passamos a manhã com a minha mãe. Ajudo Decca a construir no jardim um
homem metade de neve, metade de lama, depois caminhamos seis quadras pra andar de trenó
na colina que fica atrás da escola onde fiz o jardim de infância. Apostamos corrida e deixo
Decca ganhar todas as vezes porque isso a deixa feliz. No caminho pra casa, ela diz:
— Espero que não tenha me deixado ganhar.
— Jamais. — Coloco o braço em volta dos ombros dela e Decca não se afasta.
— Não quero ir pra casa do papai — diz.
— Nem eu. Mas você sabe que no fundo isso é muito importante pra ele, mesmo que não
demonstre. — Minha mãe me disse isso uma vez. Não sei se acredito, mas talvez Decca
acredite. Por mais durona que seja, ela precisa se apegar a alguma coisa.
À tarde, vamos pra casa dele, ficamos lá sentados, espalhados pela sala, assistindo hóquei
em mais uma tela plana gigante que foi pendurada na parede.
Meu pai alterna entre gritar com a televisão e ouvir Kate contar sobre Colorado. Josh
Raymond está sentado ao lado dele, assistindo o jogo e mastigando cada garfada quarenta e
cinco vezes. Sei disso porque estou tão entediado que comecei a contar.
Em determinado momento, levanto e vou ao banheiro, menos por vontade e mais pra
esvaziar a cabeça e mandar uma mensagem pra Violet, que volta hoje. Fico ali sentado
esperando que ela responda, abrindo e fechando as torneiras. Lavo as mãos, lavo o rosto,
vasculho os armários, estou indo pra prateleira do boxe quando meu celular vibra.
Cheguei! Vou até aí?
Escrevo:
Ainda não. Por enquanto estou no inferno, mas vou embora o quanto antes.
Trocamos mensagens por um tempo e depois saio pelo corredor, em direção ao barulho e às
pessoas. Passo pelo quarto de Josh Raymond e a porta está entreaberta e ele está lá. Bato e ele
diz, desafinado:
— Pode entrar.
Entro no que parece ser o maior quarto que um garoto de sete anos poderia ter. É tão gigante
que me pergunto se ele precisa de um mapa, e está cheio de todo tipo de brinquedo, a maioria
a bateria.
— Você tem um quarto e tanto, Josh Raymond. — Tento não deixar que isso me incomode
porque a inveja é um sentimento ruim e desagradável que nos destrói por dentro e não preciso
ficar aqui, com quase dezoito anos e uma namorada muito gostosa, ainda que ela não tenha
mais permissão pra me ver, me preocupando com o fato de que meu meio-irmão parece ter
milhares de Legos.
— É legal. — Ele está vasculhando um baú que contém, acredite ou não, mais brinquedos,
quando vejo dois cavalinhos de pau antigos, um preto e um cinza, esquecidos em um canto.
Eram meus cavalinhos de pau, aqueles com os quais brincava por horas quando era mais novo
que ele, fingindo ser Clint Eastwood em um dos filmes antigos que meu pai costumava assistir
na nossa
TV
de tubo pequena. Aquela que, coincidentemente, ainda temos e usamos lá em casa.
— Esses cavalinhos são incríveis — digo. Lembro que os nomes eram Meia-Noite e
Sentinela.
Ele olha em volta, pisca duas vezes e diz:
— São legais.
— Como eles chamam?
— Eles não têm nome.
De repente tenho vontade de pegar os cavalinhos de pau, marchar até a sala e bater na
cabeça do meu pai com eles. E depois levá-los pra casa. Eu daria atenção a eles todos os
dias. Andaria com eles por toda a cidade.
— De onde eles vieram?
— Meu pai comprou pra mim.
Não seu pai, quero dizer. Meu pai. Vamos esclarecer isso aqui e agora. Você já tem um pai,
e ainda que o meu não seja muito legal, é o único que eu tenho.
Mas aí olho pra esse garoto, pro rosto fino e pro pescoço fino e pros ombros magros, e ele
tem sete anos e é pequeno pra idade, e lembro como isso me fazia sentir. E também lembro
como foi crescer com a companhia do meu pai.
— Sabe, eu tive dois cavalos há um tempo, não tão legais quanto estes, mas eram bem
durões. Meia-Noite e Sentinela.
— Meia-Noite e Sentinela? — Ele olha pros cavalos. — São nomes bacanas.
— Se quiser, pode colocar nos seus.
— Sério? — Ele olha pra mim de olhos arregalados.
— Claro.
Josh Raymond encontra o brinquedo pelo qual estava procurando — um tipo de carro-robô
— e quando saímos pela porta ele pega minha mão.
De volta à sala, meu pai abre seu sorriso de programa de
TV
e acena pra mim.
— Você devia trazer sua namorada aqui — diz, como se nada tivesse acontecido e nós
fôssemos melhores amigos.
— Não vai dar. Ela é muito ocupada aos domingos.
Imagino a conversa entre meu pai e o sr. Markey.
O delinquente do seu filho está com a minha filha. Provavelmente, graças a ele, ela está
jogada numa vala qualquer neste exato momento.
O que você esperava? Ele é mesmo delinquente, e criminoso, e um desastre emocional, e
uma aberração decepcionante e problemática. Dê graças a Deus pela filha que tem, senhor,
porque, acredite, você não ia querer meu filho. Ninguém quer.
Vejo que meu pai está pensando em alguma coisa pra dizer.
— Bom, pode ser qualquer dia, não é, Rosemarie? Mas convide quando der. — Está em
uma de suas melhores fases, e Rosemarie concorda com a cabeça e sorri. Ele bate a mão no
braço da poltrona. — Traga ela aqui, vamos colocar uns filés na grelha e preparar alguma
coisa com grãos e vegetais pra você.
Me esforço para não explodir pela sala. Tento me manter pequeno e contido. Conto o mais
rápido que posso.
Felizmente, o jogo recomeça e ele se distrai. Fico ali por mais alguns minutos e então
agradeço Rosemarie pela refeição, pergunto a Kate se ela pode levar Decca de volta pra casa
e digo que as encontro lá.
Em vez de voltar direto, dirijo sem rumo. Sem mapa, sem propósito. Parece que fico
rodando por horas, passando por campos brancos. Vou em direção ao norte e depois ao oeste e
depois ao sul e depois ao leste, com o Tranqueira chegando a cento e quarenta. Quando o sol
se põe, volto pra Bartlett, cortando o coração de Indianápolis, fumando o quarto cigarro
seguido. Dirijo rápido demais, mas não parece o suficiente. De repente odeio o Tranqueira
por me segurar quando preciso ir, ir, ir.
A nicotina arranha minha garganta, que já está rouca, e sinto que vou vomitar, então encosto
e caminho um pouco. Me curvo, apoiando as mãos nos joelhos. Espero. Não vomito, então
olho pra estrada à frente e começo a correr. Corro o mais rápido que posso, deixando o
Tranqueira pra trás. Corro tão rápido que parece que meus pulmões vão explodir. Aumento
ainda mais a velocidade. Desafio meus pulmões e minhas pernas a desistirem de mim. Não
consigo lembrar se tranquei o carro e, Deus, odeio meu cérebro quando ele faz isso porque
agora só consigo pensar na porta do carro e na fechadura, então corro ainda mais rápido. Não
lembro onde está minha jaqueta, ou ao menos se trouxe uma.
Vai dar tudo certo.
Vai dar tudo certo.
Nada vai desmoronar.
Vai dar tudo certo.
Vai ficar tudo bem.
Estou bem. Bem. Bem.
De repente, estou cercado de fazendas de novo. Em determinado momento passo por uma
série de estufas e viveiros comerciais. Não estão abertos porque é domingo, mas corro até a
entrada de um que parece um negócio familiar. Há uma casa branca de dois andares nos fundos
da propriedade.
A entrada está cheia de carros e caminhões, e ouço risadas lá dentro. Me pergunto o que
aconteceria se eu simplesmente entrasse e sentasse e fingisse que estou em casa. Vou até a
porta e bato. Respiro com dificuldade e devia ter esperado pra bater depois de recuperar o
fôlego, mas penso: Compartilhe com seus amigos: |