Uma feita os quatro iam seguindo por um cam inho no m ato e estavam
penando m uito de sede, longe dos igapós e das lagoas. Não tinha nem m esm o
um bu no bairro e Vei, a Sol, esfiapando por entre a folhagem , guascava sem
parada o lom bo dos andarengos. Suavam com o num a paj elança em que todos
tivessem besuntado o corpo com azeite de piquiá, m archavam . De repente
Macunaím a parou riscando a noite do silêncio com um gesto im enso de alerta.
Os outros estacaram . Não se escutava nada porém Macunaím a sussurrou:
– Tem coisa.
Deixaram a linda Iriqui se enfeitando sentada nas raízes dum a sam aúm a e
avançaram cautelosos. Já Vei estava farta de tanto guascar o lom bo dos três
m anos quando légua e m eia adiante Macunaím a escoteiro topou com um a cunhã
dorm indo. Era Ci, Mãe do Mato. Logo viu pelo peito destro seco dela, que a m oça
fazia parte dessa tribo de m ulheres sozinhas parando lá nas praias da lagoa
Espelho da Lua, coada pelo Nham undá. A cunhã era linda com o corpo chupado
pelos vícios, colorido com j enipapo.
O herói se atirou por cim a dela pra brincar. Ci não queria. Fez lança de flecha
tridente enquanto Macunaím a puxava da paj eú. Foi um pega trem endo e por
debaixo da copada reboavam os berros dos briguentos dim inuindo de m edo os
corpos dos passarinhos. O herói apanhava. Recebera j á um m urro de fazer
sangue no nariz e um lapo fundo de txara no rabo. A icam iaba não tinha nem um
arranhãozinho e cada gesto que fazia era m ais sangue no corpo do herói soltando
berros form idandos que dim inuíam de m edo os corpos dos passarinhos. Afinal se
vendo nas am arelas porque não podia m esm o com a icam iaba, o herói deitou
fugindo cham ando pelos m anos:
– Me acudam que sinão eu m ato! m e acudam que sinão eu m ato!
Os m anos vieram e agarraram Ci. Maanape trançou os braços dela por detrás
enquanto Jiguê com a m urucu lhe dava um a porrada no coco. E a icam iaba caiu
sem auxílio nas sam am baias da serrapilheira. Quando ficou bem im óvel,
Macunaím a se aproxim ou e brincou com a Mãe do Mato. Vieram então m uitas
j andaias, m uitas araras verm elhas tuins coricas periquitos, m uitos papagaios
saudar Macunaím a, o novo Im perador do Mato-Virgem .
E os três m anos seguiram com a com panheira nova. Atravessaram a cidade
das Flores evitaram o rio das Am arguras passando por debaixo do salto da
Felicidade, tom aram a estrada dos Prazeres e chegaram no capão de Meu Bem
que fica nos cerros da Venezuela. Foi de lá que Macunaím a im perou sobre os
m atos m isteriosos, enquanto Ci com andava nos assaltos as m ulheres em punhando
txaras de três pontas.
O herói vivia sossegado. Passava os dias m arupiara na rede m atando form igas
taiocas, chupitando golinhos estalados de paj uari e quando agarrava cantando
acom panhado pelos sons gotej antes do cotcho, os m atos reboavam com doçura
adorm ecendo as cobras os carrapatos os m osquitos as form igas e os deuses ruins.
De-noite Ci chegava rescendendo resina de pau, sangrando das brigas e
trepava na rede que ela m esm o tecera com fios de cabelo. Os dois brincavam e
depois ficavam rindo um pro outro.
Ficavam rindo longo tem po, bem j untos. Ci arom ava tanto que Macunaím a
tinha tonteiras de m oleza.
– Puxa! com o você cheira, benzinho!
que ele m urm uriava gozado. E escancarava as narinas m ais. Vinha um a
tonteira tão m acota que o sono principiava pingando das pálpebras dele. Porém a
Mãe do Mato inda não estava satisfeita não e com um j eito de rede que enlaçava
os dois convidava o com panheiro pra m ais brinquedo. Morto de soneira,
infernizado, Macunaím a brincava para não desm entir a fam a só, porém quando
Ci queria rir com ele de satisfação:
– Ai! que preguiça!...
que o herói suspirava enfarado. E dando as costas pra ela adorm ecia bem .
Mas Ci queria brincar inda m ais... Convidava convidava... O herói ferrado no
sono. Então a Mãe do Mato pegava na txara e cotucava o com panheiro.
Macunaím a se acordava dando grandes gargalhadas estorcegando de cócegas.
– Faz isso não, oferecida!
– Faço!
– Deixa a gente dorm ir, seu bem ...
– Vam os brincar.
– Ai! que preguiça!...
E brincavam m ais outra vez.
Porém nos dias de m uito paj uari bebido, Ci encontrava o Im perador do Mato-
Virgem largado por aí num porre m ãe. Iam brincar e o herói esquecia no m eio.
– Então, herói!
– Então o quê!
– Você não continua?
– Continua o quê!
– Pois, m eus pecados, a gente está brincando e vai você pára no m eio!
– Ai! que preguiça...
Macunaím a m al esboçava de tão chum bado. E procurando um m acio nos
cabelos da com panheira adorm ecia feliz.
Então pra anim á-lo Ci em pregava o estratagem a sublim e. Buscava no m ato a
folhagem de fogo da urtiga e sapecava com ela um a coça coçadeira no chuí do
herói e na nalachítchi dela. Isso Macunaím a ficava que ficava um lião querendo.
Ci tam bém . E os dois brincavam que m ais brincavam num deboche de ardor
prodigioso.
Mas era nas noites de insônia que o gozo inventava m ais. Quando todas as
estrelas incendiadas derram avam sobre a Terra um ólio calorento que ninguém
não suportava de tão quente, corria pelo m ato um a presença de incêndio. Nem a
passarinhada agüentava no ninho. Mexia inquieta o pescoço, voava pro galho em
frente e no m ilagre m ais enorm e deste m undo inventava de supetão um a
alvorada preta, cantacantando que não tinha fim . A bulha era trem enda o cheiro
poderoso e o calor inda m ais.
Macunaím a dava um safanão na rede atirando Ci longe. Ela acordava feito
fúria e crescia pra cim a dele. Brincavam assim . E agora despertados
inteiram ente pelo gozo inventavam artes novas de brincar.
Nem bem seis m eses passaram e a Mãe do Mato pariu um filho encarnado.
Isso, vieram fam osas m ulatas da Baía, do Recife, do Rio Grande do Norte e da
Paraíba, e deram pra Mãe do Mato um laçarote rubro cor de m al, porque agora
ela era m estra do cordão encarnado em todos os Pastoris de Natal. Depois
foram -se em bora com prazer e alegria, bailando que m ais bailando, seguidas de
futebóleres águias pequenos xodós seresteiros, toda essa rapaziada dorê.
Macunaím a ficou de repouso o m ês de preceito porém se recusou a j ej uar. O
pecurrucho tinha cabeça chata e Macunaím a inda a achatava m ais batendo nela
todos os dias e falando pro guri:
– Meu filho, cresce depressa pra você ir pra São Paulo ganhar m uito dinheiro.
Todas as icam iabas queriam bem o m enino encarnado e no prim eiro banho
dele puseram todas as j óias da tribo pra que o pequeno fosse rico sem pre.
Mandaram buscar na Bolívia um a tesoura e enfiaram ela aberta debaixo do
cabeceiro porque sinão Tutu Maram bá vinha, chupava o um bigo do piá e o dedão
do pé de Ci. Tutu Maram bá veio, topou com a tesoura e se enganou: chupou o
olho dela e foi-se em bora satisfeito. Todos agora só m atutavam no pecurrucho.
Mandaram buscar pra ele em São Paulo os fam osos sapatinhos de lã tricotados
por dona Ana Francisca de Alm eida Leite Morais e em Pernam buco as rendas
“Rosa dos Alpes”, “Flor de Guabiroba” e “Por ti padeço” tecidas pelas m ãos de
dona Joaquina Leitão m ais conhecida pelo nom e de Quinquina Cacunda.
Filtravam o m ilhor tam arindo das irm ãs Louro Vieira, de Óbidos, pro m enino
engolir no refresco o rem edinho pra lom briga. Vida feliz, era bom !... Mas um a
feita j ucurutu pousou na m aloca do Im perador e soltou o regougo agourento.
Macunaím a trem eu assustado espantou os m osquitos e caiu no paj uari por
dem ais pra ver si espantava o m edo tam bém . Bebeu e dorm iu noite inteira. Então
chegou a Cobra Preta e tanto que chupou o único peito vivo de Ci que não deixou
nem o apoj o. E com o Jiguê não conseguira m oçar nenhum a das icam iabas o
curum im sem am a chupou o peito da m ãe no outro dia, chupou m ais, deu um
suspiro envenenado e m orreu.
Botaram o anj inho num a igaçaba esculpida com form a de j abuti e pros
boitatás não com erem os olhos do m orto o enterraram m esm o no centro da taba
com m uitos cantos m uita dança e m uito paj uari.
Term inada a função a com panheira de Macunaím a, toda enfeitada ainda,
tirou do colar um a m uiraquitã fam osa, deu-a pro com panheiro e subiu pro céu
por um cipó. É lá que Ci vive agora nos trinques passeando, liberta das form igas,
toda enfeitada ainda, toda enfeitada de luz, virada num a estrela. É a Beta do
Centauro.
No outro dia quando Macunaím a foi visitar o túm ulo do filho viu que nascera
do corpo um a plantinha. Trataram dela com m uito cuidado e foi o guaraná. Com
as frutinhas piladas dessa planta é que a gente cura m uita doença e se refresca
durante os calorões de Vei, a Sol.
4 Boiúna Luna
4
BOIÚNA LUNA
No outro dia bem cedo o herói padecendo saudades de Ci, a com panheira
pra sem pre inesquecível, furou o beiço inferior e fez da m uiraquitã um tem betá.
Sentiu que ia chorar. Cham ou depressa os m anos, se despediu das icam iabas e
partiu.
Gauderiaram gauderiaram por todos aqueles m atos sobre os quais
Macunaím a im perava agora. Por toda a parte ele recebia hom enagens e era
sem pre acom panhado pelo séquito de araras verm elhas e j andaias. Nas noites de
am argura ele trepava num açaizeiro de frutas roxas com o a alm a dele e
contem plava no céu a figura faceira de Ci. “Marvada!” que ele gem ia... Então
ficava m uito sofrendo, m uito! e invocava os deuses bons cantando cânticos de
longa duração...
“Rudá, Rudá!...
Tu que secas as chuvas,
Faz com que os ventos do oceano
Desem bestem por m inha terra
Pra que as nuvens vão-se em bora
E a m inha m arvada brilhe
Lim pinha e firm e no céu!...
Faz com que am ansem
Todas as águas dos rios
Pra que eu m e banhando neles
Possa brincar com a m arvada
Refletida no espelho das águas!...”
Assim . Então descia e chorava encostado no om bro de Maanape. Jiguê
soluçando de pena anim ava o fogo da caieira pra que o herói não sentisse frio.
Maanape engolia as lágrim as, invocando o Acutipuru o Murucututu o Ducucu,
todos esses donos do sono em acalantos assim :
“Acutipuru,
Em presta vosso sono
Pra Macunaím a
Que é m uito m anhoso!...”
Catava os carrapatos do herói e o acalm ava balanceando o corpo. O herói
acalm ava acalm ava e adorm ecia bem .
No outro dia os três estradeiros recom eçavam a cam inhada através dos m atos
m isteriosos. E Macunaím a era sem pre seguido pelo séquito de araras verm elhas
e j andaias.
Cam inhando cam inhando, um a feita em que a arraiada principiava enxotando
a escureza da noite, escutaram longe um lam ento de m oça. Foram ver. Andaram
légua e m eia e encontraram um a cascata chorando sem parada. Macunaím a
perguntou pra cascata:
– Que é isso!
– Chouriço!
– Conta o que é.
E a cascata contou o que tinha sucedido pra ela.
– Não vê que cham o Naipi e sou filha do tuxaua Mexô-Mexoitiqui nom e que
na m inha fala quer dizer Engatinha-Engatinha. Eu era um a boniteza de cunhatã e
todos os tuxauas vizinhos desej avam dorm ir na m inha rede e provar m eu corpo
m ais m olengo que em biroçu. Porém quando algum vinha eu dava dentadas e
contapés por am or de experim entar a força dele. E todos não agüentavam e
partiam sorum báticos.
Minha tribo era escrava da boiúna Capei que m orava num covão em
com panhia das saúvas. Sem pre no tem po em que os ipês de beira-rio se
am arelavam de flores a boiúna vinha na taba escolher a cunhã virgem que ia
dorm ir com ela na socava cheia de esqueletos.
Quando m eu corpo chorou sangue pedindo força de hom em pra servir, a
suinara cantou m anhãzinha nas j arinas de m eu tej upá, veio Capei e m e escolheu.
Os ipês de beira-rio relam peavam de am arelo e todas as flores caíram nos
om bros soluçando do m oço Titçatê guerreiro de m eu pai. A tristura talqualm ente
correição de sacassaia viera na taba e devorara até o silêncio.
Quando o paj é velho tirou a noite do buraco outra vez, Titçatê aj untou as
florzinhas perto dele e veio com elas pra rede da m inha últim a noite livre. Então
m ordi Titçatê.
O sangue espirrou na m unheca m ordida porém o m oço não fez caso não,
gem eu de raiva am ando, m e encheu a boca de flores que não pude m ais m order.
Titçatê pulou na rede e Naipi serviu Titçatê.
Depois que brincam os feito doidos entre sangue escorrendo e as florzinhas de
ipê, m eu vencedor m e carregou no om bro m e j ogou na ipeigara abicada num
esconderij o de aturiás e flechou pro largo rio Zangado, fugindo da boiúna.
No outro dia quando o paj é velho guardou a noite no buraco outra vez, Capei
foi m e buscar e encontrou a rede sangrando vazia. Deu um urro e deitou
correndo em busca nossa. Vinha vindo vinha vindo, a gente escutava o urro dela
perto, m ais perto pertinho e afinal as águas do rio Zangado em pinaram com o
corpo da boiúna ali.
Titçatê não podia m ais rem ar desfalecido, sangrando sem pre com a m ordida
na m unheca. Por isso que não pudem os fugir. Capei m e prendeu, m e revirou, fez
a sorte do ovo em m im , deu certo e a boiúna viu que eu j á servira Titçatê.
Quis acabar com o m undo de raiva tam anha, não sei... m e virou nesta pedra e
atirou Titçatê na praia do rio, transform ado num a planta. É aquela um a que está
lá, lá em baixo, lá! É aquele m ururê tão lindo que se enxerga, bracej ando n’água
pra m im . As flores roxas dele são os pingos de sangue da m ordida, que m eu frio
de cascata regelou.
Capei m ora em baixo de m im , exam inando sem pre se fui m esm o brincada
pelo m oço. Fui sim e passarei chorando nesta pedra até o fim do que não tem
fim , m ágoas de não servir m ais o m eu guerreiro T’çatê...
Parou. O choro pingava nos j oelhos de Macunaím a e ele soluçou trem ido.
– Si... si... si a boboiúna aparecesse eu... eu m atava ela!
Então se escutou um urro guaçu e Capei veio saindo d’água. E Capei era a
boiúna. Macunaím a ergueu o busto relum eando de heroísm o e avançou pro
m onstro. Capei escancarou a goela e soltou um a nuvem de apiacás. Macunaím a
bateu que m ais bateu vencendo os m arim bondos. O m onstro atirou um a
guascada tirlintando com os guizos do rabo, porém nesse m om ento um a form iga
tracuá m ordeu o calcanhar do herói. Ele agachou distraído com a dor e o rabo
passou por cim a dele indo bater na cara de Capei. Então ela urrou m ais e deu um
bote na coxa de Macunaím a. Ele só fez um afastadinho com o corpo, agarrou
num rochedo e j uque! decepou a cabeça da bicha.
O corpo dela se estorceu na corrente enquanto a cabeça com aqueles olhões
docinhos vinha beij ar vencida os pés do vingador. O herói teve m edo e j ogou no
viado m ato dentro acom panhado pelos m anos.
– Vem cá, siriri, vem cá! que a cabeça gritava.
Eles chispavam m ais. Correram légua e m eia e olharam pra trás. A cabeça
de Capei vinha rolando sem pre em busca deles. Correram m ais e quando não
podiam de fadiga treparam num bacuparizeiro ribeirinho pra ver si a cabeça
continuava pra diante. Mas cabeça parou por debaixo do pau e pediu bacuparis.
Macunaím a sacudiu a árvore. A cabeça catou as frutas do chão, com eu e pediu
m ais. Jiguê sacudiu bacuparis dentro d’água porém a cabeça falou que lá não ia
não. Então Maanape atirou com toda a força um a fruta longe e enquanto a
cabeça ia buscá-la os m anos desceram do pau e se rasparam . Correndo
correndo, légua e m eia adiante deram com a casa onde m orava o bacharel de
Cananéia. O coroca estava na porta sentado e lia m anuscritos profundos.
Macunaím a falou pra ele:
– Com o vai, bacharel?
– Menos m al, ignoto viaj or.
– Tom ando a fresca, não?
– C’est vrai, com o dizem os franceses.
– Bem , té-logo bacharel, estou m eio afobado...
E chisparam outra vez. Atravessaram os sam baquis do Caputera e do Morrete
num respiro. Logo adiante havia um rancho teatino. Entraram e fecharam a
porta bem . Então Macunaím a pôs reparo que perdera o tem betá. Ficou
desesperado porque era a única lem brança que guardava de Ci. Ia saindo pra
cam pear a pedra porém os m anos não deixaram . Não durou m uito a cabeça
chegou. Juque! bateu.
– Que que há?
– Abra a porta pra m im entrar!
Porém j acaré abriu? nem eles! e a cabeça não pôde entrar. Macunaím a não
sabia que a cabeça ficara escrava dele e não vinha pra fazer m al não. A cabeça
esperou m uito porém vendo que não abriam m esm o m atutou no que ia ser. Si
fosse ser água os outros bebiam , si fosse ser form iga esm agavam , si fosse
m osquito flitavam , si fosse trem -de-ferro descarrilava, si fosse rio punham no
m apa... Resolveu: “Vou ser Lua.” Gritou:
– Abram a porta, gente, que quero um as coisas!
Macunaím a espiou pela fresta e avisou Jiguê j á abrindo:
– Está solta!
Jiguê tornou a fechar a porta. Por isso que existe a expressão “Tá solto!”
indicando que a gente não faz m esm o o que nos pedem .
Quando Capei viu que não abriam a porta principou se lam entando m uito e
perguntou pra iandu caranguej eira si aj udava a subida pro céu.
– Meu fio Sol derrete, secundou a aranha tatam anha.
Então a cabeça pediu pros xexéus se aj untarem e ficou noite escura.
– Meu fio ninguém não enxerga de noite, disse a aranha tatam anha.
A cabeça foi buscar um cuitê de friagem nos Andes e falou:
– Despej a um a gota cada légua e m eia, fio branqueia de geada. Podem os ir.
– Pois então vam os.
A iandu principiou fazendo fio no chão. Com o prim eiro ventinho que brisou
por ali o fio leviano se ergueu no céu. Então a aranha tatam anha subiu por ele e
da ponta lá em riba derram ou um bocado de geada. E enquanto a iandu
caranguej eira fazia m ais fio de lá pra riba, o de baixo branqueava todo. A
cabeça gritou:
– Adeus, m eu povo, que vou pro céu!
E lá foi com endo fio sobessubindo pro cam po vasto do céu. Os m anos abriram
a porta e espiaram . Capei sem pre subindo.
– Você vai m esm o pro céu, cabeça?
– Uum , ela fez não podendo m ais abrir a boca.
Quando foi ali pela hora antes da m adrugada a boiúna Capei chegou no céu.
Estava gorducha de tanto fio com ido e m uito pálida do esforço. Todo o suor dela
caía sobre a Terra em gotinhas de orvalho novo. Por causa do fio geado é que
Capei é tão fria. Dantes Capei foi a boiúna m as agora é a cabeça da Lua lá no
cam po vasto do céu. Desde essa feita as caranguej eiras preferem fazer fio de-
noite.
No outro dia os m anos deram um cam po até a beira do rio m as cam pearam
cam pearam em vão, nada de m uiraquitã. Perguntaram pra todos os seres,
aperem as sagüis tatus-m ulitas tej us m uçuãs da terra e das árvores, tapiucabas
chabós m atinta-pereras pinicapaus e aracuãs do ar, pra ave j apiim e seu
com padre m arim bondo, pra baratinha casadeira, pro pássaro que grita “Taám !”
e sua com panheira que responde “Taím !”, pra lagartixa que anda de pique com
o ratão, pros tam baquis tucunarés pirarucus curim atás do rio, os pecaís tapicurus
e iererês da praia, todos esses entes vivos m as ninguém não vira nada, ninguém
não sabia de nada. E os m anos bateram pé na estrada outra vez, varando os
dom ínios im periais. O silêncio era feio e o desespero tam bém . De vez em
quando Macunaím a parava pensando na m arvada... Que desej o batia nele!
Parava tem po. Chorava m uito tem po. As lágrim as escorregando pelas faces
infantis do herói iam lhe batizar a peitaria cabeluda. Então ele suspirava
sacudindo a cabecinha:
– Qual, m anos! Am or prim eiro não tem com panheiro, não!...
Continuava a cam inhar. E por toda a parte recebia hom enagens e era sem pre
seguido pelo séquito sarapintado de j andaias e araras verm elhas.
Um a feita em que deitara num a som bra enquanto esperava os m anos
pescando, o Negrinho do Pastoreio pra quem Macunaím a rezava diariam ente se
apiedou do panem a e resolveu aj udá-lo. Mandou o passarinho uirapuru. Quando
sinão quando o herói escutou um tatalar inquieto e o passarinho uirapuru pousou
no j oelho dele. Macunaím a fez um gesto de caceteação e enxotou o passarinho
uirapuru. Nem bem m inuto passado escutou de novo a bulha e o passarinho
pousou na barriga dele. Macunaím a nem se am olou m ais. Então o passarinho
uirapuru agarrou cantando com doçura e o herói entendeu tudo o que ele
cantava. E era que Macunaím a estava desinfeliz porque perdera a m uiraquitã na
praia do rio quando subia no bacupari. Porém agora, cantava o lam ento do
uirapuru, nunca m ais que Macunaím a havia de ser m arupiara não, porque um a
tracaj á engolira a m uiraquitã e o m ariscador que apanhara a tartaruga tinha
vendido a pedra verde pra um regatão peruano se cham ando Venceslau Pietro
Pietra. O dono do talism ã enriquecera e parava fazendeiro e baludo lá em São
Paulo, a cidade m acota lam bida pelo igarapé Tietê.
Dito isto o passarinho uirapuru executou um a letra no ar e desapareceu.
Quando os m anos chegaram da pesca Macunaím a falou pra eles:
– Ia andando por um cam inho negaceando um catingueiro e vai, presenciei
um friúm e no costado. Botei a m ão e saiu um a lacraia m ansa que m e falou toda
a verdade.
Então Macunaím a contou o paradeiro da m uiraquitã e disse pros m anos que
estava disposto a ir em São Paulo procurar esse tal Venceslau Pietro Pietra e
retom ar o tem betá roubado.
– ...e cascavel faça ninho si eu não topo com a m uiraquitã! Si vocês venham
com igo m uito que bem , si não, hom em , antes só do que m al acom panhado! Mas
eu tenho opinião de sapo e quando encasqueto um a coisa agüento firm e no toco.
Hei de ir só pra tirar a prosa do passarinho uirapuru, m into! da lacraia.
Depois que discursou Macunaím a deu um a grande gargalhada im aginando na
peça que pregava no passarinho. Maanape e Jiguê resolveram ir com ele,
m esm o porque o herói carecia de proteção.
5 Piaim ã
5
PIAIMÃ
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