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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por
dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."
Para minha mãe, Penelope Niven, meu lugar mais incrível
[...] o mundo quebra a cada um deles
e eles ficam mais fortes nos lugares quebrados.
Ernest Hemingway
ESTOU DESPERTO MAIS UMA VEZ. DIA 6.
Será que hoje é um bom dia para morrer?
Eu me pergunto isso todas as manhãs quando acordo. E durante a terceira aula, quando tento
manter os olhos abertos enquanto o sr. Schroeder fala sem parar. À mesa de jantar, ao passar a
salada. E à noite, na cama, sem sono porque meu cérebro não desliga.
Hoje é o dia?
E, se não hoje, quando?
Estou me perguntando agora, em pé sobre um murinho estreito a seis andares de altura. É tão
alto que praticamente me sinto no céu. Olho para a calçada lá embaixo e o mundo se inclina.
Fecho os olhos e sinto tudo girar. Talvez desta vez eu vá em frente, deixe o ar me levar para
longe. Será como flutuar em uma piscina, adormecendo até que não exista nada.
Não me lembro de ter subido até aqui. Na verdade, não me lembro de quase nada antes de
domingo, pelo menos nada do que aconteceu neste inverno. Acontece comigo direto — apagar,
acordar. Sou como aquele velho barbudo, Rip van Winkle. Num instante você me vê, no outro
não. Talvez eu já devesse ter me acostumado, mas essa última vez foi a pior de todas, porque
não fiquei adormecido por dois ou três dias nem uma ou duas semanas… Apaguei durante as
festas de fim de ano inteiras, ou seja, Ação de Graças, Natal e Ano-Novo. Não sei dizer o que
houve de diferente, mas, quando acordei, me sentia mais morto que o habitual. Acordado, sim;
mas completamente vazio, como se alguém tivesse drenado meu sangue. Hoje é o sexto dia
desde que despertei, e esta é a minha primeira semana no colégio desde 14 de novembro.
Abro os olhos e o chão ainda está lá, duro e estático. Estou na torre do sino do colégio, em
pé sobre a borda que tem mais ou menos dez centímetros de largura. A torre é bem pequena,
talvez não tenha nem um metro de piso ao redor do sino, e há esse parapeito baixo, de pedra,
que escalei para chegar aqui. De vez em quando bato a perna contra o parapeito só pra
lembrar que ele está ali.
Estendo os braços como se estivesse dando um sermão e toda esta cidadezinha chatíssima
fosse minha congregação.
— Senhoras e senhores — grito —, gostaria de apresentar-lhes a minha morte!
Talvez o esperado fosse dizer “vida”, já que acabei de despertar, mas é exatamente quando
estou desperto que penso em morrer.
Grito como um velho pregador, sacudindo a cabeça e enrolando o final das palavras, e
quase perco o equilíbrio. Me seguro no parapeito atrás de mim, feliz porque ninguém parece
notar; verdade seja dita, é difícil parecer destemido quando se está agarrado a um parapeito
como um frangote.
— Eu, Theodore Finch, por não estar em pleno gozo das minhas faculdades mentais, por
meio desta lego meus bens a Charlie Donahue, Brenda Shank-Kravitz e minhas irmãs. Todas as
outras pessoas podem se f… — Lá em casa, desde cedo minha mãe nos ensinou a usar esse
palavrão (quando for de fato necessário), mas sempre só a primeira letra. Infelizmente, o
costume pegou.
Apesar de o sinal já ter tocado, alguns alunos permanecem no pátio. Estamos na primeira
semana do segundo semestre do último ano e a maioria age como se já estivesse se formando.
Um garoto olha na minha direção, como se tivesse me ouvido, mas os outros não, porque não
me viram ou porque sabem que estou aqui e Ah, é só o Theodore Aberração.
Então ele olha para o outro lado e aponta para o céu. De início, acho que está apontando
para mim, mas então a vejo. A garota está a alguns metros de distância, do outro lado da torre,
também na beirada, cabelo loiro escuro balançando ao vento, a barra da saia inflando como
um paraquedas. Apesar de ser inverno em Indiana, ela está descalça, de meia-calça, segurando
as botas e olhando fixo para os pés ou para o chão… não sei dizer. Parece paralisada.
Com minha voz normal, não a de pregador, digo, o mais calmamente possível:
— Vai por mim, o pior que você pode fazer é olhar pra baixo.
Bem devagar, ela vira a cabeça na minha direção, e eu percebo que a conheço, que já a vi
pelos corredores. Não resisto e pergunto:
— Vem sempre aqui? Porque esse lugar é como se fosse a minha casa, e não me lembro de
ter visto você aqui.
Ela nem pisca, só olha pra mim por trás daqueles óculos grossos que quase cobrem o rosto
inteiro. Tenta dar um passo para trás, mas seu pé bate no parapeito. Ela se desequilibra um
pouco e, antes que entre em pânico, eu digo:
— Não sei por que veio, mas pra mim a cidade fica mais bonita vista daqui, e as pessoas
parecem melhores… mesmo as piores parecem quase gentis. Tirando o Gabe Romero e a
Amanda Monk e toda aquela galera com quem você anda.
O nome dela é Violet Alguma Coisa. Ela é superpopular — uma dessas garotas que a gente
jamais imaginaria encontrar em um parapeito a seis andares do chão. Atrás dos óculos
ridículos, ela é bonita, quase uma boneca de porcelana. Olhos grandes, rosto delicado em
formato de coração, boca esboçando um sorriso perfeito. Ela é do tipo que sai com caras
como Ryan Cross, destaque do time de beisebol, e senta com Amanda Monk e outras meninas
populares no almoço.
— Mas não estamos aqui por causa da vista. Você é a Violet, não é?
Ela pisca uma vez, e eu encaro como “sim”.
— Theodore Finch. Acho que estávamos na mesma turma de matemática no ano passado.
Ela pisca de novo.
— Odeio matemática, mas não foi por isso que subi aqui. Sem ofensa, se for esse seu
motivo. Você deve ser melhor em exatas que eu, porque quase todo mundo é, mas tudo bem,
não tenho problemas com isso. Sabe, eu me destaco em coisas mais importantes… guitarra,
sexo e decepcionar meu pai constantemente, por exemplo. Aliás, parece que é verdade que
não serve pra nada na vida. A matemática, quero dizer.
Continuo falando, sem perceber que minhas forças estão se esvaindo. Primeiro, preciso
fazer xixi, então minhas palavras não são a única coisa querendo sair. (Nota mental: Antes de
tentar se matar, lembrar de tirar água do joelho.) Segundo, está começando a chover e, a
essa temperatura, a chuva provavelmente vira granizo antes de alcançar o chão.
— Está começando a chover — digo, como se ela não soubesse. — Acho que podemos
considerar que a água vai lavar o sangue, então a sujeira vai ser menor. É a parte da sujeira
que me intriga. Não sou vaidoso, mas sou humano; não sei quanto a você, mas não quero que,
ao me ver no velório, as pessoas pensem que fui triturado por uma máquina de serragem.
Ela está tremendo de frio ou de nervoso, não sei dizer, então me aproximo devagar, torcendo
pra não cair antes de chegar lá, porque a última coisa que quero é me fazer de idiota na frente
dessa garota.
— Deixei claro que quero ser cremado, mas minha mãe não acredita nisso.
E meu pai faz tudo o que ela manda pra ela não ficar mais irritada do que normalmente é e,
além do mais, Você é muito novo pra pensar nisso, você sabe que a vovó viveu até os
noventa e oito anos. Não precisamos falar disso agora, Theodore, não chateie sua mãe.
— Então meu caixão vai estar aberto, o que significa que, se eu pular, não vai ficar nada
bonito. Além do mais, eu meio que gosto do meu rosto assim, dois olhos, um nariz, uma boca,
todos os dentes… que, pra ser honesto, são uma das minhas melhores qualidades. — Sorrio
pra ela conferir. Tudo em seu devido lugar, pelo menos do lado de fora.
Como ela não diz nada, continuo me aproximando e conversando.
— Acima de tudo, tenho pena do agente funerário. Já deve ser um trabalho de merda, aí
imagina ter que lidar com um imbecil como eu?
Lá de baixo, alguém grita:
— Violet? É a Violet lá em cima?
— Ai, meu Deus — ela diz, tão baixo que eu mal consigo ouvir. — Ai-meu-Deus-ai-meu-
Deus-ai-meu-Deus. — O vento sopra contra sua saia e seu cabelo e parece que ela vai voar
para longe.
Começa um burburinho lá embaixo, e eu grito:
— Não tente me salvar! Você vai acabar se matando!
Depois digo bem baixinho, só pra ela:
— Acho que devemos fazer o seguinte… — Estou a mais ou menos um passo dela agora. —
Jogue as botas em direção ao sino e agarre o parapeito, agarre pra valer, e, assim que
conseguir, se apoie nele e passe o pé direito por cima. Entendeu?
—Tá bom. — Ela faz que sim com a cabeça e quase perde o equilíbrio.
— Não balance a cabeça.
— Tá bom.
— E não vá para o lado errado nem dê um passo à frente em vez de um passo atrás. Vou
contar e você vai no três. Tudo bem?
— Tudo bem. — Ela joga as botas em direção ao sino e elas caem fazendo tum tum no
concreto.
— Um. Dois. Três.
Ela agarra a pedra e meio que se escora nela e então levanta a perna e a passa por cima até
sentar no parapeito. Olha para o chão, e eu percebo que está paralisada de novo, então digo:
— Ótimo. Muito bom. Só pare de olhar pra baixo.
Ela desvia o olhar pra mim devagar e tenta alcançar o chão da torre com o pé direito. Assim
que alcança, digo:
— Agora passe a perna esquerda do jeito que conseguir. Não solte do parapeito. — Neste
momento, ela está tremendo tanto que eu escuto os dentes batendo, mas vejo o pé esquerdo se
juntar ao direito, e ela está a salvo.
Agora só eu estou do lado de fora. Olho para baixo uma última vez, para além dos pés
tamanho quarenta e cinco que não param de crescer — hoje estou usando tênis com cadarço
florescente —, para além das janelas abertas do quarto andar, do terceiro, do segundo, além
de Amanda Monk, que está cacarejando na escadaria em frente ao prédio e balançando o
cabelo loiro como se fosse um pônei, com os livros sobre a cabeça, tentando chamar a atenção
e se proteger da chuva ao mesmo tempo.
Passando por tudo isso, olho para o chão, que está liso e úmido, e me imagino deitado lá.
Eu poderia simplesmente dar um passo à frente. Em segundos, acabaria com tudo. Nunca
mais “Theodore Aberração”. Nunca mais dor. Nunca mais nada.
Tento contornar a interrupção inesperada para salvar uma vida e voltar ao que estava
fazendo. Por um minuto, sinto uma paz conforme minha mente se aquieta, como se eu já
estivesse morto. Estou leve e livre. Nada e ninguém a temer, nem eu mesmo.
Então, uma voz atrás de mim diz:
— Quero que você agarre o parapeito e, assim que conseguir, se apoie nele e passe o pé
direito por cima.
Simples assim, sinto o momento passar, talvez já tenha passado, e agora parece uma ideia
idiota, a não ser pelo fato de imaginar a cara da Amanda quando eu caísse perto dela. Esse
pensamento me faz rir. Rio tanto que quase perco o equilíbrio, e isso me assusta — tipo, me
assusta mesmo — então me apoio no parapeito e Violet me segura enquanto Amanda olha pra
cima.
— Aloprado! — alguém grita.
O grupinho da Amanda ri. Ela faz uma concha com a mão ao lado da boca e olha pra cima.
— Você está bem, V?
Violet se inclina sobre o parapeito, ainda segurando minhas pernas.
— Estou.
A porta no topo das escadas da torre se abre e meu melhor amigo, Charlie Donahue,
aparece. Charlie é negro. Bem negro mesmo. E faz mais sexo do que qualquer outra pessoa
que eu conheço. Como se eu não estivesse em pé no parapeito a seis andares do chão, com os
braços abertos e uma garota agarrada nos meus joelhos, ele diz:
— Eles estão servindo pizza hoje.
— Por que não acaba com isso de uma vez, aberração? — Gabe Romero, mais conhecido
como Roamer, mais conhecido como Babaca, grita lá de baixo. Mais risadas.
Porque tenho um encontro com a sua mãe mais tarde, penso, mas não digo, porque,
sejamos honestos, é uma resposta ridícula, e também porque ele poderia subir e bater na
minha cara e me jogar daqui, o que estraga a ideia de eu mesmo fazer isso.
Em vez disso, agradeço.
— Obrigado por me salvar, Violet. Não sei o que faria se você não tivesse vindo. Acho que
estaria morto.
O último rosto que vejo lá embaixo é o do meu orientador pedagógico, o sr. Embry. Quando
ele olha pra mim, penso: Ótimo. Maravilha.
Violet me ajuda a pular o parapeito e chegar no concreto. Lá embaixo, alguns aplausos, não
pra mim, mas pra ela, a heroína. De perto, consigo ver que sua pele é lisa e clara, exceto por
duas pintas na bochecha direita, e que seus olhos são de um verde-cinza que lembra o outono.
São os olhos que me prendem. São grandes e impressionantes, como se pudessem ver tudo.
Por mais que sejam ternos, são inquietos, um olhar direto, do tipo que enxerga você por
dentro, o que percebo claramente, mesmo através dos óculos. Ela é bonita e alta, mas não
muito alta, com pernas longas e quadril curvilíneo, que eu acho atraente. Muitas garotas do
ensino médio parecem meio meninos.
— Eu só estava sentada ali — ela diz. — No parapeito. Não subi aqui pra…
— Deixa eu te perguntar uma coisa: você acha que existe um dia perfeito?
— O quê?
— Um dia perfeito. Do início ao fim. Quando nada de terrível ou triste ou comum acontece.
Você acha que é possível?
— Não sei.
— Você já teve um?
— Não.
— Também nunca tive, mas estou em busca dele.
Ela sussurra:
— Obrigada, Theodore Finch.
Fica na ponta dos pés e me dá um beijo no rosto, e sinto o cheiro do xampu, que lembra
flores. Então, diz no meu ouvido:
— Se contar a verdade a alguém, mato você.
Segurando as botas, ela se afasta correndo pra se proteger da chuva, voltando à porta que dá
nas escadas escuras e instáveis que levam a um dos muitos corredores iluminados e
abarrotados da escola.
Charlie fica olhando pra ela e, quando a porta fecha, vira pra mim.
— Cara, por que você faz isso?
— Porque todos vamos morrer um dia. Eu só quero estar preparado.
Esse não é o motivo, claro, mas a explicação foi suficiente pra ele. A verdade é que existem
muitos motivos, que mudam diariamente, como as treze crianças assassinadas no início desta
semana quando um
FDP
entrou atirando no ginásio de uma escola, ou a garota dois anos mais
nova que eu que acabou de morrer de câncer, ou o homem que eu vi chutando um cachorro na
frente do shopping, ou simplesmente meu pai.
Charlie pode até pensar que sou aloprado, mas não diz nada, por isso é meu melhor amigo.
Tirando esse fato, não temos muito em comum.
Tecnicamente, este ano estou sob provação. Isso se deve a uma bobagem envolvendo uma
mesa e uma lousa. (Só pra constar, uma lousa custa mais caro do que se imagina.) Também se
deve a um incidente com uma guitarra em um evento escolar, ao uso ilegal de fogos de artifício
e talvez a uma ou duas brigas. Como resultado, tive de concordar com o seguinte:
aconselhamento semanal; manter média B; e participar de pelo menos uma atividade
extracurricular. Escolhi crochê porque sou o único cara no meio de vinte garotas até que
bonitas, o que considerei uma boa oportunidade. Também tenho que me comportar, interagir
bem com os outros, me abster de atirar mesas por aí e de entrar em quaisquer “disputas físicas
violentas”. E devo sempre, sempre, não importa o que eu faça, segurar a língua, porque não
segurar, aparentemente, é o início dos problemas. Se eu f… com alguma coisa a partir de
agora, é expulsão.
Na sala de orientação pedagógica, falo com a secretária e sento em uma das cadeiras
desconfortáveis de madeira até que o sr. Embry esteja pronto para me atender. Se bem
conheço o Embrião — é como o chamo secretamente —, e de fato o conheço, ele vai querer
saber exatamente o que diabos eu estava fazendo na torre do sino. Se eu tiver sorte, não
teremos tempo pra falar sobre mais nada.
Em poucos minutos ele me chama. É um homem baixo e troncudo como um touro. Ao fechar
a porta, desfaz o sorriso. Senta, se debruça sobre a mesa e fixa os olhos em mim como se eu
fosse um suspeito a interrogar.
— Que diabos você estava fazendo na torre?
O que eu gosto no Embrião é que, além de ser previsível, ele vai direto ao ponto. Nós nos
conhecemos desde que eu estava no segundo ano.
— Queria apreciar a vista.
— Estava pensando em se jogar?
— Não no dia de pizza, que é um dos melhores cardápios da semana.
Devo mencionar que sou um brilhante desviador de assunto. Tão brilhante que conseguiria
bolsa integral na faculdade pra me formar nisso, mas pra quê? Já sou mestre nessa arte mesmo.
Espero ele perguntar sobre Violet, mas em vez disso ele diz:
— Preciso saber se você planejava ou está planejando se matar. Estou falando muito sério.
Se o diretor Wertz souber disso, você estará fora daqui antes que consiga dizer “suspensão”.
Isso sem falar que, se eu não prestar atenção e você decidir voltar lá em cima e pular, vou ser
processado, e com o salário que eles me pagam, acredite, não tenho dinheiro para me defender
judicialmente. Isso vai acontecer se você pular da torre do sino ou de qualquer outra torre,
seja propriedade da escola ou não.
Passo a mão no queixo, como se estivesse imerso em algum pensamento.
— Uma torre fora do colégio. É uma ótima ideia.
Ele não mexe um músculo, só me encara estreitando os olhos. Como a maioria das pessoas
do Meio-Oeste, o Embrião não tem senso de humor, principalmente no que se refere a temas
delicados.
— Não é engraçado, sr. Finch. Não é assunto para piada.
— Não, senhor. Me desculpe.
— Os suicidas não pensam no próprio velório. Nem nos pais, irmãos, amigos, namoradas,
colegas, professores.
Gosto como ele parece achar que tenho tantas, tantas pessoas dependendo de mim, incluindo
não apenas uma, mas várias namoradas.
— Eu só estava brincando. Concordo que provavelmente não foi o melhor jeito de matar a
primeira aula.
Ele pega uma pasta e joga com força na mesa e começa a folhear os arquivos. Eu espero, e
então ele olha pra mim de novo. Me pergunto se está contando os dias para as férias de verão.
Fica em pé, como um policial de filme, e dá a volta na mesa até chegar perto de mim. Se
apoia nela, com os braços cruzados, e eu olho atrás dele, procurando pelo espelho falso
escondido.
— Preciso chamar sua mãe?
— Não. E repito: não. — Não, não, não. — Olha só, foi uma coisa idiota. Eu só queria ver
qual é a sensação de subir lá e olhar pra baixo. Nunca pularia da torre do sino.
— Se acontecer de novo, se você cogitar fazer isso de novo, vou ligar pra ela. E você vai
fazer um exame toxicológico.
— Obrigado pela preocupação, senhor. — Tento parecer o mais sincero possível, porque a
última coisa que quero é um holofote maior e mais brilhante em cima de mim, me seguindo
pelos corredores da escola, pela vida. E, na verdade, gosto do Embrião. — Quanto a essa
questão das drogas, não precisa perder seu tempo precioso. De verdade. A não ser que cigarro
conte. Drogas? Não me dou muito bem com elas. Acredite, já experimentei. — Cruzo as mãos
como um bom menino. — Quanto à torre do sino, apesar de não ter sido, de jeito nenhum, o
que você está pensando, prometo que não vai acontecer de novo.
— Isso mesmo… não vai. E quero você aqui duas vezes por semana. Você vem segunda e
sexta e conversa comigo pra eu ver como está indo.
— Ficaria feliz em vir, senhor. Eu gosto muito dessas conversas, sabe, mas estou bem.
— Não é negociável. Agora vamos falar sobre o fim do semestre passado. Você perdeu
quatro, quase cinco semanas de aula. Sua mãe me disse que você estava gripado.
Na verdade, quem disse foi minha irmã, Kate, mas ele não sabe disso. Foi ela que ligou
para a escola enquanto eu estava apagado, porque minha mãe já tem muito com que se
preocupar.
— Se é isso o que ela diz, quem somos nós para discutir?
A verdade é que eu estava mesmo doente, mas não com uma simples gripe. De acordo com
minha experiência, as pessoas são muito mais compreensivas se conseguem ver a sua doença,
e pela milionésima vez na vida eu desejei ter sarampo ou varíola ou alguma outra coisa
facilmente verificável só pra ficar mais fácil pra mim e pra todo mundo. Qualquer coisa seria
melhor que a verdade: Desliguei de novo. Apaguei. Num minuto, tudo estava girando e, no
instante seguinte, minha mente se arrastava em círculos, como um cão velho com artrite
tentando se deitar. Então simplesmente desliguei e dormi, mas não como você faz todas as
noites. Pense em um sono longo e profundo, durante o qual você nem sonha.
Mais uma vez, o Embrião estreita os olhos e me encara, tentando captar alguma hesitação.
— Posso acreditar que você vai vir e vai ficar longe de problemas este semestre?
— Com certeza.
— E que vai fazer os trabalhos?
— Sim, senhor.
— Vou combinar o exame toxicológico com a enfermeira. — Ele aponta pra mim num gesto
brusco. — Provação significa “período para testar a adequação de uma pessoa; período em
que a pessoa precisa melhorar”. Se não acredita em mim, pesquise e, pelo amor de Deus,
fique vivo.
O que não digo é o seguinte: quero viver. E o motivo para não dizer é que, considerando a
pasta repleta de ocorrências na frente dele, o sr. Embry jamais acreditaria em mim. E tem
outra coisa na qual ele não acreditaria: estou lutando para permanecer neste mundo caótico de
merda. Ficar no parapeito da torre do sino não é pra morrer. É pra ter controle. É pra nunca
mais dormir de novo.
O Embrião procura pela mesa e reúne uma pilha de panfletos para “adolescentes
problemáticos”. Então me diz que não estou sozinho e que posso conversar com ele sempre,
que sua porta está aberta, que ele está ali e que me espera na segunda. Quero dizer “sem
ofensa, mas isso não me conforta muito”. Mas simplesmente agradeço, por causa de suas
olheiras e rugas de fumante ao redor da boca. Provavelmente vai acender um cigarro assim
que eu sair. Pego alguns panfletos e o deixo com seu cigarro. Ele nem mencionou Violet, ainda
bem.
154 DIAS PARA A FORMATURA
Manhã de sexta. Escritório da sra. Marion Kresney, orientadora pedagógica, que tem olhos
pequenos e gentis e um sorriso que quase não cabe no rosto. De acordo com o certificado
pendurado na parede, ela trabalha no colégio Bartlett há quinze anos. Esta é nossa décima
segunda reunião.
Meu coração está acelerado e minhas mãos ainda tremem por ter subido no parapeito da
torre do sino. Meu corpo inteiro está gelado e tudo o que eu quero é deitar. Espero a sra.
Kresney dizer:
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