Copyright
Esta obra foi postada pela equipe
Le Livros
para proporcionar, de m aneira
totalm ente gratuita, o benefício de sua leitura a àqueles que não podem com prá-
la. Dessa form a, a venda desse eBook ou até m esm o a sua troca por qualquer
contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância.
A generosidade e a hum ildade são m arcas da distribuição, portanto distribua este
livro livrem ente. Após sua leitura considere seriam ente a possibilidade de
adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e à publicação de
novas obras. Se gostou do nosso trabalho e quer encontrar outros títulos visite
nosso site:
Le Livros
http://LeLivros.com
MACUNAÍMA,
O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER
Folha de Rosto
Mário de Andrade
MACUNAÍMA,
O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER
Estabelecimento do texto
Telê Ancona Lopez
Tatiana Longo Figueiredo
NOVA FRONTEIRA | RIO DE JANEIRO 2013
Dedicatória
A Paulo Prado
Sum ário
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Dedicatória
Sum ário
Macunaím a em 2008
Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo
1 Macunaím a
2 Maioridade
3 Ci, Mãe do Mato
4 Boiúna Luna
5 Piaim ã
6 A francesa e o gigante
7 Macum ba
8 Vei, a Sol
9 Carta pras icam iabas
10 Pauí-Pódole
11 A velha Ceiuci
12 Tequeteque, Chupinzão e a inj ustiça dos hom ens
13 A piolhenta do Jiguê
14 Muiraquitã
15 A pacuera de Oibê
16 Uraricoera
17 Ursa Maior
Epílogo
Dossiê Macunaím a
1º PREFÁCIO
PREFÁCIO
PREFÁCIO
2º PREFÁCIO
A RAIMUNDO MORAES
NOTAS DIÁRIAS
Texto da orelha
Sobre o autor
Créditos
Ficha Catalográfica
Texto de quarta capa
Macunaím a em 2008
MACUNAÍMA EM 2008
Esta edição de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter apresenta um texto
apurado da rapsódia de Mário de Andrade (1893-1945), com atualização
ortográfica, acrescido de docum entos concernentes à obra. Neste propósito,
cotej ou três edições de vida do autor com o texto da últim a edição crítica, a de
1996, na Coleção Archivos da UNESCO, e com os m anuscritos existentes. As
edições de vida saíram em 1928 (tiragem de oitocentos exem plares paga por
Mário à gráfica de Eugenio Cupolo, em São Paulo), em 1937 (Rio de Janeiro:
Livraria José Oly m pio Editora) e em 1944 (São Paulo: Livraria Martins Editora,
nas Obras Com pletas). Os m anuscritos foram : os esboços de fragm entos de
capítulos nas notas m arginais autógrafas a grafite nas m argens do volum e II,
Mythen und Legenden der Taulipang und Arekuná Indianer (Stuttgart: Strecker
und Schröder, 1924), de Vom Roroima zum Orinoco , lendário recolhido pelo
etnólogo alem ão Theodor Koch-Grünberg; os fragm entos rem anescentes de duas
versões em autógrafo a lápis preto, de 1926 e 1927; a versão no exem plar de
trabalho do ficcionista, resultante da fusão das rasuras a tinta preta ao texto
im presso da prim eira edição, traçadas provavelm ente em 1936, tendo em vista a
segunda publicação; e a versão do título na capa rasurada do exem plar do livro
de 1944, oferecido a Paulo Zingg. Até esse exem plar com dedicatória ao am igo
j ornalista, o aposto no título não era antecedido de vírgula.
O estabelecim ento do texto norteou-se pela análise do proj eto literário e da
evolução do m esm o ao longo dos m anuscritos e das três edições citadas. Assim
sendo, respeitou as transform ações operadas no exem plar de trabalho, entre as
quais a principal é a supressão que afeta o conj unto original dos capítulos.
Macunaíma, em 1928, possui 18 capítulos e um Epílogo. Reestruturado para a
segunda edição, m antém o Epílogo e conta 17 capítulos, pois o décim o prim eiro,
As três normalistas, devido à pressão moral, desencadeada pela proposta do
herói de brincar com as m eninas de fam ília m atriculadas na escola da praça da
República, perde a seqüência final que lhe j ustificava o título. Na versão
construída pelas em endas autógrafas, o que resta dele cola-se ao início do
capítulo subseqüente, A velha Ceiuci, renum erado XI.
A atualização ortográfica pela norm a vigente, na m esm a consideração ao
proj eto literário, acata integralm ente a estilização da língua falada no país, na
prosa experim ental da rapsódia que busca captar “a entidade brasileira”.
Convicta do valor da sonoridade e do ritm o da frase, em um texto configurado
com o um a “fala m ansa, m uito nova, m uito! que era canto e que era cachiri com
m el-de-pau, que era boa e possuía a traição das frutas desconhecidas do m ato”,
passa ao largo da escrita fonética em “lião”, “viado”, “ólio” e outras palavras,
bem com o de locuções inventadas (“de-noite”, “há-de”) e substantivos
com postos grafados sem divisão ou constituídos no texto, tais com o
“arranhacéu”, “sabiágongá”, palavras-feias, bolo-de-aipim , entre m uitos.
No intuito de divulgar as tentativas do criador de Macunaíma de com preender
a própria obra, a presente edição traz, em um dossiê, dois prefácios
acom panhados de notas, deixados inéditos, e dois depoim entos – A Raimundo
Moraes e Notas diárias – publicados em 1931 e 1943.
Telê Ancona Lopez
Tatiana Longo Figueiredo
1 Macunaím a
1
MACUNAÍMA
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era
preto retinto e filho do m edo da noite. Houve um m om ento em que o silêncio foi
tão grande escutando o m urm urej o do Uraricoera, que a índia tapanhum as pariu
um a criança feia. Essa criança é que cham aram de Macunaím a.
Já na m eninice fez coisas de sarapantar. De prim eiro passou m ais de seis anos
não falando. Si o incitavam a falar exclam ava:
– Ai! que preguiça!...
e não dizia m ais nada. Ficava no canto da m aloca, trepado no j irau de
paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalm ente os dois m anos que tinha,
Maanape j á velhinho e Jiguê na força do hom em . O divertim ento dele era
decepar cabeça de saúva. Vivia deitado m as si punha os olhos em dinheiro,
Macunaím a dandava pra ganhar vintém . E tam bém espertava quando a fam ília
ia tom ar banho no rio, todos j untos e nus. Passava o tem po do banho dando
m ergulho, e as m ulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiam uns diz-
que habitando a água-doce por lá. No m ocam bo si algum a cunhatã se
aproxim ava dele pra fazer festinha, Macunaím a punha a m ão nas graças dela,
cunhatã se afastava. Nos m achos guspia na cara. Porém respeitava os velhos e
freqüentava com aplicação a m urua a poracê o torê o bacororô a cucuicogue,
todas essas danças religiosas da tribo.
Quando era pra dorm ir trepava no m acuru pequeninho sem pre se esquecendo
de m ij ar. Com o a rede da m ãe estava por debaixo do berço, o herói m ij ava
quente na velha, espantando os m osquitos bem . Então adorm ecia sonhando
palavras-feias, im oralidades estram bólicas e dava patadas no ar.
Nas conversas das m ulheres no pino do dia o assunto era sem pre as
peraltagens do herói. As m ulheres se riam , m uito sim patizadas, falando que
“espinho que pinica, de pequeno j á traz ponta”, e num a paj elança Rei Nagô fez
um discurso e avisou que o herói era inteligente.
Nem bem teve seis anos deram água num chocalho pra ele e Macunaím a
principiou falando com o todos. E pediu pra m ãe que largasse da m andioca
ralando na cevadeira e levasse ele passear no m ato. A m ãe não quis porque não
podia largar da m andioca não. Macunaím a choram ingou dia inteiro. De-noite
continuou chorando. No outro dia esperou com o olho esquerdo dorm indo que a
m ãe principiasse o trabalho. Então pediu pra ela que largasse de tecer o paneiro
de guarum á-m em beca e levasse ele no m ato passear. A m ãe não quis porque
não podia largar o paneiro não. E pediu pra nora, com panheira de Jiguê, que
levasse o m enino. A com panheira de Jiguê era bem m oça e cham ava Sofará. Foi
se aproxim ando ressabiada porém desta vez Macunaím a ficou m uito quieto sem
botar a m ão na graça de ninguém . A m oça carregou o piá nas costas e foi até o
pé de aninga na beira do rio. A água parara pra inventar um ponteio de gozo nas
folhas do j avari. O longe estava bonito com m uitos biguás e biguatingas avoando
na entrada do furo. A m oça botou Macunaím a na praia porém ele principiou
choram ingando, que tinha m uita form iga!... e pediu pra Sofará que o levasse até
o derram e do m orro lá dentro do m ato. A m oça fez. Mas assim que deitou o
curum im nas tiriricas, taj ás e trapoerabas da serrapilheira, ele botou corpo num
átim o e ficou um príncipe lindo. Andaram por lá m uito.
Quando voltaram pra m aloca a m oça parecia m uito fatigada de tanto
carregar piá nas costas. Era que o herói tinha brincado m uito com ela... Nem
bem ela deitou Macunaím a na rede, Jiguê j á chegava de pescar de puçá e a
com panheira não trabalhara nada. Jiguê enquizilou e depois de catar os
carrapatos deu nela m uito. Sofará agüentou a sova sem falar um isto.
Jiguê não desconfiou de nada e com eçou trançando corda com fibra de
curauá. Não vê que encontrara rasto fresco de anta e queria pegar o bicho na
arm adilha. Macunaím a pediu um pedaço de curauá pro m ano porém Jiguê falou
que aquilo não era brinquedo de criança. Macunaím a principiou chorando outra
vez e a noite ficou bem difícil de passar pra todos.
No outro dia Jiguê levantou cedo pra fazer arm adilha e enxergando o m enino
tristinho falou:
– Bom -dia, coraçãozinho dos outros.
Porém Macunaím a fechou-se em copas carrancudo.
– Não quer falar com igo, é?
– Estou de m al.
– Por causa?
Então Macunaím a pediu fibra de curauá. Jiguê olhou pra ele com ódio e
m andou a com panheira arranj ar fio pro m enino. A m oça fez. Macunaím a
agradeceu e foi pedir pro pai-de-terreiro que trançasse um a corda pra ele e
assoprasse bem nela fum aça de petum .
Quando tudo estava pronto Macunaím a pediu pra m ãe que deixasse o cachiri
ferm entando e levasse ele no m ato passear. A velha não podia por causa do
trabalho m as a com panheira de Jiguê m ui sonsa falou pra sogra que “estava às
ordens”. E foi no m ato com o piá nas costas.
Quando o botou nos carurus e sororocas da serrapilheira, o pequeno foi
crescendo foi crescendo e virou príncipe lindo. Falou pra Sofará esperar um
bocadinho que j á voltava pra brincarem e foi no bebedouro da anta arm ar um
laço. Nem bem voltaram do passeio, tardinha, Jiguê j á chegava tam bém de
prender a arm adilha no rasto da anta. A com panheira não trabalhara nada. Jiguê
ficou fulo e antes de catar os carrapatos bateu nela m uito. Mas Sofará agüentou a
coça com paciência.
No outro dia a arraiada inda estava acabando de trepar nas árvores,
Macunaím a acordou todos, fazendo um bué m edonho, que fossem ! que fossem
no bebedouro buscar a bicha que ele caçara!... Porém ninguém não acreditou e
todos principiaram o trabalho do dia.
Macunaím a ficou m uito contrariado e pediu pra Sofará que desse um a
chegadinha no bebedouro só pra ver. A m oça fez e voltou falando pra todos que
de-fato estava no laço um a anta m uito grande j á m orta. Toda a tribo foi buscar a
bicha, m atutando na inteligência do curum im . Quando Jiguê chegou com a corda
de curauá vazia, encontrou todos tratando da caça. Aj udou. E quando foi pra
repartir não deu nem um pedaço de carne pra Macunaím a, só tripas. O herói
j urou vingança.
No outro dia pediu pra Sofará que levasse ele passear e ficaram no m ato até a
boca-da-noite. Nem bem o m enino tocou no folhiço e virou num príncipe fogoso.
Brincaram . Depois de brincarem três feitas, correram m ato fora fazendo
festinhas um pro outro. Depois das festinhas de cotucar, fizeram a das cócegas,
depois se enterraram na areia, depois se queim aram com fogo de palha, isso
foram m uitas festinhas. Macunaím a pegou num tronco de copaíba e se escondeu
por detrás da piranheira. Quando Sofará veio correndo, ele deu com o pau na
cabeça dela. Fez um a brecha que a m oça caiu torcendo de riso aos pés dele.
Puxou-o por um a perna. Macunaím a gem ia de gosto se agarrando no tronco
gigante. Então a m oça abocanhou o dedão do pé dele e engoliu. Macunaím a
chorando de alegria tatuou o corpo dela com o sangue do pé. Depois retesou os
m úsculos, se erguendo num trapézio de cipó e aos pulos atingiu num átim o o
galho m ais alto da piranheira. Sofará trepava atrás. O ram o fininho vergou
oscilando com o peso do príncipe. Quando a m oça chegou tam bém no tope eles
brincaram outra vez balanceando no céu. Depois de brincarem Macunaím a quis
fazer um a festa em Sofará. Dobrou o corpo todo na violência dum puxão m as
não pôde continuar, galho quebrou e am bos despencaram aos em boléus até se
esborracharem no chão. Quando o herói voltou da sapituca procurou a m oça em
redor, não estava. Ia se erguendo pra buscá-la porém do galho baixo em riba
dele furou o silêncio o m iado tem ível da suçuarana. O herói se estatelou de m edo
e fechou os olhos pra ser com ido sem ver. Então se escutou um risinho e
Macunaím a tom ou com um a gusparada no peito, era a m oça. Macunaím a
principiou atirando pedras nela e quando feria, Sofará gritava de excitação
tatuando o corpo dele em baixo com o sangue espirrado. Afinal um a pedra lascou
o canto da boca da m oça e m oeu três dentes. Ela pulou do galho e j uque! tom bou
sentada na barriga do herói que a envolveu com o corpo todo, uivando de prazer.
E brincaram m ais outra vez.
Já a estrela Papaceia brilhava no céu quando a m oça voltou parecendo m uito
fatigada de tanto carregar piá nas costas. Porém Jiguê desconfiando seguira os
dois no m ato, enxergara a transform ação e o resto. Jiguê era m uito bobo. Teve
raiva. Pegou num rabo-de-tatu e chegou-o com vontade na bunda do herói. O
berreiro foi tão im enso que encurtou o tam anhão da noite e m uitos pássaros
caíram de susto no chão e se transform aram em pedra.
Quando Jiguê não pôde m ais surrar, Macunaím a correu até a capoeira,
m astigou raiz de cardeiro e voltou são. Jiguê levou Sofará pro pai dela e dorm iu
folgado na rede.
2 Maioridade
2
MAIORIDADE
Jiguê era muito bobo e no outro dia apareceu puxando pela m ão um a
cunhã. Era a com panheira nova dele e cham ava Iriqui. Ela trazia sem pre um
ratão vivo escondido na m açaroca dos cabelos e faceirava m uito. Pintava a cara
com araraúba e j enipapo e todas as m anhãs passava coquinho de açaí nos beiços
que ficavam totalm ente roxos. Depois esfregava lim ão-de-caiena por cim a e os
beiços viravam totalm ente encarnados. Então Iriqui se envolvia num m anto de
algodão listrado com preto de acariúba e verde de tataj uba e arom ava os cabelos
com essência de um iri, era linda.
Ora depois de todos com erem a anta de Macunaím a a fom e bateu no
m ocam bo. Caça, ninguém não pegava caça m ais, nem algum tatu-galinha
aparecia! e por causa de Maanape ter m atado um boto pra com erem , o sapo
cunauaru cham ado Maraguigana pai do boto ficou enfezado. Mandou a enchente
e o m ilharal apodreceu. Com eram tudo, até a crueira dura se acabou e o fogaréu
de noite e dia não m oqueava nada não, era só pra rem ediar a friagem que caiu.
Não havia pra gente assar nele nem um a isca de j abá.
Então Macunaím a quis se divertir um pouco. Falou pros m anos que inda tinha
m uita piaba m uito j ej u m uito m atrinxão e j atuaranas, todos esses peixes do rio,
fossem bater tim bó! Maanape disse:
– Não se encontra m ais tim bó.
Macunaím a disfarçando secundou:
– Junto daquela grota onde tem dinheiro enterrado enxerguei um despotism o
de tim bó.
– Então venha com a gente pra m ostrar onde que é.
Foram . A m argem estava traiçoeira e nem se achava bem o que era terra o
que era rio entre as m am oranas copadas. Maanape e Jiguê procuravam
procuravam enlam eados até os dentes, degringolando j uque! nos barreiros
ocultos pela inundação. E pulapulavam se livrando dos buracos, aos berros, com
as m ãos pra trás por causa dos candirus safadinhos querendo entrar por eles.
Macunaím a ria por dentro vendo as m icagens dos m anos cam peando tim bó.
Fingia cam pear tam bém m as não dava passo não, bem enxutinho no firm e.
Quando os m anos passavam perto dele, se agachava e gem ia de fadiga.
– Deixe de trabucar assim , piá!
Então Macunaím a sentou num a barranca do rio e batendo com os pés n’água
espantou os m osquitos. E eram m uitos m osquitos piuns m aruins arurus tatuquiras
m uriçocas m eruanhas m arigüis borrachudos varej as, toda essa m osquitada.
Quando foi de-tardezinha os m anos vieram buscar Macunaím a tiriricas por
não terem topado com nenhum pé de tim bó. O herói teve m edo e disfarçou:
– Acharam ?
– Que acham os nada!
– Pois foi aqui m esm o que enxerguei tim bó. Tim bó j á foi gente um dia que
nem nós... Presenciou que andavam cam peando ele e soverteu. Tim bó foi gente
um dia que nem nós...
Os m anos se adm iraram da inteligência do m enino e voltaram os três pra
m aloca.
Macunaím a estava m uito contrariado por causa da fom e. No outro dia falou
pra velha:
– Mãe, quem que leva nossa casa pra outra banda do rio lá no teso, quem que
leva? Fecha os olhos um bocadinho, velha, e pergunta assim .
A velha fez. Macunaím a pediu para ela ficar m ais tem po com os olhos
fechados e carregou tej upar m arom bas flechas picuás sapicuás corotes
urupem as redes, todos esses trens pra um aberto do m ato lá no teso do outro lado
do rio. Quando a velha abriu os olhos estava tudo lá e tinha caça peixes,
bananeiras dando, tinha com ida por dem ais. Então foi cortar banana.
– Inda que m al lhe pergunte, m ãe, por que a senhora arranca tanta pacova
assim !
– Levar pra vosso m ano Jiguê com a linda Iriqui e pra vosso m ano Maanape
que estão padecendo fom e.
Macunaím a ficou m uito contrariado. Maginou m aginou e disse pra velha:
– Mãe, quem que leva nossa casa pra outra banda do rio no banhado, quem
que leva? Pergunta assim !
A velha fez. Macunaím a pediu pra ela ficar com os olhos fechados e levou
todos os carregos, tudo, pro lugar em que estavam de j á-hoj e no m ondongo
inundado. Quando a velha abriu os olhos tudo estava no lugar de dantes,
vizinhando com os tej upares de m ano Maanape e de m ano Jiguê com a linda
Iriqui. E todos ficaram roncando de fom e outra vez.
Então a velha teve um a raiva m alvada. Carregou o herói na cintura e partiu.
Atravessou o m ato e chegou no capoeirão cham ado Cafundó do Judas. Andou
légua e m eia nele, nem se enxergava m ato m ais, era um coberto plano apenas
m ovim entado com o pulinho dos caj ueiros. Nem guaxe anim ava a solidão. A
velha botou o curum im no cam po onde ele podia crescer m ais não e falou:
– Agora vossa m ãe vai em bora. Tu ficas perdido no coberto e podes crescer
m ais não.
E desapareceu. Macunaím a assuntou o deserto e sentiu que ia chorar. Mas não
tinha ninguém por ali, não chorou não. Criou coragem e botou pé na estrada,
trem elicando com as perninhas de arco. Vagam undou de déu em déu sem ana,
até que topou com o Currupira m oqueando carne, acom panhado do cachorro
dele Papam el. E o Currupira vive no grelo do tucunzeiro e pede fum o pra gente.
Macunaím a falou:
– Meu avô, dá caça pra m im com er?
– Sim , Currupira fez.
Cortou carne da perna m oqueou e deu pro m enino, perguntando:
– O que você está fazendo na capoeira, rapaiz!
– Passeando.
– Não diga!
– Pois é, passeando...
Então contou o castigo da m ãe por causa dele ter sido m alévolo pros m anos. E
contando o transporte da casa de novo pra deixa onde não tinha caça deu um a
grande gargalhada. O Currupira olhou pra ele e resm ungou:
– Tu não é m ais curum i, rapaiz, tu não é m ais curum i não... Gente grande que
faiz isso...
Macunaím a agradeceu e pediu pro Currupira ensinar o cam inho pro
m ocam bo dos Tapanhum as. O Currupira estava querendo m as era com er o
herói, ensinou falso:
– Tu vai por aqui, m enino-hom e, vai por aqui, passa pela frente daquele pau,
quebra a m ão esquerda, vira e volta por debaixo dos m eus uaiariquinizês.
Macunaím a foi fazer a volta porém chegado na frente do pau, coçou a
perninha e m urm urou:
– Ai! que preguiça!...
e seguiu direito.
O Currupira esperou bastante porém curum im não chegava... Pois então o
m onstro am ontou no viado, que é o cavalo dele, fincou o pé redondo na virilha do
corredor e lá se foi gritando:
– Carne de m inha perna! carne de m inha perna!
Lá de dentro da barriga do herói a carne respondeu:
– Que foi?
Macunaím a apertou o passo e entrou correndo na caatinga porém o Currupira
corria m ais que ele e o m enino isso vinha que vinha acochado pelo outro.
– Carne de m inha perna! carne de m inha perna!
A carne secundava:
– Que foi?
O piá estava desesperado. Era dia do casam ento da raposa e a velha Vei, a
Sol, relam peava nas gotinhas da chuva debulhando luz feito m ilho. Macunaím a
chegou perto dum a poça, bebeu água de lam a e vom itou a carne.
– Carne de m inha perna! carne de m inha perna! que o Currupira vinha
gritando.
– Que foi? secundou a carne j á na poça.
Macunaím a ganhou os bredos pro outro lado e escapou.
Légua e m eia adiante por detrás dum form igueiro escutou um a voz cantando
assim :
“Acuti pitá canhém ...” lentam ente.
Foi lá e topou com a cotia farinhando m andioca num tipiti de j acitara.
– Minha vó, dá aipim pra m im com er?
– Sim , cotia fez. Deu aipim pro m enino, perguntando:
– Que que você está fazendo na caatinga, m eu neto?
– Passeando.
– Ah o quê!
– Passeando, então!
Contou com o enganara o Currupira e deu um a grande gargalhada. A cotia
olhou pra ele e resm ungou:
– Culum i faz isso não, m eu neto, culum i faz isso não... Vou te igualar o corpo
com o bestunto.
Então pegou na gam ela cheia de caldo envenenado de aipim e j ogou a
lavagem no piá. Macunaím a fastou sarapantado m as só conseguiu livrar a
cabeça, todo o resto do corpo se m olhou. O herói deu um espirro e botou corpo.
Foi desem penando crescendo fortificando e ficou do tam anho dum hom em
taludo. Porém a cabeça não m olhada ficou pra sem pre rom buda e com carinha
enj oativa de piá.
Macunaím a agradeceu o feito e frechou cantando pro m ocam bo nativo. A
noite vinha besourenta enfiando as form igas na terra e tirando os m osquitos
d’água. Fazia um calor de ninho no ar. A velha tapanhum as escutou a voz do filho
no longe cinzado e se espantou. Macunaím a apareceu de cara am arrada e falou
pra ela:
– Mãe, sonhei que caiu m eu dente.
– Isso é m orte de parente, com entou a velha.
– Bem que sei. A senhora vive m ais um a Sol só. Isso m esm o porque m e pariu.
No outro dia os m anos foram pescar e caçar, a velha foi no roçado e
Macunaím a ficou só com a com panheira de Jiguê. Então ele virou na form iga
quenquém e m ordeu Iriqui pra fazer festa nela. Mas a m oça atirou a quenquém
longe. Então Macunaím a virou num pé de urucum . A linda Iriqui riu, colheu as
sem entes se faceirou toda pintando a cara e os distintivos. Ficou lindíssim a. Então
Macunaím a, de gostoso, virou gente outra feita e m orou com a com panheira de
Jiguê.
Quando os m anos voltaram da caça Jiguê percebeu a troca logo, porém
Maanape falou pra ele que agora Macunaím a estava hom em pra sem pre e
troncudo. Maanape era feiticeiro. Jiguê viu que a m aloca estava cheia de
alim entos, tinha pacova tinha m ilho tinha m acaxeira, tinha aluá e cachiri, tinha
m aparás e cam orins pescados, m aracuj á-m ichira ata abio sapota sapotilha, tinha
paçoca de viado e carne fresca de cutiara, todos esses com es e bebes bons...
Jiguê conferiu que não pagava a pena brigar com o m ano e deixou a linda Iriqui
pra ele. Deu um suspiro catou os carrapatos e dorm iu folgado na rede.
No outro dia Macunaím a depois de brincar cedinho com a linda Iriqui, saiu
pra dar um a voltinha. Atravessou o reino encantado da Pedra Bonita em
Pernam buco e quando estava chegando na cidade de Santarém topou com um a
viada parida.
– Essa eu caço! ele fez. E perseguiu a viada. Esta escapuliu fácil m as o herói
pôde pegar o filhinho dela que nem não andava quase, se escondeu por detrás
dum a carapanaúba e cotucando o viadinho fez ele berrar. A viada ficou feito
louca, esbugalhou os olhos parou turtuveou e veio vindo veio vindo parou ali
m esm o defronte chorando de am or. Então o herói flechou a viada parida. Ela
caiu esperneou um bocado e ficou rij a estirada no chão. O herói cantou vitória.
Chegou perto da viada olhou que m ais olhou e deu um grito, desm aiando. Tinha
sido um a peça do Anhanga... Não era viada não, era m as a própria m ãe
tapanhum as que Macunaím a flechara e estava m orta ali, toda arranhada com os
espinhos das titaras e m andacarus do m ato.
Quando o herói voltou da sapituca foi cham ar os m anos e os três chorando
m uito passaram a noite de guarda bebendo oloniti e com endo carim ã com peixe.
Madrugadinha pousaram o corpo da velha num a rede e foram enterrá-la por
debaixo dum a pedra no lugar cham ado Pai da Tocandeira. Maanape, que era um
catim bozeiro de m arca m aior, foi que gravou o epitáfio. E era assim :
Jej uaram o tem po que o preceito m andava e Macunaím a gastou o j ej um se
lam entando heroicam ente. A barriga da m orta foi inchando foi inchando e no
fim das chuvas tinha virado num cerro m acio. Então Macunaím a deu a m ão pra
Iriqui, Iriqui deu a m ão pra Maanape, Maanape deu a m ão pra Jiguê e os quatro
partiram por esse m undo.
Ci, Mãe do Mato
3
CI, MÃE DO MATO
Compartilhe com seus amigos: |