Venceslau Pietro Pietra ficara muito doente com a sova e estava todo
envolvido em ram a de algodão. Passou m eses na rede. Macunaím a não podia
nem dar passo pra conseguir a m uiraquitã agora guardada dentro do caram uj o
por debaixo do corpo do gigante. Im aginou botar form iga cupim no chinelo do
outro porque isso traz m orte, dizem , porém Piaim ã tinha pé pra trás e não usava
chinelo. Macunaím a estava m uito contrariado com aquele chove-não-m olha e
passava o dia na rede m astigando beij u m em beca entre codórios longos de
restilo. Nesse tem po veio pedir pousada na pensão o índio Antônio, santo fam oso
com a com panheira dele, Mãe de Deus. Foi visitar Macunaím a, fez discurso e
batizou o herói diante do deus que havia de vir e tinha form a nem bem de peixe
nem bem de anta. Foi assim que Macunaím a entrou pra religião Caraim onhaga
que estava fazendo furor no sertão da Baía.
Macunaím a aproveitava a espera se aperfeiçoando nas duas línguas da terra,
o brasileiro falado e o português escrito. Já sabia nom e de tudo. Um a feita era dia
da Flor, festa inventada pros brasileiros serem caridosos e tinha tantos m osquitos
carapanãs que Macunaím a largou do estudo e foi na cidade refrescar as idéias.
Foi e viu um despropósito de coisas. Parava em cada vitrina e exam inava dentro
dela aquela porção de m onstros, tantos que até parecia a serra do Ererê onde
tudo se refugiou quando a enchente grande inundou o m undo. Macunaím a
passeava passeava e encontrou um a cunhatã com um a urupem a carregadinha de
rosas. A m ocica fez ele parar e botou um a flor na lapela dele, falando:
– Custa m ilréis.
Macunaím a ficou m uito contrariado porque não sabia com o era o nom e
daquele buraco na m áquina roupa onde a cunhatã enfiara a flor. E o buraco
cham ava botoeira. Im aginou esgarafunchando na m em ória bem , m as nunca não
ouvira m esm o o nom e daquele buraco. Quis cham ar aquilo de buraco porém viu
logo que confundia com os outros buracos deste m undo e ficou com vergonha da
cunhatã. “Orifício” era palavra que a gente escrevia m as porém nunca ninguém
não falava “orifício” não. Depois de pensam entear pensam entear não havia
m eios m esm o de descobrir o nom e daquilo e pôs reparo que da rua Direita onde
topara com a cunhatã j á tinha ido parar adiante de São Bernardo, passada a
m oradia de m estre Cosm e. Então voltou, pagou pra m oça e falou de venta-
inchada:
– A senhora m e arrum ou com um dia-de-j udeu! Nunca m ais m e bote flor
neste... neste puíto, dona!
Macunaím a era desbocado dum a vez. Falara um a bocagem m uito porca,
m uito! A cunhatã não sabia que puíto era palavra-feia não e enquanto o herói
voltava aluado com o caso pra pensão, ficou se rindo, achando graça na palavra.
“Puíto...” que ela dizia. E repetia gozado: “Puíto... Puíto”... Im aginou que era
m oda. Então se pôs falando pra toda a gente si queriam que ela botasse um a rosa
no puíto deles. Uns quiseram outros não quiseram , as outras cunhatãs escutaram
a palavra, a em pregaram e “puíto” pegou. Ninguém m ais não falava em
boutonnière por exem plo; só puíto, puíto se escutava.
Macunaím a ficou de azeite um a sem ana, sem com er sem brincar sem dorm ir
só porque desej ava saber as línguas da terra. Lem brava de perguntar pros outros
com o era o nom e daquele buraco m as tinha vergonha de irem pensar que ele era
ignorante e m oita. Afinal chegou o dom ingo pé-de-cachim bo que era dia do
Cruzeiro, feriado novo inventado pros brasileiros descansarem m ais. De m anhã
teve parada na Mooca, ao m eio-dia m issa cam pal no Coração de Jesus, às
dezessete corso e batalha de confetes na avenida Rangel Pestana e de-noite,
depois da passeata dos deputados e desocupados pela rua Quinze, iam queim ar
um fogo-de-artifício no Ipiranga. Então pra espairecer Macunaím a foi no parque
ver os fogos.
Nem bem saiu da pensão topou com um a cunhã clara, loiríssim a, filhinha-da-
m andioca bem , toda de branco e o chapéu de tucum ã verm elho coberto de
m argaridinhas. Cham ava Fräulein e sem pre carecia de proteção. Foram j untos e
chegaram lá. O parque estava um a boniteza. Tinha tantas m áquinas repuxos
m isturadas com a m áquina luz elétrica que a gente se encostava um no outro no
escuro e as m ãos se agarravam para agüentar a adm iração. Assim a dona fez e
Macunaím a sussurrou docem ente:
– Mani... filhinha da m andioca!...
Pois então a alem ãzinha chorando com ovida, se virou e perguntou pra ele si
deixava ela fincar aquela m argarida no puíto dele. Prim eiro o herói ficou m uito
assarapantado, m uito! e quis zangar porém depois ligou os fatos e percebeu que
fora m uito inteligente. Macunaím a deu um a grande gargalhada.
Mas o caso é que “puíto” j á entrara pras revistas estudando com m uita ciência
os idiom as escrito e falado e j á estava m ais que assente que pelas leis de
catalepse elipse síncope m etoním ia m etafonia m etátese próclise prótese aférese
apócope haplogia etim ologia popular, todas essas leis, a palavra “botoeira” viera
a dar em “puíto”, por m eio dum a palavra interm ediária, a voz latina “rabanitius”
(botoeira-rabanitius-puíto), sendo que rabanitius em bora não encontrada nos
docum entos m edievais, afirm aram os doutos que na certa existira e fora corrente
no serm o vulgaris.
Nesse m om ento um m ulato da m aior m ulataria trepou num a estátua e
principiou um discurso entusiasm ado explicando pra Macunaím a o que era o dia
do Cruzeiro. No céu escam pado da noite não tinha um a nuvem nem Capei. A
gente enxergava os conhecidos, os pais-das-árvores os pais-das-aves os pais-das-
caças e os parentes m anos pais m ães tias cunhadas cunhãs cunhatãs, todas essas
estrelas piscapiscando bem felizes nessa terra sem m al, adonde havia m uita
saúde e pouca saúva, o firm am ento lá. Macunaím a escutava m uito agradecido,
concordando com a fala com prida que o discursador fazia pra ele. Só depois do
hom em apontar m uito e descrever m uito é que Macunaím a pôs reparo que o tal
de Cruzeiro era m as eram aquelas quatro estrelas que ele sabia m uito bem serem
o Pai do Mutum m orando no cam po do céu. Teve raiva da m entira do m ulato e
berrou:
– Não é não!
– ...Meus senhores, que o outro discursava, aquelas quatro estrelas rutilantes
com o lágrim as ardentes, no dizer do sublim e poeta, são o sacrossanto e
tradicional Cruzeiro que...
– Não é não!
– Psiu!
– ...o sím bolo m ais...
– Não é não!
– Apoiados!
– Fora!
– Psiu!... Psiu!...
– ...m ais su-sublim e e m aravilhoso da nossa am a-m ada pátria é aquele
m isterioso Cruzeiro lucilante que...
– Não é não!
– ...ve-vedes com ...
– Nam sculham ba!
– ...suas... qua... tro claras lantej oulas de prat...
– Não é não!
– Não é não! que outros gritavam tam bém .
Com tanta bulha afinal o m ulato entrupigaitou e todos os presentes anim ados
pelo “Não é não!” do herói estavam com m uita vontade de fazer um chinfrim .
Porém Macunaím a trem ia tão tiririca que nem percebeu. Pulou em riba da
estátua e principiou contando a história do Pai do Mutum . E era assim :
– Não é não! Meus senhores e m inhas senhoras! Aquelas quatro estrelas lá é o
Pai do Mutum ! j uro que é o Pai do Mutum , m inha gente, que pára no cam po
vasto do céu!... Isso foi no tem po em que os anim ais j á não eram m ais hom ens e
sucedeu no grande m ato Fulano. Era um a vez dois cunhados que m oravam m uito
longe um do outro. Um cham ava Cam ã-Pabinque e era catim bozeiro. Um a feita
o cunhado de Cam ã-Pabinque entrou no m ato por am or de caçar um bocado.
Estava fazendo e topou com Pauí-Pódole e seu com padre o vagalum e Cam aiuá.
E Pauí-Pódole era o Pai do Mutum . Estava trepado no galho alto da acapu,
descansando. Vai, o cunhado do feiticeiro voltou pra m aloca e falou pra
com panheira dele que tinha topado com Pauí-Pódole e seu com padre Cam aiuá.
E o Pai do Mutum com seu com padre num tem po m uito de dantes j á foram
gente que nem nós m esm os. O hom em falou m ais que bem que tinha querido
m atar Pauí-Pódole com a sarabatana porém não alcançara o poleiro alto do Pai
do Mutum na acapu. E então pegou na frecha de pracuuba com ponta de taboca
e foi pescar carataís. Logo Cam ã-Pabinque chegou na m aloca do cunhado e
falou:
– Mana, o que foi que vosso com panheiro falou pra você?
Então a m ana contou tudo pro feiticeiro e que Pauí-Pódole estava
em poleirado na acapu com seu com padre o vagalum e Cam aiuá. No outro dia
m anhãzinha Cam ã-Pabinque saiu do papiri dele e achou Pauí-Pódole piando na
acapu. Então o catim bozeiro virou na tocandeira Ilague e foi subindo pelo pau
m as o Pai do Mutum enxergou a form igona e soprou um pio forte. Bateu um
ventarrão tam anho que o feiticeiro despencou do pau, caindo nas capituvas da
serrapilheira. Então virou na tacuri Opalá m enorzinha e foi subindo outra vez,
porém Pauí-Pódole tornou a enxergar a form iga. Soprou e veio um ventinho
brisando que sacudiu Opalá nas trapoerabas da serrapilheira. Então Cam ã-
Pabinque virou na lavapés cham ada Megue, pequetitinha, subiu na acapu, ferrou
o Pai do Mutum bem no furinho do nariz, enrolou o corpico e trazendo o não-se-
diz entre os ferrões, j uque! esguichou ácido-fórm ico aí. Chi! m inha gente! Isso
Pauí-Pódole abriu num vôo esparram ado com a dor e espirrou Megue longe! O
feiticeiro nem não pôde sair m ais do corpo de Megue, do susto que pegou. E
ficou m ais essa praga da form iguinha lavapés pra nós... Gente!
“Pouca saúde e m uita saúva,
os m ales do Brasil são.”
j á falei... No outro dia Pauí-Pódole quis ir m orar no céu pra não padecer m ais
com as form igas da nossa terra, fez. Pediu pro com padre vagalum e alum iar o
cam inho na frente com as lanterninhas verdes bem acesas. O vagalum e Cunavá
sobrinho do outro foi na frente alum iando cam inho pra Cam aiuá e pediu pro
m ano que fosse na frente alum iando pra ele tam bém . O m ano pediu pro pai, o
pai pediu pra m ãe, a m ãe pediu pra toda a geração, o chefe-de-polícia e o
inspetor do quarteirão e m uitos m uitos, um a nuvem de vagalum es foram
alum iando cam inho uns pros outros. Fizeram , gostaram de lá e sem pre uns atrás
dos outros nunca m ais voltaram do cam po vasto do céu. É aquele cam inho de luz
que daqui se enxerga atravessando o espaço. Pauí-Pódole então avoou pro céu e
ficou lá. Minha gente! aquelas quatro estrelas não é Cruzeiro, que Cruzeiro nada!
É o Pai do Mutum ! É o Pai do Mutum ! m inha gente! É o Pai do Mutum , Pauí-
Pódole que pára no cam po vasto do Céu!... Tem m ais não.
Macunaím a parou fatigado. Então se ergueu do povaréu um m urm urej o longo
de felicidade fazendo relum ear m ais ainda as gentes, os pais-dos-pássaros os
pais-dos-peixes os pais-dos-insetos os pais-das-árvores, todos esses conhecidos
que param no cam po do céu. E era im enso o contentam ento daquela
paulistanada m andando olhos de assom bro pras gentes, pra todos esses pais dos
vivos brilhando m orando no céu. E todos esses assom bros de-prim eiro foram
gente depois foram os assom bros m isteriosos que fizeram nascer todos os seres
vivos. E agora são as estrelinhas do céu.
O povo se retirou com ovido, feliz no coração cheio de explicações e cheio das
estrelas vivas. Ninguém não se am olava m ais nem com dia do Cruzeiro nem
com as m áquinas repuxos m isturadas com a m áquina luz elétrica. Foram pra
casa botar pelego por debaixo do lençol porque por terem brincado com fogo
aquela noite, na certa que iam m ij ar na cam a. Foram todos dorm ir. E a
escuridão se fez.
Macunaím a parado em riba da estátua ficara sozinho ali. Tam bém estava
com ovido. Olhou pra altura. Que Cruzeiro nada! Era Pauí-Pódole se percebia
bem daqui... E Pauí-Pódole estava rindo pra ele, agradecendo. De repente piou
com prido parecendo trem -de-ferro. Não era trem era piado e o sopro apagou
todas as luzes do parque. Então o Pai do Mutum m exeu um a asa m ansam ente se
despedindo do herói. Macunaím a ia agradecer, porém o pássaro erguendo a
poeira da neblina largou num a carreira esparram ada pelo cam po vasto do céu.
11 A velha Ceiuci
11
A VELHA CEIUCI
No outro dia o herói acordou muito constipado. Era porque apesar do
calorão da noite ele dorm ira de roupa com m edo da Caruviana que pega
indivíduo dorm indo nu. Mas estava m uito ganj ento com o sucesso do discurso da
véspera. Esperou im paciente os quinze dias da doença resolvido a contar m ais
casos pro povo. Porém quando se sentiu bom era m anhãzinha e quem conta
história de dia cria rabo de cotia. Por isso convidou os m anos pra caçar, fizeram .
Quando chegaram ao bosque da Saúde o herói m urm urou:
– Aqui serve.
Dispôs os m anos nas esperas, botou fogo no bosque e ficou tam bém am oitado
esperando que saísse algum viado m ateiro pra ele caçar. Porém não tinha
nenhum viado lá e quando queim ada acabou, j acaré saiu? pois nem viado
m ateiro nem viado catingueiro, saíram só dois ratos cham uscados. Então o herói
caçou os ratos cham uscados, com eu-os e sem cham ar os m anos voltou pra
pensão.
Lá chegado aj untou os vizinhos, criados a patroa cunhãs datilógrafas
estudantes em pregados-públicos, m uitos em pregados-públicos! todos esses
vizinhos e contou pra eles que tinha ido caçar na feira do Arouche e m atara
dois...
– ...m ateiros, não eram viados m ateiros não, dois viados catingueiros que com i
com os m anos. Até vinha trazendo um naco pra vocês m as porém escorreguei na
esquina, caí derrubei o em brulho e cachorro com eu tudo.
Toda a gente se sarapantou com o sucedido e desconfiaram do herói. Quando
Maanape e Jiguê voltaram , os vizinhos foram perguntar pra eles si era verdade
que Macunaím a caçara dois catingueiros na feira do Arouche. Os m anos
ficaram m uito enquizilados porque não sabiam m entir e exclam aram
irritadíssim os:
– Mas que catingueiros esses! O herói nunca m atou viado! Não tinha nenhum
viado na caçada não! Gato m iador, pouco caçador, gente! Em vez foram dois
ratos cham uscados que Macunaím a pegou e com eu.
Então os vizinhos perceberam que tudo era m entira do herói, tiveram raiva e
entraram no quarto dele pra tom ar satisfação. Macunaím a estava tocando num a
flautinha feita de canudo de m am ão. Parou o sopro, aparou o bocal da flautinha e
se adm irou m uito sossegado:
– Pra que essa gentam a no m eu quarto, agora!... Faz m al pra saúde, gente!
Todos perguntaram pra ele:
– O que foi m esm o que você caçou, herói?
– Dois viados m ateiros.
Então os criados as cunhãs estudantes em pregados-públicos, todos esses
vizinhos principiaram rindo dele. Macunaím a sem pre aparando o bocal da
flautinha. A patroa cruzando os braços ralhou assim :
– Mas, m eus cuidados, pra que você fala que foram dois viados e em vez
foram dois ratos cham uscados!
Macunaím a parou assim os olhos nela e secundou:
– Eu m enti.
Todos os vizinhos ficaram com cara de André e cada um foi saindo na
m aciota. E André era um vizinho que andava sem pre encalistrado. Maanape e
Jiguê se olharam , com invej a da inteligência do m ano. Maanape inda falou pra
ele:
– Mas pra que você m entiu, herói!
– Não foi por querer não... quis contar o que tinha sucedido pra gente e quando
reparei estava m entindo...
Jogou a flautinha fora, pegou no ganzá pigarreou e descantou. Descantou a
tarde inteirinha um a m oda tão sorum bática m as tão sorum bática que os olhos
dele choravam a cada estrofe. Parou porque os soluços não deixaram m ais
continuar. Largou do ganzá. Lá fora a vista era um a tristura de entardecer dentro
da cerração. Macunaím a sentiu-se desinfeliz e teve saudades de Ci a
inesquecível. Cham ou os m anos pra se consolarem todos j untos. Maanape e Jiguê
sentaram j unto dele na cam a e os três falaram longam ente da Mãe do Mato. E
espalhando a saudade falaram dos m atos e cobertos cerrações deuses e
barrancas traiçoeiras do Uraricoera. Lá que eles tinham nascido e se rido pela
prim eira vez nos m acurus... Encostados nas m aquiras pra lá do lim po do
m ocam bo os güirás cantavam o que não dava o dia e eram pra m ais de
quinhentas as fam ílias dos güirás... Perto de quinze vezes m il espécies de anim ais
assom bravam o m ato de tantos m ilhões de paus que não tinham m ais conta...
Um a feita um branco trouxera da terra dos ingleses, dentro dum sapicuá gótico, a
constipação que fazia agora Macunaím a tanto chorar de sodades... E a
constipação tinha ido m orar no antro das form igas m um bucas m ui pretas. Na
escureza o calor se am aciava com o saindo das águas; pra trabalhar se cantava;
nossa m ãe ficara virada num a coxilha m ansa no lugar cham ado Pai da
Tocandeira... Ai, que preguiça... E os três m anos perceberam pertinho o
m urm urej o do Uraricoera! Oh! com o era bom por lá... O herói se atirou pra trás
chorando largado na cam a.
Quando a vontade de chorar parou, Macunaím a afastou os m osquitos e quis
espairecer. Se lem brou de ofender a m ãe do gigante com um a bocagem novinha
vinda da Austrália. Virou Jiguê na m áquina telefone porém o m ano inda estava
m uito confundido com o caso da m entira do herói e não houve m eios de ligar. O
aparelho tinha defeito. Então Macunaím a fum ou fava de paricá pra ter sonhos
gostosos e adorm eceu bem .
No outro dia lem brou que precisava se vingar dos m anos e resolveu passar um
pealo neles. Levantou m adrugadinha e foi esconder no quarto da patroa. Brincou
pra fazer tem po. Depois voltou falando afobado pros m anos:
– Oi, m anos, achei rasto fresco de tapir bem na frente da Bolsa de
Mercadorias!
– Que m e diz, perdiz!
– Pois é. Quem que havia de dizer!
Ninguém inda não m atara tapir na cidade. Os m anos se sarapantaram e
foram com Macunaím a caçar o bicho. Chegaram lá, principiaram procurando o
rasto e aquele m undão de gente com erciantes revendedores baixistas m atarazos,
vendo os três m anos curvados pro asfalto procurando, principiaram cam peando
tam bém , todo aquele m undão de gente. Procuraram procuraram , você achou?
nem eles! Então perguntaram pra Macunaím a:
– Onde que você achou rasto de tapir? Aqui não tem rasto nenhum não!
Macunaím a não parava de cam pear falando sem pre:
– Tetápe dzónanei pem onéite hêhê zeténe netaíte.
E os m anos regatões zangões tequeteques m adalenas e hungareses
recom eçavam procurando o rasto. Quando cansavam e paravam pra perguntar,
Macunaím a cam peando sem pre secundava:
– Tetápe dzónanei pem onéite hêhê zeténe netaíte.
E todo aquele m undão de gente procurando. Era j á perto da noite quando
pararam desacorçoados. Então Macunaím a se desculpou:
– Tetápe dzónanei pem o...
Não deixaram nem que ele acabasse, todos perguntando o que significava
aquela frase. Macunaím a respondeu:
– Sei não. Aprendi essas palavras quando era pequeno lá em casa.
E todos se queim aram m uito. Macunaím a fastou disfarçado falando:
– Calm a, gente! Tetápe hêhê! Não falei que tem rasto de tapir não, falei que
tinha! Agora não tem m ais não.
Foi pior. Um dos com erciantes se zangou de verdade e o repórter que estava
ao pé dele vendo o outro zangado zangou tam bém por dem ais.
– Isso não vai assim não! Pois então a gente vive trabucando pra ganhar o
pão-nosso e vai um indivíduo tira a gente o dia inteiro do trabalho só pra cam pear
rasto de tapir!
– Mas eu não pedi pra ninguém procurar rasto, m oço, m e desculpe! Meus
m anos Maanape e Jiguê é que andaram pedindo, eu não! Culpa é deles!
Então o povo que j á estava todo zangado virou contra Maanape e contra Jiguê.
Já todos, e eram m uitos! estavam com vontade de arm ar um a briga. Então um
estudante subiu na capota dum auto e fez discurso contra Maanape e contra Jiguê.
O povo estava ficando zangadíssim o.
– Meus senhores, a vida dum grande centro urbano com o São Paulo j á obriga
a um a intensidade tal de trabalho que não perm ite-se m ais dentro da m agnífica
entrosagem do seu progresso siquer a passagem m om entânea de seres inócuos.
Ergam o-nos todos una voce contra os m iasm as deletérios que conspurcam o
nosso organism o social e j á que o Governo cerra os olhos e delapida os cofres da
Nação, sej am os nós m esm os os j ustiçadores...
– Lincha! lincha! que o povo principiou gritando.
– Que lincha nada! exclam ou Macunaím a tom ando as dores pelos m anos.
E todos se viraram contra ele outra vez. E agora j á estavam zangadíssim os. O
estudante continuava pra si:
– ...e quando o trabalho honesto do povo é perturbado por um desconhecido...
– O quê! quem que é desconhecido! berrou Macunaím a desesperado com a
ofensa.
– Você!
– Não sou, ’tá’í!
– É!
– Ora vá desm am ar j acu com alpiste, m oço! Desconhecida é a senhora vossa
m ãe, ouviu! – e virando pro povo: O que vocês estão pensando, heim ! Não tenho
m edo não! nem de um nem de dois nem de dez m il e daqui a pouco eu arraso
tudo isto aqui!
Um a m adalena que estava na frente do herói, virou pro com erciante atrás
dela e zangou:
– Não bolina, senvergonha!
O herói estava cego de raiva, pensou que era com ele e:
– Que “não bolina” agora! não estou bolinando ninguém , sua lam bisgóia!
– Lincha o bolina! Pau nele!
– Pois venham , cafaj estes!
E avançou pra m ultidão. O advogado quis fugir porém Macunaím a atirou um
pontapé nas costas dele e entrou pelo povo distribuindo rasteiras e cabeçadas. De
repente viu na frente um hom em alto loiro m ui lindo. E o hom em era um grilo.
Macunaím a teve ódio de tanta boniteza e chim pou um a bruta dum a bolacha nas
fuças do grilo. O grilo berrou, e enquanto falava um a frase em língua estrangeira
agarrou o herói pelo congote.
– Prrreso!
O herói gelou.
– Preso por quê?
O polícia secundou um a porção de coisas em língua estrangeira e segurou
firm e.
– Não estou fazendo nada! que o herói m urm urava com m edo.
Porém o grilo não quis conversa e foi descendo a ladeirinha com o povo todo
atrás. Outro grilo chegou e os dois falaram m uitas frases, m uitas! em língua
estrangeira e lá foram em purrando o herói ladeira abaixo. Um testem unha de
tudo contou o sucedido pra um senhor que estava na porta dum a casa de frutas e
o senhor penalizado atravessou a m ultidão e fez os grilos pararem . Era j á na rua
Líbero. Então o senhor fez um discurso pros grilos, que eles não deviam de levar
Macunaím a preso porque o herói não fizera nada. Tinha aj untado um a porção de
grilos m as nenhum não entendia o discurso porque nenhum não pescava nada de
brasileiro. As m ulheres choravam com dó do herói. Os grilos falavam por
dem ais num a língua estrangeira e um a voz gritou:
– Não pode!
Então o povo ficou com m uita vontade de pelear outra vez e de todos os lados
agora estavam gritando: “Larga!”, “Não leva!”, “Não pode!”, “Não pode!”, um
chinfrim , “Solta!”. Um fazendeiro estava disposto a fazer discurso insultando a
Polícia. Os grilos não entendiam nada e gesticulavam , m uito atrapalhados
falando em língua estrangeira. Form ou-se um furdunço tem ível. Então
Macunaím a se aproveitou da trapalhada e pernas pra que vos quero! Vinha um
bonde na carreira badalando. Macunaím a pongou o bonde e foi ver com o
passava o gigante.
Venceslau Pietro Pietra j á principiava convalescendo da sova apanhada na
m acum ba. Fazia um calorão dentro da casa porque era hora de cozinharem a
polenta e fora a fresca era boa por causa do vento sulão. Por isso o gigante com a
velha Ceiuci as duas filhas e a criadagem pegaram cadeiras e vieram sentar na
porta da rua pra gozar a frescata. O gigante ainda não saíra do algodão e estava
talequal um fardo cam inhando. Sentaram .
O curum i Chuvisco andava librinando pelo bairro e encontrou Macunaím a
negaceando da esquina. Parou e ficou olhando o herói. Macunaím a virou-se:
– Nunca viu não!
– Que que você está fazendo aí, conhecido!
– Estou assustando o gigante Piaim ã com sua fam ília.
Chuvisco debicou:
– Qual! não vê que gigante tem m edo de ti!
Macunaím a encarou o curum i em palam ado e teve raiva. Quis bater nele
porém lem brou de-cor: “Quando você estiver em brabecendo conta três vezes os
botões da vossa roupa”, contou e ficou m anso de novo. Então secundou:
– Quer apostar? Eu faço e aconteço e garanto que Piaim ã vai pra dentro com
m edo de m im . Esconde lá perto pra escutar só o que eles falam .
Chuvisco avisou:
– Oi, conhecido, tom e tento com gigante! Você j á sabe do que ele é capaz.
Piaim ã está fraco está fraco porém canudo que teve pim enta guarda o ardum e...
Si você não tem m edo m esm o, aposto.
Virou num a gota e pingou rente de Venceslau Pietro Pietra com a
com panheira as filhas e a criadagem . Então Macunaím a pegou na prim eira
palavra-feia da coleção e j ogou na cara de Piaim ã. O palavrão bateu de rij o
porém Venceslau Pietro Pietra nem se incom odou, direitinho elefante.
Macunaím a chim pou outra bocagem m ais feia na caapora. A ofensa bateu rij o
porém se incom odar é que ninguém se incom odou. Então Macunaím a j ogou toda
a coleção de bocagens e eram dez m il vezes dez m il bocagens. Venceslau Pietro
Pietra falou pra velha Ceiuci, bem quieto:
– Tem algum as que a gente não conhece inda não, guarda pra nossas filhas.
Então Chuvisco voltou pra esquina. O herói garganteou:
– Tiveram m edo ou não tiveram !
– Medo nada, conhecido! até o gigante m andou guardar as bocagens novas
pras filhas brincarem . De m im que eles têm m edo, você aposta? Vá lá perto e
escute só.
Macunaím a virou num caxipara que é o m acho da form iga saúva e foi se
enroscar na ram a de algodão acolchoando o gigante. Chuvisco am ontou num a
neblina e quando ia passando em riba da fam ília deu um a m ij adinha no ar.
Principiou peneirando um a chuva-de-preguiça. Quando os pingos vieram caindo
o gigante olhou pra um agarrado na m ão dele e teve paúra de tanta água.
– Vam ’bora, gente!
E todos com m uito m edo foram correndo pra dentro. Então Chuvisco
desapeou e disse pra Macunaím a:
– Está vendo?
E assim até hoj e. A fam ília do gigante tem m edo de Chuvisco m as de
palavra-feia não.
Macunaím a ficou m uito despeitado e perguntou pro rival:
– Me diga um a coisa: você conhece a língua do lim pim -guapá?
– Nunca vi m ais gordo!
– Pois então, rival: Vá-pá-à-pá m er-per-da-pá!
E abriu o pala até a pensão.
Mas estava m uito contrariado por ter perdido a aposta e se lem brou de fazer
um a pescaria. Porém não podia pescar nem de flecha nem com tim bó nem
j otica nem cunam bi nem tingui nem m acerá nem no pari nem com linha nem
arpão nem j uquiaí nem sararaca nem gaponga nem de poita nem caçuá nem
itapuá nem de j iqui nem de grozera nem de j ererê, guê, tresm alho aparador de
gungá cam bango arinque batebate gradeira caicai penca anzol de vara covo,
todos esses obj etos arm adilhas e venenos porque não possuía nada disso não. Fez
um anzol com cera de m andaguari m as bagre m ordia, levava anzol e tudo.
Porém tinha ali perto um inglês pescando aim arás com anzol de verdade.
Macunaím a voltou pra casa e falou pra Maanape:
– Que que havem os de fazer! Carecem os de tom ar anzol de inglês. Vou virar
aim ará de m entira pra enganar o bife. Quando ele m e pescar e der a batida na
m inha cabeça então faço “j uque!” enganando que m orri. Ele m e atira no
sam burá, você pede o peixe m ais grande pra com er e sou eu.
Fez. Virou num aim ará pulou na lagoa, o inglês pescou-o e bateu na cabeça
dele. O herói gritou “Juque!”. Mas o inglês tirou o anzol da goela do peixe porém .
Maanape veio vindo e m uito disfarçado pediu pro inglês:
– Dá peixe pra m im , seu Yes?
– All right. E deu um lam bari de rabo verm elho.
– Ando padecendo de fom e, seu inglês! dá um m acota, vá! esse um gordinho
do sam burá!
Macunaím a estava com o olho esquerdo dorm indo porém Maanape
conheceu-o bem . Maanape era feiticeiro. O inglês deu o aim ará pra Maanape
que agradeceu e foi-se em bora. Quando estava légua e m eia longe o aim ará
virou Macunaím a outra vez. Assim três vezes, inglês sem pre tirando anzol da
goela do herói. Macunaím a segredou pro m ano:
– Que que havem os de fazer! Carecem os de tom ar anzol de inglês. Vou virar
piranha de m entira e arranco anzol da vara.
Virou num a piranha feroz pulou na lagoa arrancou o anzol e desvirando outra
vez légua e m eia abaixo no lugar cham ado Poço do Um bu onde tinha um as
pedras cheias de letreiros encarnados da gente fenícia, sacou o anzol da goela
bem contente porque agora podia pescar corim ã piraíba aruana pirara piaba,
todos esses peixes. Os dois m anos iam -se quando escutaram inglês falando pra
uruguaio:
– Que posso fazer agora! Não possuo m ais anzol que a piranha engoliu. Vou
pra vossa terra, conhecido.
Então Macunaím a fez um grande gesto com os dois braços e gritou:
– Espera um bocado, tapuitinga!
O inglês se voltou e Macunaím a só de caçoada virou-o na m áquina London
Bank.
No outro dia falou pros m anos que ia pescar peixões no igarapé Tietê.
Maanape avisou:
– Não vá, herói, que você topa com a velha Ceiuci m ulher do gigante. Te
com e, heim !
– Não tem inferno pra quem j á navegou no Cachoeira! que Macunaím a
exclam ou. E partiu.
Nem bem lançou a linha de cim a dum m utá que veio vindo a velha Ceiuci
pescando de tarrafa. A caapora viu a som bra de Macunaím a refletida n’água e
j ogou depressa a tarrafa e só pescou som bra. O herói nem não achou graça
porque estava trem endo de m edo, vai, pra agradecer falou assim :
– Bom -dia, m inha vó.
A velha virou a cara pro alto e descobriu Macunaím a em riba do m utá.
– Vem cá, m eu neto.
– Não vou lá não.
– Pois então m ando m arim bondos.
Fez. Macunaím a arrancou um m olho de pataqueira e m atou os m arim bondos.
– Desce, m eu neto, que sinão m ando novatas!
Fez. As form igas novatas ferraram em Macunaím a e ele caiu n’água. Então a
velha tarrafeou, envolveu o herói nas m alhas e foi pra casa. Lá chegada pôs o
em brulho na sala-de-visitas que tinha um abaj ur encarnado e foi cham ar a filha
m ais velha que era bem habilidosa, pras duas com erem o pato que ela caçara. E
o pato era Macunaím a o herói. Porém a filhona estava m uito ocupada porque era
m esm o habilidosa e a velha pra adiantar serviço foi fazer fogo. A caapora
possuía duas filhas e a m ais nova que não era nada habilidosa e só sabia suspirar,
enxergando a velha fazer fogo, im aginou: “Mãe quando vem da pescaria conta
logo o que pescou, hoj e não. Vou ver.” Desenrolou a tarrafa e saiu dela um
m oço bem do gosto. O herói falou:
– Me esconde!
Então a m oça que estava m ui bondosa porque vivia desocupada desde tem po,
levou Macunaím a pro quarto e brincaram . Agora estão se rindo um pro outro.
Quando fogo ficou bem quente a velha Ceiuci veio com a filhona habilidosa
pra depenarem o pato porém acharam só tarrafa. A caapora em brabeceu:
– Isso há-de ser m inha filhinha nova que é m uito bondosa...
Bateu no quarto da m oça, gritando:
– Minha filhinha nova, entrega j á m eu pato que sinão enxoto você da casa
m inha pra todo o sem pre!
A m oça ficou com m edo e m andou Macunaím a atirar vinte m ilréis por
debaixo da porta pra ver si contentava a gulosa. Macunaím a de m edo j á atirou
cem que viraram em m uitas perdizes lagostas robalos vidros-de-perfum e e
caviar. A velha gulosa engoliu tudo e pediu m ais. Então Macunaím a atirou um
conto de réis por debaixo da porta. O conto virou em m ais lagostas coelhos pacas
cham panha rendas cogum elos rãs e a velha sem pre com endo e pedindo m ais.
Então a m oça bondosa abriu a j anela dando pro Pacaem bu deserto e falou:
– Vou dizer três adivinhas, si você descobre, te deixo fugir. O que é que é: É
com prido roliço e perfurado, entra duro e sai m ole, satisfaz o gosto da gente e
não é palavra indecente?
– Ah! isso é indecência sim !
– Bobo! é m acarrão!
– Ahn... é m esm o!... Engraçado, não?
– Agora o que é que é: Qual o lugar onde as m ulheres têm cabelo m ais
crespinho?
– Oh, que bom ! isso eu sei! é aí!
– Cachorro! É na África, sabe!
– Me m ostra, por favor!
– Agora é a últim a vez. Diga o que que é:
“Mano, vam os fazer
Aquilo que Deus consente:
Aj untar pêlo com pêlo,
Deixar o pelado dentro.”
E Macunaím a:
– Ara! Tam bém isso quem não sabe! Mas cá pra nós que ninguém nos ouça,
você é bem senvergonha, dona!
– Descobriu. Não é dorm ir aj untando os pêlos das pestanas e deixando o olho
pelado dentro que você está im aginando? Pois si você não acertasse pelo m enos
um a das adivinhas te entregava pra gulosa de m inha m ãe. Agora fuj a sem
escarcéu, serei expulsa, voarei pro céu. Na esquina você encontra uns cavalos.
Tom e o castanho-escuro que pisa no m ole e no duro. Esse é bom . Si você escuta
um passarinho gritando “Baúa! Baúa!” então é a velha Ceiuci chegando. Agora
fuj a sem escarcéu, serei expulsa, voarei pro céu!
Macunaím a agradeceu e pulou pela j anela. Na esquina estavam dois cavalos,
um castanho-escuro e outro cardão-pedrês. “Cavalo cardão-pedrês pra carreira
Deus o fez” Macunaím a m urm urou. Pulou nesse e abriu na galopada. Cam inhou
cam inhou cam inhou e j á perto de Manaus ia correndo quando o cavalo deu um a
topada que arrancou chão. No fundo do buraco Macunaím a enxergou um a coisa
relum eando. Cavou depressa e descobriu o resto do deus Marte, escultura grega
achada naquelas paragens inda na Monarquia e prim eiro-de-abril passado no
Araripe de Alencar pelo j ornal cham ado Comércio do Amazonas. Estava
contem plando aquele torso m acanudo quando escutou “Baúa! Baúa!”. Era a
velha Ceiuci chegando. Macunaím a esporeou o cardão-pedrês e depois de perto
de Mendoza na Argentina quase dar um esbarrão num galé que tam bém vinha
fugindo da Guiana Francesa, chegou num lugar onde uns padres estavam
m elando. Gritou:
– Me escondam , padres!
Nem bem os padres esconderam Macunaím a num pote vazio que a caapora
chegou m ontada no tapir.
– Não viram m eu neto passar por aqui no seu cavalinho com endo capim ?
– Já passou.
Então a velha apeou do tapir e m ontou num cavalo gázeo-sarará que nunca
prestou nem prestará e seguiu. Quando ela virou a serra do Paranacoara os
padres tiraram o herói do pote, deram pra ele um cavalo m elado-caxito que tanto
é bom com o é bonito e m andaram ele em bora. Macunaím a agradeceu e
galopou. Logo adiante encontrou um a cerca de aram e porém era cavaleiro: deu
um sacalão, esbarrou o pongo e aj untando as m ãos do anim al caído com um
j eito forte fez o cavalo girar e passar por debaixo do aram e. Então o herói pulou
a cerca e am ontou de novo. Galopeou galopeou galopeou. Passando no Ceará
decifrou os letreiros indígenas do Aratanha; no Rio Grande do Norte costeando o
serrote do Cabelo-não-tem decifrou outro. Na Paraíba, indo de Manguape pra
Bacam arte passou na Pedra-Lavrada com tanta inscrição que dava um rom ance.
Não leu por causa da pressa e nem a da Barra do Poti no Piauí, nem a de Paj eú
em Pernam buco, nem a dos Apertados do Inham um que j á era no quarto dia e
se escutava no ar rentinho: “Baúa! Baúa!” Era a velha Ceiuci chegando.
Macunaím a pernas pra que vos quero pelo eucaliptal. Mas o passarinho sem pre
m ais perto e Macunaím a isso vinha que vinha acochado pela velha. Afinal topou
com a biboca dum surucucu que tinha parte com o canhoto.
– Me esconde, surucucu!
O surucucu nem bem escondeu o herói no buraco da latrininha, a velha Ceiuci
chegou.
– Não viram m eu neto passar por aqui no seu cavalinho com endo capim ?
– Já passou.
A gulosa apeou do gázeo-sarará que nunca prestou nem prestará e m ontou
num cavalo bebe-em -branco que é cavalo m anco e seguiu.
Então Macunaím a escutou surucucu tratando com a com panheira pra
fazerem um m oquém do herói. Pulou do buraco do quartinho e j ogou no terreiro
o anel com brilhantão que dera de presente pro dedo Mindinho. O brilhantão
virou em quatro contos de carros de m ilho, adubo Polisu e um a fordeca de
segunda m ão. Enquanto o surucucu olhava pra aquilo tudo satisfeito, Macunaím a
pro m elado-caxito descansar, am ontou num bagual cardão-rodado que nunca
pode estar parado e galopou através de varj ões e varj otas. Varou num átim o o
m ar de areia do chapadão dos Parecis e por derram es e dependurados entrou na
caatinga e assustou as galinhas com pintos de ouro do Cam utengo perto de Natal.
Légua e m eia adiante abandonando a m argem do São Francisco em porcalhada
com a enchente-da-páscoa, entrou por um a brecha aberta no m orro alto. Ia
seguindo quando escutou um “psiu” de cunhã. Parou m orto de m edo. Então saiu
do m eio da catinga-de-porco um a dona alta e feiosa com trança até o pé. E a
dona perguntou cochichado pro herói:
– Já se foram ?
– Se foram , quem !
– Os holandeses!
– Você está caducando, que holandês esse! Não tem holandês nenhum , dona!
Era Maria Pereira cunhã portuga am ufum bada naquela brecha de m orro
desde a guerra com os holandeses. Macunaím a não sabia bem m ais em que
parte do Brasil estava e lem brou de perguntar.
– Me diga um a coisa, filho de gam bá é raposa, com o que cham a este lugar?
A cunhã secundou em proada:
– Aqui é o Buraco de Maria Pereira.
Macunaím a soltou um a grande gargalhada e escafedeu enquanto a m ulher
am oitava outra vez. O herói seguiu de carreira e enfim passou pra outra banda do
rio Chuí. Foi lá que topou com o tuiuiú pescando.
– Prim o Tuiuiú, você m e leva pra casa?
– Pois não!
Logo o tuiuiú se transform ou na m áquina aeroplano, Macunaím a escanchou
no aturiá vazio e ergueram vôo. Voaram sobre o chapadão m ineiro de Urucuia,
fizeram o circuito de Itapecerica e bateram pro Nordeste. Passando pelas dunas
de Mossoró, Macunaím a olhou pra baixo e enxergou Bartolom eu Lourenço de
Gusm ão, batina arregaçada, pelej ando pra cam inhar no areão. Gritou pra ele:
– Venha aqui com a gente, ilustre!
Porém o padre gritou com um gesto im enso:
– Basta!
Depois que pulando a serra do Tom bador no Mato Grosso deixaram pra
esquerda as cochilhas de Sant’Ana do Livram ento, o tuiuiú-aeroplano e
Macunaím a subiram até o Telhado do Mundo, m ataram a sede nas águas novas
do Vilcanota e na últim a etapa voando sobre Am argosa na Baía, sobre a Gurupá
e sobre o Gurupi com a sua cidade encantada, enfim toparam de novo com o
m ocam bo ilustre do igarapé Tietê. Daí a pouquinho estavam na porta da pensão.
Macunaím a agradeceu m uito e quis pagar o aj utório porém se lem brou que
estava carecendo de fazer econom ia. Virou pro tuiuiú e falou:
– Olha, prim o, pagar não posso não m as vou te dar um conselho: Neste m undo
tem três barras que são a perdição dos hom ens: barra de rio, barra de ouro e
barra de saia, não caia!
Porém estava tão acostum ado a gastar que esqueceu-se da econom ia. Deu
dez contos pro tuiuiú, subiu satisfeito pro quarto e contou tudo pros m anos j á
m uito ressabiados com a dem ora. O caso afinal custara uns bons pacotes.
Maanape então virou Jiguê num telefone e deu queixa pra Polícia que deportou a
velha gulosa. Porém Piaim ã tinha m uita influência e ela voltou na com panhia
lírica.
A filha expulsa corre no céu, batendo perna de déu em déu. É um a com eta.
12 Tequeteque, Chupinzão e a inj ustiça dos hom ens
12
TEQUETEQUE, CHUPINZÃO E A INJUSTIÇA DOS HOMENS
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