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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando
por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo
nível."
Livros do autor publicados por esta editora:
• Am or líquido
• Aprendendo a pensar com a sociologia
• A arte da vida
• Capitalism o parasitário
• Com unidade
• Confiança e m edo na cidade
• Em busca da política
• Europa
• Globalização: As consequências hum anas
• Identidade
• Legisladores e intérpretes
• O m al-estar da pós-m odernidade
• Medo líquido
• Modernidade e am bivalência
• Modernidade e holocausto
• Modernidade líquida
• A sociedade individualizada
• Tem pos líquidos
• Vida a crédito
• Vida líquida
• Vida para consum o
• Vidas desperdiçadas
Zy gm unt Baum an e Tim May
APRENDENDO A PENSAR COM A SOCIOLOG IA
Tradução:
Alexandre Werneck
. Sumário .
Prefácio à segunda edição
Introdução: A sociologia como disciplina
Em busca de distinção | Sociologia e senso com um | O conteúdo deste livro |
Questões para refletir | Sugestões de leitura
Parte I Ação, identidade e entendimento na vida cotidiana
1. Alguém com os outros
Escolha, liberdade e convivência com os outros | Alguém com o outro:
perspectivas sociológicas | Socialização, im portância e ação | Síntese |
Questões para refletir | Sugestões de leitura
2. Observação e sustentação de nossas vidas
Fundam entando nossas vidas: interação, entendim ento e distância social |
Observando e vivendo a vida: fronteiras e outsiders | Síntese | Questões para
refletir | Sugestões de leitura
3. Laços: para falar em “nós”
Com unidades: forj ar o consenso e lidar com o conflito | Cálculo,
racionalização e vida grupal | Síntese | Questões para refletir | Sugestões de
leitura
Parte II Viver nossas vidas: desafios, escolhas e coerções
4. Decisões e ações: poder, escolha e dever moral
Tom adas de decisão | Valores, poder e ação | A m otivação para agir | Síntese
| Questões para refletir | Sugestões de leitura
5. Fazer acontecer: dádivas, trocas e intimidade nas relações
Pessoal e im pessoal: a dádiva e a troca | À procura de nós m esm os: am or,
intim idade, carinho e m ercadorias | A m ercantilização da identidade |
Síntese | Questões para refletir | Sugestões de leitura
6. O cuidado de nós: corpo, saúde e sexualidade
Em busca de segurança | Self corporificado: perfeição e satisfação | A busca
de saúde e boa form a | Corpo e desej o | Corpo, sexualidade e gênero |
Síntese | Questões para refletir | Sugestões de leitura
7. Tempo, espaço e (des)ordem
A experiência do espaço e do tem po | Sociedade de risco | Autonom ia,
ordem e caos | Síntese | Questões para refletir | Sugestões de leitura
8. Traçar fronteiras: cultura, natureza, Estado e território
Natureza e cultura | Estado, nações e nacionalism o | Síntese | Questões para
refletir | Sugestões de leitura
9. Os negócios na vida cotidiana: consumo, tecnologia e estilos de vida
Tecnologia, expertise e habilidades | Consum o e publicidade | Estilos de vida,
produtos e m ercado | Síntese | Questões para refletir | Sugestões de leitura
Parte III Olhar para o passado, ansiar pelo futuro
10. Aprendendo a pensar com a sociologia
O olhar sociológico | Expectativas e pensam ento sociológicos | Sociologia:
três estratégias em ergem das som bras | Tensões sociais, form as de viver e
obj etivos sociológicos | Sociologia e liberdade | Questões para refletir |
Sugestões de leitura
Agradecimentos
Índice remissivo
Prefácio à segunda edição
Prefaciar a segunda edição de um livro originalm ente escrito por Zy gm unt
Baum an foi tarefa da qual m e aproxim ei com algum tem or. Afinal, o texto foi
escrito em estilo próprio, atraente para inúm eros leitores, em m uitas línguas. Por
outro lado, Baum an percebia que um a reedição atualizada ganharia algo com
m inha contribuição. Diante disso, m inha disposição de preservar a originalidade
ao m esm o tem po que acrescentava m inha produção própria obrigou-m e a ser
cuidadoso.
O resultado final é um a edição totalm ente revista e am pliada. Capítulos foram
alterados, outros foram introduzidos; paralelam ente acrescentou-se m aterial ao
longo do texto, por exem plo, sobre saúde e fitness, intim idade, tem po, espaço e
desordem , risco, globalização, organizações e novas tecnologias. No final, am bos
acreditam os ter produzido um livro que m antém os m elhores elem entos da
prim eira edição (de 1990), m as com acréscim os que realm ente m elhoram seu
apelo universal.
Nós dois nos im pusem os a tarefa de pontilhar Aprendendo a pensar com a
sociologia de atrativos para um am plo espectro de leitores. Para quem está
estudando sociologia, procuram os antecipar os diferentes tópicos do currículo;
esperam os tam bém que nosso m odo de escrever sej a instigante para cientistas
sociais em plena carreira. Torcem os naturalm ente para que o livro desperte o
interesse de vasta gam a de leitores cuj a curiosidade se volta para essa disciplina
– que tem recebido cada vez m ais atenção, pelos insights que fornece sobre a
sociedade e as relações sociais. Tem os total clareza quanto à razão disso: a
sociologia oferece um a valorosa e às vezes negligenciada perspectiva sobre as
questões com que todos nós deparam os neste século XXI.
Em bora separados por duas gerações, som os am bos sociólogos devotados a
nosso tem a, no sentido do entendim ento que ele oferece para dar sentido às
experiências dos am bientes sociais em que vivem os. Desenvolver um
pensam ento sociológico não só facilita nossa com preensão uns dos outros e de
nós m esm os, m as tam bém propicia explicações im portantes para a dinâm ica das
sociedades e das relações sociais com o um todo. Esperam os, portanto, que,
depois de ler este livro, você concorde conosco quanto ao fato de a sociologia ser
assunto esclarecedor, estim ulante, prático e desafiador.
TIM MAY
Questões para refletir e sugestões de leitura
Um de nossos obj etivos, neste livro, é fornecer um a estrutura para sem inários de
discussão e grupos de estudos, ou para quem leu o livro e desej a explorar m ais as
questões que nele levantam os. Com essa finalidade, sugerim os um a série de
perguntas relativas a cada capítulo e acrescentam os indicações de leituras
adicionais. Elas têm a intenção de ser seletivas no que diz respeito a áreas de
interesse que costum am gerar considerável quantidade de escritos. Afinal, a
sociologia
é
um a
disciplina
dinâm ica
e
progressiva,
produzindo
perm anentem ente novos estudos – o que, aliás, não surpreende, considerando que
nossa vida m uda de várias m aneiras e em diferentes m om entos. Selecionam os
esses livros pelos tópicos que abordam e pelas questões que aqui analisam os. Por
conseguinte, nem sem pre são os livros m ais fáceis, m as esperam os que eles se
com provem de interesse suficiente para despertar novas reflexões a respeito das
questões sociais básicas.
Ao avaliar esses textos e ao lê-los, não se sinta deprim ido nem se renda à
tentação de deixá-los de lado. O conhecim ento sociológico pode parecer
opressivo, m as o esforço é ricam ente recom pensador e em nada soará além de
suas capacidades. Além disso, existem publicações sociológicas produzidas
especificam ente para aj udá-lo e aos outros a andar pelo eixo principal do
conhecim ento na área. Repare que a leitura pode ser um exercício passivo, no
qual o leitor atua com o receptor do texto, e dela não se aproxim a para criticar,
analisar, fazer cruzam entos de referências e trazer aprendizagem prévia e
experiências próprias para o texto. É exatam ente por isso que você deve ler
usando um “estilo interrogativo”, pelo qual “se aproxim e” do texto e
constantem ente lhe faça perguntas, tendo em m ente os obj etivos de sua leitura.
Produzim os as perguntas ao final dos capítulos para aj udá-lo nesse processo,
m as com certeza suas habilidades interrogativas se desenvolverão, à m edida que
você estabeleça um processo de constante aprofundam ento e aum ente a
am plitude do conhecim ento. Resta-nos apenas esperar que você aprecie essa
j ornada contínua pela sociologia.
. Introdução .
A sociologia com o disciplina
Neste capítulo analisarem os a ideia de aprender a pensar sociologicam ente e sua
im portância no entendim ento de nós m esm os, uns dos outros e dos am bientes
sociais em que vivem os. Para isso, irem os considerar a sociologia um a prática
disciplinada, dotada de um conj unto próprio de questões com as quais aborda o
estudo da sociedade e das relações sociais.
Em busca de distinção
A sociologia engloba um conj unto disciplinado de práticas, m as tam bém
representa considerável corpo de conhecim ento acum ulado ao longo da história.
Percorrer com o olhar a seção de sociologia das bibliotecas revela um conj unto
de livros que representa essa área de conhecim ento com o um a tradição de
publicação. Essas obras fornecem considerável volum e de inform ação para
novatos na área, queiram eles se tornar sociólogos ou apenas am pliar seu
conhecim ento a respeito do m undo em que vivem . São espaços em que os
leitores podem se servir de tudo aquilo que a sociologia é capaz de oferecer e,
com isso, consum ir, digerir, dela se apropriar e nela se expandir. Essa ciência
configura-se, assim , um a via de constante fluxo, e os novatos acrescentam ideias
e estudos da vida social às estantes originais. A sociologia, nesse sentido, é um
espaço de atividade contínua que com para o aprendizado com novas
experiências e am plia o conhecim ento, m udando, nesse processo, a form a e o
conteúdo da própria disciplina.
Isso parece fazer sentido. Afinal, quando nos perguntam os “o que é a
sociologia?”, podem os nos referir a um a coleção de livros em um a biblioteca,
que dão conta do conteúdo da disciplina – esse é um m odo aparentem ente óbvio
de pensar sobre a m atéria, posto que, se alguém nos perguntar “o que é um
leão?”, podem os pegar um livro sobre anim ais e indicar um a im agem específica.
Nesse sentido, estam os apontando para a ligação entre palavras e obj etos. Assim ,
portanto, palavras referem -se a obj etos, que se tornam referentes para essas
palavras, e, então, estabelecem os conexões entre uns e outras em condições
específicas. Sem essa capacidade com um de com preensão, seria im possível a
com unicação m ais banal, aquela que não costum am os sequer questionar. Isso,
entretanto, não é suficiente para um entendim ento de m aior profundidade, m ais
sociológico, dessas conexões.
Esse processo, contudo, não nos possibilita conhecer o obj eto em si. Tem os
então de acrescentar algum as perguntas, por exem plo: de que m aneira esse
obj eto é peculiar? De que form a ele se diferencia de outros, para que se
j ustifique o fato de poderm os a ele nos referir por um nom e diferente? Se
cham ar um anim al de leão é correto m as cham á-lo de tigre não, deve haver algo
que leões tenham e tigres não, deve haver distinções entre eles. Só descobrindo
essas diferenças podem os saber o que caracteriza um leão – o que é bem
diferente de apenas saber a que obj eto corresponde a palavra “leão”. É o que
acontece com a tentativa de caracterizar a m aneira de pensar que podem os
cham ar de sociológica.
Satisfaz-nos o fato de a palavra “sociologia” representar certo corpo de
conhecim entos e certas práticas que utilizam esse conhecim ento acum ulado.
Entretanto, o que faz esses conteúdos e essas práticas serem exatam ente
“sociológicos”? O que os torna diferentes de outros corpos de conhecim ento e de
outras disciplinas que têm seus próprios procedim entos?
Para responder a essa pergunta, poderíam os, voltando a nosso exem plo do
leão, buscar distinguir a sociologia de outras disciplinas. Em m uitas bibliotecas, as
estantes m ais próxim as às de sociologia têm etiquetas com o “história”,
“antropologia”, “ciência política”, “direito”, “políticas públicas”, “ciências
contábeis”,
“psicologia”,
“ciências
da
adm inistração”,
“econom ia”,
“crim inologia”, “filosofia”, “serviço social”, “linguística”, “literatura” e
“geografia hum ana”. Os bibliotecários que as organizam talvez suponham que os
leitores que pesquisam a seção de sociologia podem eventualm ente chegar a um
livro desses outros assuntos. Em outras palavras, considera-se que o tem a central
da sociologia deve estar m ais próxim o desses corpos de conhecim ento que de
outros. Talvez as diferenças entre os livros de sociologia e seus vizinhos im ediatos
sej am , então, m enos pronunciadas do que as existentes entre sociologia e,
digam os, quím ica orgânica?
Faz sentido essa catalogação. Os corpos de conhecim ento dessas m atérias têm
m uito em com um , sendo preocupação de todas elas o mundo feito pelos seres
humanos, aquele que só existe em decorrência de nossas ações. Todos esses
sistem as de pensam ento, cada um à sua m aneira, se referem a ações hum anas e
suas consequências. Se, entretanto, exploram o m esm o território, o que os
distingue? O que os faz tão diferentes um do outro que j ustifique cada qual ter um
nom e?
Som os tentados a oferecer um a resposta sim ples para essas questões: divisões
entre corpos de conhecim ento devem refletir as divisões em seu universo de
investigação. São as ações hum anas (ou os aspectos dessas ações) que diferem
um as das outras, e as divisões entre os diferentes corpos de conhecim ento
sim plesm ente levam em conta esse fato. Assim , a história diz respeito às ações
que têm lugar no passado, enquanto a sociologia se concentra nas ações atuais.
De m odo sim ilar, a antropologia trata de sociedades hum anas em estágios de
desenvolvim ento diferentes daquele em que se encontra a nossa
(independentem ente da m aneira com o isso sej a definido).
No que diz respeito a outros parentes próxim os da sociologia, a ciência política
tende a discutir ações relativas ao poder e ao governo; a econom ia lida com
aquelas relacionadas ao uso de recursos em term os de m axim ização de sua
utilidade por indivíduos considerados “racionais”, em um sentido particular do
term o, assim com o à produção e à distribuição de bens; o direito e a crim inologia
estão interessados na interpretação e aplicação de leis e norm as que regulam o
com portam ento hum ano e na m aneira com o essas norm as estão articuladas,
com o se tornam obrigatórias, são executadas e seus efeitos. Todavia, esse m odo
de j ustificar as fronteiras entre disciplinas torna-se problem ático, pois assum im os
que o m undo hum ano reflete divisões tão precisas que dem andam ram os
especializados de investigação. Chegam os então a um debate im portante: com o a
m aioria das crenças que parecem autoevidentes, essas divisões só se m antêm
óbvias enquanto nos abstem os de exam inar os pressupostos que as sustentam .
Então, de onde tiram os a ideia de que as ações hum anas podem ser divididas
em categorias? Seria do fato de que elas têm sido assim classificadas, e a cada
um a tem se atribuído nom e específico? Ou do fato de que há grupos de
especialistas com credibilidade, considerados conhecedores e confiáveis, que
clam am direitos exclusivos para estudar determ inados aspectos da sociedade e
nos suprir com opiniões fundam entadas? Do ponto de vista de nossas
experiências, contudo, faz sentido repartir a sociedade entre econom ia, ciência
política ou políticas públicas? Afinal, não vivem os um m om ento sob o dom ínio da
ciência política e o seguinte sob o da econom ia; nem nos deslocam os da
sociologia para a antropologia quando viaj am os da Inglaterra para algum a
região, digam os, da Am érica do Sul; ou da história para a sociologia de um ano
para outro!
Será que som os capazes de separar esses dom ínios de atividade em nossas
experiências e, assim , categorizar nossas ações em políticas num m om ento e
econôm icas em outro porque antes de tudo fom os ensinados a fazer tal distinção?
Então o que conhecem os não seria o m undo em si, m as o que nele estam os
fazendo em term os de com o nossas práticas são conform adas por um a im agem
daquele m undo. Trata-se de um m odelo construído com os blocos derivados das
relações entre linguagem e experiência. Desse m odo, não há divisão natural do
m undo hum ano que se reflita em diferentes disciplinas acadêm icas. O que há,
pelo contrário, é um a divisão de trabalho entre os estudiosos que se debruçam
sobre as ações hum anas, e isso é reforçado pela m útua distinção dos respectivos
especialistas, com os direitos exclusivos de cada grupo quanto à decisão do que
pertence e do que não pertence a suas áreas específicas.
Em busca da “diferença que faz a diferença”, deparam os com a questão: em
que as práticas desses ram os de estudo diferem um as das outras? Existe
sim ilaridade nas atitudes de cada um deles em relação ao que escolheram com o
obj eto de estudo. Afinal, todos exigem obediência às m esm as regras de conduta
ao lidar com seus respectivos obj etos. Todos buscam coletar fatos relevantes e
garantir sua validade, e, então, testam e voltam a testar esses fatos no sentido de
confirm ar a confiabilidade das inform ações a respeito deles. Além disso, todos
tentam colocar as proposições sobre esses fatos de tal m aneira que elas sej am
clara e inequivocam ente com preendidas e confirm adas por evidências. Fazendo
isso, procuram antecipar-se a contradições entre proposições ou m esm o elim iná-
las, de m odo que nunca duas afirm ações opostas sej am consideradas verdadeiras
ao m esm o tem po. Sim plificando, todos eles tentam fazer j us à ideia de um a
disciplina sistem ática e apresentar seus achados de m odo responsável.
Agora podem os afirm ar que não há diferença na m aneira com o a tarefa dos
especialistas, bem com o sua m arca registrada – a responsabilidade acadêm ica –,
é entendida e praticada. Quem reivindica a condição de especialista parece
em pregar estratégias sim ilares para coletar e processar seus fatos: observa
aspectos das ações hum anas ou em prega evidências históricas e busca interpretá-
las segundo m odos de análise coerentes com essas ações. Logo, parece que nossa
últim a esperança de encontrar o traço distintivo está nos tipos de questão que
m otivam cada cam po, ou sej a, aquelas que determ inam os pontos de vista
(perspectivas cognitivas) pelos quais as ações hum anas são observadas,
pesquisadas, descritas e explicadas por estudiosos dessas diferentes disciplinas.
Vej am os o tipo de questão que m otiva os econom istas. Nessa abordagem , o
que é levado em consideração se deslocaria para a relação entre custos e
benefícios das ações hum anas, avaliadas do ponto de vista do gerenciam ento de
recursos escassos e dos m odos possíveis de m axim izar seus benefícios. Além
disso, as relações entre os atores seriam exam inadas com o aspectos da produção
e das trocas de bens e serviços, todos eles considerados regulados por relações de
m ercado de oferta e procura e pelo desej o dos atores de conquistar suas
preferências de acordo com um m odelo de ação racional. Os achados seriam ,
então, arranj ados em um m odelo do processo pelo qual os recursos são criados,
obtidos e distribuídos entre várias dem andas.
A ciência política, por sua vez, m ais provavelm ente se interessará pelos
aspectos das ações hum anas que m udam – ou são m udados por – condutas
vigentes ou prognósticas de outros atores em term os de seu poder e influência.
Nesse sentido, as ações podem ser vistas em term os de assim etria entre essas
duas grandezas, e, então, alguns atores em ergem da interação com seus
com portam entos m ais significativam ente m odificados do que os de outros
integrantes dessa interação. Tam bém é possível organizar essas descobertas em
torno de conceitos com o poder, dom inação, Estado, autoridade e outros.
As preocupações da econom ia e da ciência política não são de m aneira
algum a estranhas à sociologia, o que logo se evidencia em trabalhos sociológicos
escritos por estudiosos que se podem identificar com o historiadores, cientistas
políticos, antropólogos ou geógrafos. A sociologia, aliás, com o outros ram os das
ciências sociais, possui sua própria perspectiva cognitiva que estabelece questões
a lançar acerca das ações hum anas, assim com o seus próprios princípios de
interpretação. Desse ponto de vista, podem os dizer que a sociologia se distingue
por observar as ações hum anas com o elem entos de figurações m ais am plas; ou
sej a, de um a m ontagem não aleatória de atores reunidos em rede de
dependência m útua (dependência considerada o estado no qual a probabilidade
de que a ação sej a em preendida e as chances de seu sucesso se alterem em
função do que sej am os atores, do que façam ou possam fazer).
Os sociólogos perguntam que consequências isso tem para os atores hum anos,
as relações nas quais ingressam os e as sociedades das quais som os parte. Em
resposta, form atam o obj eto da investigação sociológica. Assim , figurações,
redes de dependência m útua, condicionam entos recíprocos da ação e expansão
ou confinam ento da liberdade dos atores estão entre as m ais preem inentes
preocupações da sociologia.
Atores individuais tornam -se obj eto das observações de estudos sociológicos à
m edida que são considerados participantes de um a rede de interdependência. Por
isso, e porque, não im portando o que façam os, som os dependentes dos outros,
poderíam os dizer que a questão central da sociologia é: com o os tipos de relações
sociais e de sociedades em que vivem os têm a ver com as im agens que
form am os uns dos outros, de nós m esm os e de nosso conhecim ento, nossas ações
e suas consequências? São questões desse tipo – partes das realidades práticas da
vida cotidiana – que constituem a área própria da discussão sociológica e
definem a sociologia com o ram o relativam ente autônom o das ciências hum anas
e sociais. Logo, podem os concluir que aprender a pensar com a sociologia é um a
form a de com preender o m undo dos hom ens que tam bém abre a possibilidade
de pensá-lo de diferentes m aneiras.
Sociologia e senso com um
Aprender a pensar sociologicam ente é um a atividade que se distingue tam bém
por sua relação com o cham ado “senso com um ”. Talvez m ais ainda que em
outras áreas de estudo, a relação com o senso com um é, na sociologia,
conform ada por questões im portantes para sua perm anência e sua prática. As
ciências físicas e biológicas não se preocupam aparentem ente em enunciar sua
relação com o senso com um . A m aioria das ciências se estabelece definindo-se
em term os das fronteiras que as separam de outras disciplinas, e não se supõe
partilhando terreno suficiente para se preocupar em traçar fronteiras ou pontes
com esse conhecim ento rico, ainda que desordenado e não sistem ático, em geral
desarticulado, inefável, que cham am os de senso com um .
Essa indiferença deve ter algum a j ustificativa. O senso com um , afinal, parece
nada ter a dizer sobre os problem as que preocupam físicos, quím icos e
astrônom os. Os assuntos com os quais eles lidam não se voltam para as
experiências cotidianas nem passam pela m ente de hom ens e m ulheres com uns.
Assim , não especialistas em geral não se consideram aptos a em itir opiniões a
respeito desses tem as, a m enos que sej am auxiliados por cientistas. Afinal, os
obj etos explorados pelas ciências físicas só são acessíveis sob circunstâncias
m uito especiais – por exem plo, através das lentes de telescópios gigantescos, cuj o
uso para desenvolver experim entos em determ inadas condições é exclusividade
dos cientistas, que dessa form a reivindicam para si a posse m onopolística de um
dado ram o da ciência. Com o únicos detentores da experiência que fornece a
m atéria-prim a para seus estudos, o processo, as análises e a interpretação desses
m ateriais estão sob seu controle. Os produtos dessa form a de posse devem , então,
subm eter-se e resistir ao escrutínio crítico de outros cientistas. Não precisam
com petir com o senso com um pela sim ples razão de que este não tem pontos de
vista sobre as m atérias a respeito das quais essas áreas se pronunciam .
Devem os agora lem brar algum as questões m ais sociológicas. Afinal, a
caracterização seria tão sim ples quanto sugere o que acabam os de dizer? A
produção de conhecim ento científico contém fatores sociais que inform am e
conform am suas práticas, enquanto as descobertas científicas podem ter
im plicações sociais, políticas e econôm icas a respeito das quais, em qualquer
sociedade dem ocrática, a últim a palavra não será dos cientistas. Em outras
palavras, não podem os separar tão facilm ente o sentido da pesquisa científica dos
fins a que ela pode ser aplicada, nem separar a razão prática da própria ciência.
Afinal, a m aneira com o a pesquisa é financiada, e por quem , pode, em algum as
instâncias, ser determ inante para seus resultados.
Preocupações públicas recentes com a qualidade do alim ento que
consum im os, o am biente em que vivem os, o papel da engenharia genética e o
patenteam ento de inform ação sobre os genes de populações por parte de grandes
corporações representam apenas um a pequena parcela da gam a de questões que
a ciência não pode regular sozinha – um a vez que está diante da j ustificação do
conhecim ento, m as tam bém de suas aplicações e im plicações nas vidas que ele
conduz. Esses assuntos dizem respeito a nossas experiências e suas relações com
práticas cotidianas, ao controle que tem os sobre nossa vida e à direção em que
nossas sociedades se orientam .
Esses tem as fornecem a m atéria-prim a para a investigação sociológica.
Vivem os em com panhia de outras pessoas e interagim os uns com os outros.
Nesse processo, dem onstram os extraordinária quantidade de conhecimento
tácito, que nos perm ite lidar bem com os desafios do dia a dia. Cada um de nós é
um ator habilidoso, m as o que conseguim os e o que som os depende do que fazem
as outras pessoas. Afinal, a m aioria de nós j á viveu a angustiante experiência de
ruptura da com unicação com am igos e desconhecidos. Segundo esse ponto de
vista, o assunto da sociologia j á está em butido em nosso cotidiano, sem o que,
aliás, seríam os incapazes de conduzir nossa vida na com panhia dos outros.
Em bora profundam ente im ersos em nossas rotinas – conform adas por
conhecim ento prático orientado para os parâm etros sociais pelos quais
interagim os –, não é frequente pararm os para pensar sobre o significado daquilo
por que passam os; e m enos ainda para com parar nossas experiências pessoais
com o destino dos outros, a não ser, talvez, para obter respostas individuais para
os problem as sociais ostensivam ente exibidos para o consum o de todos em
program as de entrevistas na TV. Nesse caso, entretanto, a privatização de
questões sociais é reforçada, aliviando-nos, assim , do fardo de enxergar as
dinâm icas das relações sociais no que é antes visto com o reações individuais.
É exatam ente isso que o pensam ento sociológico pode fazer por nós. Com o
um m odo de pensar, ele nos fará questões do tipo: “Com o nossas biografias
individuais se entrelaçam com a história que partilham os com outros seres
hum anos?” Ao m esm o tem po, sociólogos são parte dessa experiência e, com o
tal, não im porta quão arduam ente tentem m anter distância de seus obj etos de
estudo – tratando as experiências de vida com o obj etos “de fora” –, não
conseguem desligar-se com pletam ente do conhecim ento que buscam
com preender. Apesar disso, essa condição pode ser um a vantagem , posto que
possuem um a visão interna e externa das experiências que tentam entender.
Há, entretanto, m uito m ais a ser dito sobre a relação entre a sociologia e o
senso com um . Os obj etos da astronom ia precisam ser nom eados, alocados em
um conj unto ordenado e com parados com outros fenôm enos sim ilares. Existem
poucos equivalentes sociológicos desse tipo de fenôm eno lim po e intocado, que
nunca tenha sido preenchido com significados antes que os sociólogos
aparecessem com seus questionários, fizessem anotações em seus cadernos de
cam po ou observassem docum entos relevantes. As ações hum anas e as
interações que os sociólogos estudam j á receberam nom es e j á foram analisadas
pelos próprios atores, e, dessa m aneira, são obj etos de conhecim ento do senso
com um . Fam ílias, organizações, redes de parentesco, vizinhanças, bairros,
aldeias, cidades, nações, igrej as e qualquer outro agrupam ento m antido coeso
pelas interações hum anas regulares j á se apresentam com significados e
significações conferidos pelos atores.
Por essas razões, a sociologia está intim am ente relacionada ao senso com um .
A segurança de cada um a dessas instâncias não pode ser garantida de antem ão,
em função de suas fronteiras perm eáveis e fluidas. Assim com o no caso das
aplicações das descobertas dos geneticistas e suas im plicações para a vida social,
a soberania da sociologia sobre o conhecim ento social provavelm ente é
contestável. Por isso, estabelecer um a fronteira entre conhecim ento sociológico
form al e senso com um é questão tão im portante para a identidade da sociologia
com o m anter um corpo de conhecim ento coeso. Não surpreende, portanto, o fato
de os sociólogos darem tanta atenção a esse tem a, e podem os apontar quatro
m odelos segundo os quais essa diferença tem sido levada em consideração.
Em prim eiro lugar, a sociologia, à diferença do senso com um , em penha-se
em se subordinar às regras rigorosas do discurso responsável. Trata-se de atributo
da ciência para se distinguir de outras form as de conhecim ento, sabidam ente
m ais flexíveis e m enos vigilantes em term os de autocontrole. Espera-se dos
sociólogos, em sua prática, um grande cuidado para distinguir – de m aneira clara
e visível – afirm ações corroboradas por evidências verificáveis e aquelas que
reivindicam seu status a partir de m eras ideias provisórias e não testadas. As
regras de responsabilidade discursiva exigem que a “oficina” – o conj unto de
procedim entos que conduz às conclusões finais e que, afirm a-se, garantiria sua
credibilidade – estej a sem pre aberta para fiscalização.
O discurso responsável tem tam bém de se relacionar com outras afirm ações
a respeito do m esm o tópico e, desse m odo, não pode dispensar ou passar em
silêncio por outros pontos de vista que tenham sido verbalizados, por m ais
inconvenientes que eles possam ser para o argum ento. Dessa m aneira, a
fidedignidade, a confiabilidade e, finalm ente, tam bém a utilidade prática das
proposições que se seguirem a esse argum ento serão bastante am pliadas. Afinal,
nossa crença na credibilidade da ciência apoia-se na esperança de que os
cientistas tenham seguido as regras do discurso responsável. Quanto aos
cientistas, eles próprios apontam para as virtudes do discurso responsável com o
argum ento para validar e conferir confiabilidade ao conhecim ento que
produzem .
Em segundo lugar, há o tam anho do cam po do qual o m aterial do pensam ento
sociológico é extraído. Para a m aioria de nós, no dia a dia, esse cam po se resum e
a nossos próprios mundos da vida, ou sej a, ao que fazem os, às pessoas que
encontram os, aos propósitos que estabelecem os para nossos em preendim entos e
pressupom os que outras pessoas estabeleçam para os delas, assim com o os
tem pos e os lugares em que interagim os. Poucas vezes consideram os necessário
ultrapassar o nível de nossas preocupações cotidianas para am pliar o horizonte de
nossas experiências, atitude que exigiria tem po e recursos de que m uitos podem
não ter ou com que não se dispõem a arcar. Dada, porém , a trem enda variedade
de condições de vida e de experiências no m undo, cada um a é necessariam ente
parcial e talvez até unidim ensional.
Essas questões só podem ser exam inadas se as colocarm os j untas e
com pararm os experiências prospectadas a partir de um a m ultiplicidade de
m undos. Só então as realidades delim itadas da experiência individual serão
reveladas, assim com o a com plexa rede de dependência e interconexões na qual
elas estão envolvidas – rede que vai m uito além da esfera que pode ser acessada
a partir do ponto de vista da biografia singular. O resultado global de tal
am pliação de horizontes será a descoberta da íntim a ligação entre biografia
individual e am plos processos sociais. É por essa razão que a busca dessa
perspectiva m ais am pla efetivada pelos sociólogos faz um a enorm e diferença –
não só quantitativam ente, m as tam bém na qualidade e nos usos do conhecim ento.
Para gente com o nós, o saber sociológico tem algo a oferecer que o senso
com um , por m ais rico que sej a, sozinho não nos pode dar.
Em terceiro lugar, a sociologia e o senso com um diferem quanto ao sentido
que cada um atribui à vida hum ana em term os de com o entendem e explicam
eventos e circunstâncias. Sabem os por nossas experiências que som os “o autor”
de nossas ações, e que o que fazem os é efeito de nossas intenções, m uito em bora
os resultados possam não corresponder ao que pretendíam os. Em geral agim os
para alcançar um estado de coisas, sej a visando possuir um obj eto, receber
elogios, im pedir que aconteça algo que não nos agrada ou aj udar um am igo.
Naturalm ente, o m odo com o pensam os nossas ações é o m odelo pelo qual dam os
sentido às ações dos outros. Nessa m edida, a única m aneira que tem os para
conferir sentido ao m undo hum ano à nossa volta é sacar nossas ferram entas
explicativas estritam ente no interior de nossos próprios mundos da vida.
Tendem os a perceber tudo que acontece no m undo em geral com o resultado
da ação intencional de alguém , que procuram os até encontrar, acreditando, então
que nossas investigações tiveram êxito. Assum im os que a boa vontade está por
trás dos eventos para os quais som os favoravelm ente predispostos e que há m ás
intenções por trás daqueles que nos desagradam . Em geral, as pessoas têm
dificuldade em aceitar que um a situação não sej a efeito de ações intencionais de
alguém identificável.
Aqueles que falam em nom e da realidade contida na esfera pública –
políticos, j ornalistas, pesquisadores de m ercado, anunciantes, publicitários –
m ostram sintonia em relação a essas tendências e se referem a “necessidades do
Estado” ou “dem andas da econom ia”. Isso é dito com o se o Estado ou a
econom ia fossem feitos na m edida de indivíduos com o nós, com necessidades e
desej os específicos. De m odo sim ilar, lem os e ouvim os falar a respeito de
problem as com plexos de nações, Estados e sistem as econôm icos, descritos com o
efeitos dos pensam entos e dos escritos de um grupo de indivíduos que podem os
nom ear, fotografar e entrevistar. Os governos m uitas vezes tam bém se
desobrigam de responsabilidades, referindo-se a coisas fora de seu controle ou
tratando das “dem andas públicas” por m eio de grupos focais e pesquisas de
opinião.
A sociologia se opõe tanto ao m odelo que se funda na particularidade das
visões de m undo, com o se elas pudessem , sem problem a algum , dar conta de um
estado geral de coisas, quanto ao que usa form as inquestionáveis de
com preensão, com o se elas constituíssem um m odo natural de explicação de
eventos, com o se eles pudessem ser sim plesm ente separados da m udança
histórica ou das localidades sociais de que em ergiram . Quando, em vez de atores
individuais em ações isoladas, tom a figurações (redes de dependência) com o
ponto de partida de suas pesquisas, a sociologia dem onstra que a m etáfora
com um do indivíduo dotado de m otivação com o chave da com preensão do
m undo hum ano – incluindo nossos próprios pensam entos e ações,
m inuciosam ente pessoais e privados – não é cam inho apropriado para nos
entender e aos outros. Pensar sociologicam ente é dar sentido à condição hum ana
por m eio de um a análise das num erosas teias de interdependência hum ana –
aquelas m ais árduas realidades a que nos referim os para explicar nossos m otivos
e os efeitos de suas ativações.
Finalm ente, em quarto lugar, o poder do senso com um depende da
autoevidência de seu caráter, isto é, do não questionam ento de seus preceitos e de
sua autoconfirm ação na prática. Esse caráter, por sua vez, repousa na rotina,
personagem habitual da vida cotidiana, que conform a nosso senso com um e é ao
m esm o tem po por ele conform ado. Esse sistem a é indispensável à continuidade
de nossas vidas. Quando repetidos com suficiente frequência, os fatos tendem a
tornar-se fam iliares, e o que é fam iliar costum a ser considerado autoexplicativo:
não apresenta problem as e pode não despertar curiosidade. Não se pergunta às
pessoas se elas estão satisfeitas com “as coisas com o são” por razões não abertas
ao escrutínio. O fatalism o, por sua vez, pode desem penhar seu papel, por m eio da
crença de que podem os fazer m uito pouco para m udar as condições em que
agim os.
De acordo com esse ponto de vista, é possível afirm ar que a fam iliaridade
estaria em tensão com seu caráter inquisitivo e que isso tam bém pode
potencializar o ím peto de inovação e transform ação. Em face do m undo
considerado fam iliar, governado por rotinas capazes de reconfirm ar crenças, a
sociologia pode surgir com o alguém estranho, irritante e introm etido. Por colocar
em questão aquilo que é considerado inquestionável, tido com o dado, ela tem o
potencial de abalar as confortáveis certezas da vida, fazendo perguntas que
ninguém quer se lem brar de fazer e cuj a sim ples m enção provoca
ressentim entos naqueles que detêm interesses estabelecidos. Essas questões
transform am o evidente em enigm a e podem desfam iliarizar o fam iliar – com os
padrões norm ais de vida e as condições sociais em que eles têm lugar em
j ulgam ento, elas em ergem não com o a única, m as com o um a das possíveis
form as de dar andam ento a nossas vidas e organizar as relações entre nós.
Obviam ente isso não é para agradar todo m undo, sobretudo aqueles cuj a
situação lhes confere grande vantagem . As rotinas têm tam bém seu lugar. Cabe
aqui recordar a centopeia de Kipling, que andava sem qualquer esforço sobre as
cem patas até que um adulador da corte com eçou a elogiar sua extraordinária
m em ória. Seria essa faculdade o que perm itia que ela j am ais pisasse a
octogésim a quinta perna antes da trigésim a sétim a ou a quinquagésim a segunda
antes da décim a nona. Tornada consciente de si m esm a, a pobre centopeia
perdeu a capacidade de andar.
Há quem se sinta hum ilhado ou ressentido se algo que dom ina e de que se
orgulha é desvalorizado porque foi questionado. Por m ais com preensível, porém ,
que sej a o ressentim ento assim gerado, a desfamiliarização pode ter benefícios
evidentes. Pode em especial abrir novas e insuspeitadas possibilidades de
conviver com m ais consciência de si, m ais com preensão do que nos cerca em
term os de um eu m ais com pleto, de seu conhecim ento social e talvez tam bém
com m ais liberdade e controle.
Para todos aqueles que acham que viver a vida de m aneira m ais consciente
vale a pena, a sociologia é um guia bem -vindo. Em bora repouse em constante e
íntim a conversação com o senso com um , ela procura ultrapassar suas lim itações
abrindo possibilidades que poderiam facilm ente ser ignoradas. Quando aborda e
desafia nosso conhecim ento partilhado, a sociologia nos incita e encoraj a a
reacessar nossas experiências, a descobrir novas possibilidades e a nos tornar,
afinal, m ais abertos e m enos acom odados à ideia de que aprender sobre nós
m esm os e os outros leva a um ponto final, em lugar de constituir um processo
dinâm ico e estim ulante cuj o obj etivo é a m aior com preensão.
Pensar sociologicam ente pode nos tornar m ais sensíveis e tolerantes em
relação à diversidade, daí decorrendo sentidos afiados e olhos abertos para novos
horizontes além das experiências im ediatas, a fim de que possam os explorar
condições hum anas até então relativam ente invisíveis. Tendo com preendido
m elhor o m odo com o surgiram os aspectos aparentem ente naturais, inevitáveis,
im utáveis e perm anentes de nossas vidas – m ediante exercício de poder e m eios
hum anos –, nos parecerá m uito m ais difícil aceitar que eles sej am im unes e
im penetráveis a ações subsequentes – incluindo aí as nossas próprias ações.
O pensam ento sociológico, com o um poder antifixação, é, dessa m aneira, um
poder em seu próprio direito. Ele torna flexível aquilo que pode ter sido a fixidez
opressiva das relações sociais e, ao fazer isso, abre um m undo de possibilidades.
A arte de pensar sociologicam ente consiste em am pliar o alcance e a efetividade
prática da liberdade. Quanto m ais disso aprender, m ais o indivíduo será flexível
diante da opressão e do controle, e portanto m enos suj eito a m anipulação. É
provável que ele tam bém se torne m ais efetivo com o ator social, um a vez que
passa a ver conexões entre suas ações e as condições sociais, assim com o a
possibilidade de transform ação daquelas coisas que, por sua fixidez, se dizem
im utáveis, m as estão abertas à transform ação.
Há tam bém o que se encontra para além de nós com o indivíduos. Dissem os
que a sociologia pensa de form a relacional para nos situar em redes de relações
sociais. Faz, assim , um a apologia do indivíduo, m as não do individualism o. Nesse
sentido, pensar sociologicam ente significa entender de um m odo um pouco m ais
com pleto quem nos cerca, tanto em suas esperanças e desej os quanto em suas
inquietações e preocupações. Podem os então apreciar m elhor o indivíduo
hum ano contido nesse coletivo e talvez aprender a respeitar aquilo que toda
sociedade civilizada tem de garantir para se sustentar: o direito de cada m em bro
do coletivo escolher e pôr em prática m aneiras de viver de acordo com suas
preferências.
Isso significa selecionar seus proj etos de vida, definir-se e defender sua
própria dignidade, assim com o os dem ais defendem a deles, diante de obstáculos
com que todos se deparam , em variados graus. Pensar sociologicam ente, então,
tem um potencial para prom over a solidariedade entre nós, um a solidariedade
fundada em com preensão e respeito m útuos, em resistência conj unta ao
sofrim ento e em partilhada condenação das crueldades que o causam .
Finalm ente, se for conquistada, a causa da liberdade será m uito am pliada, posto
que elevada ao patam ar de causa com um .
De volta ao que estávam os falando, a respeito da fluidez daquilo que parece
inflexível, o insight sociológico sobre a lógica interna e o sentido das form as de
viver diferentes da nossa podem nos levar a pensar de novo sobre os lim ites
estabelecidos entre nós e os outros. Um a nova com preensão gerada dessa
m aneira pode tornar nossa com unicação com “os outros” m ais fácil e m ais
inclinada a conduzir ao m útuo entendim ento. Medo e antagonism o podem ser
substituídos por tolerância. Não há m aior garantia de liberdade individual que a
liberdade de todos.
Dar-se conta da conexão entre as liberdades individual e coletiva tem um
efeito desestabilizador sobre as relações de poder existentes ou sobre o que
m uitas vezes cham am os de “ordens sociais”. É por essa razão que acusações de
“deslealdade política” são feitas contra a sociologia por parte de governos e
outros detentores de poder que m antêm o controle da ordem social. Isso é
bastante evidente naqueles governos que buscam m oldar a realidade em seu
nom e, alegando-se representantes, sem problem a algum com relação ao estado
de coisas em vigor, com o se ele fosse natural; ou que castigam as condições
contem porâneas por m eio de nostálgicos convites a um a era passada, m ítica, na
qual todos conheciam seus lugares na sociedade.
Quando testem unham os m ais um a cam panha contra o “im pacto subversivo”
da sociologia, podem os presum ir que aqueles que querem governar por decreto
preparam outro ataque à capacidade dos suj eitos de resistir à coercitiva
regulação da vida individual. Tais cam panhas em geral coincidem com m edidas
agressivas que m iram as form as sobreviventes de autogerência e autodefesa de
direitos coletivos; visam , em outras palavras, às fundações coletivas da liberdade
individual.
Diz-se às vezes que a sociologia é o poder dos sem poder. Isso nem sem pre é o
caso, em particular nos lugares onde os praticantes se encontram sob crescentes
pressões para se adequar às expectativas governam entais. Não há garantia de
que, tendo adquirido entendim ento sociológico, alguém possa dissolver e destituir
o poder das “árduas realidades” da vida. O poder da com preensão não é páreo
para as pressões da coerção, aliadas ao senso com um resignado e subm isso sob
condições econôm icas e políticas dom inantes. Não fosse, porém , por esse
entendim ento, as chances de adm inistração bem -sucedida da vida de alguém e
da adm inistração coletiva das condições partilhadas de vida seriam ainda
m enores. Trata-se de um a form a de pensar só valorizada positivam ente por
aqueles que não a podem considerar indiscutível; quando se trata daqueles que
podem , é quase sem pre subavaliada.
O conteúdo deste livro
Este livro foi escrito com o obj etivo de aj udar as pessoas a entender suas
experiências pessoais em si m esm as e com os outros. Ao fazer isso, m ostra com o
os aspectos aparentem ente fam iliares da vida podem ser interpretados de
m aneiras diferentes e inovadoras. Cada capítulo aborda questões que são parte de
nossa vida cotidiana, m esm o que não se encontrem na linha de frente de nossa
com preensão do dia a dia. Elas dizem respeito a m aneiras de ver e aos dilem as e
escolhas com que rotineiram ente deparam os, m as sobre os quais tem os pouco
tem po ou oportunidade de refletir. Nosso obj etivo é, assim , conduzir o
pensam ento nesses term os, e não segundo um “pensam ento correto”. Querem os
am pliar os horizontes de com preensão, m as não para corrigir algum a noção de
erro, com um a ideia de verdade inquestionável. No processo, esperam os
encoraj ar um a atitude questionadora, na qual entender os outros nos perm ite
m elhor entender a nós m esm os com os outros.
Este livro é diferente de grande parte dos dem ais, porque é organizado de
acordo com questões que conform am nosso cotidiano. Há tem as que interessam
a sociólogos profissionais no curso de suas práticas, m as que são brevem ente
m encionados ou m esm o inteiram ente om itidos, com o, por exem plo, a
m etodologia de pesquisa para o estudo da vida social. Tratase de um com entário
sociológico sobre tem as que integram diretam ente nossa experiência diária, cuj a
divisão em partes e capítulos pautou-se por esse conceito. Neste guia, nossa
narrativa sociológica não será desenvolvida de m aneira linear, porque
retornam os a alguns tópicos ao longo do texto. Por exem plo, a identidade social
aparecerá sob m uitas form as nos diversos capítulos, pois é assim que o esforço
de com preensão funciona na prática. Afinal, quando exam inam os um novo
tem a, ele vai revelando novas questões e, assim , trazendo para a luz aquelas que
ainda não havíam os considerado. Com o assinalam os, isso é parte de um processo
no qual adquirim os m aior conhecim ento – um a tarefa sem -fim .
Questões para refletir
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